O BIG BRASA E MINHA VIDA MUSICAL
   

Trechos do livro
O Big Brasa e minha vida musical

O grupo unido após uma noite de trabalho
e muito som pesado !

name="_x0000_i1025" img

João Ribeiro - o "Beiró" (líder da Banda)

Lucius, Severino, João Ribeiro,
Adalberto e Edson

INTRODUÇÃO

A música esteve sempre em minha vida, marcando forte presença. Desde criança, em São Paulo, e depois em Fortaleza, o mundo da música influenciou minha maneira de ser e despertou algumas características e habilidades que talvez não aflorassem sem ele.

As palavras seguintes foram escritas com o simples objetivo de registrar para os meus filhos - e quem sabe netos - e outros parentes, além de amigos e colegas, o que aconteceu durante o meu envolvimento com a música, as minhas diversas e estreitas ligações com o meio musical, particularmente no período em que existiu o conjunto musical Big Brasa, do qual fiz parte primeiramente como guitarrista-solo e depois como tecladista, administrando-o por alguns anos.

Agora com a Internet as chances de estes conhecimentos passarem adiante serão maiores e fico feliz se puder de alguma forma contribuir para aqueles que começam a carreira artística ou para os amigos saudosistas, que como eu consideram esse período como verdadeiramente inesquecível.

Os fatos passam muito depressa e muitos acontecimentos simplesmente desaparecem de nossa memória ou talvez fiquem armazenados em longínquos arquivos perdidos no emaranhado de nossa mente. Sempre pensei em escrever sobre o meu envolvimento com a música. Ao aprender que existe uma diferença bem grande entre a fantasia, os sonhos e a realidade, decidi pôr em prática e detonar o projeto. De início gostaria de afirmar que este pequeno ensaio não tem grandes pretensões no que se refere à escrita. As idéias serão sempre mais importantes do que as regras, quando se trata da transmissão de fatos. Portanto, aqueles que se interessarem pelos conhecimentos aqui contidos, procurem desfrutar o máximo possível e entender todos os acontecimentos estabelecendo parâmetros existentes aos anos em que eles ocorreram, ou seja, com as dificuldades do momento, o ímpeto da juventude, a falta de experiência em decorrência da idade.

Não espere uma obra literária, mas sim um relato simples de um cara esforçado e que começou a trabalhar muito cedo. Na cronologia, procurarei entremear os fatos que para mim foram mais significativos, de modo especial aqueles ligados à música. Você, que agora está iniciando a leitura desta história, deverá estar com o espírito numa boa, desarmado de qualquer preconceito. Não fique triste e não desanime se não for músico e por esse motivo deixar de entender algum detalhe técnico, em especial sobre equipamentos ou eletrônica. Calma, fique frio, que ainda há tempo para aprender muita coisa interessante...

Nós, que participamos do conjunto musical Big Brasa, vivemos um período extraordinário, pois conseguimos realizar um de nossos primeiros sonhos, transformando-os em uma realidade palpável, conhecida e apreciada por muitas pessoas. A existência do Big Brasa, entre outros fatores benéficos, contribuiu ainda para que eu ganhasse mais desembaraço, por força dos inúmeros contatos realizados, o que particularmente me auxiliou muito, pois aprendi a enfrentar os problemas desde cedo e a tentar resolvê-los, na medida do possível. Algumas decepções decorrentes do trabalho nunca nos desanimaram. As inúmeras vitórias e o sucesso obtidos muito enriqueceram nossas vidas, tenho certeza.

Independentemente do caminho seguido pelos participantes do conjunto Big Brasa ou das pessoas que estavam à nossa volta, tudo o que passamos fortaleceu nossos espíritos, personalidades e massageou nossos egos, o que não faz mal a ninguém. A vivência adquirida, os perigos enfrentados, as descobertas feitas, as experiências, os obstáculos superados, tudo isso nos fez muito bem.  Não há uma rigorosa ordem cronológica dos fatos narrados. Do conjunto musical Big Brasa temos imagens apenas em fotografias. Entretanto, no decorrer da leitura você encontrará vários flashes referentes à música, ao Big Brasa ou a seus integrantes, os quais, de acordo com o envolvimento de cada participante nos episódios relatados, de maneira direta ou indireta, remeterão avisos para as áreas mais remotas de nossa memória e certamente trarão lembranças agradáveis.

Foram muitas as experiências e situações vividas durante nossa jornada, muitos desafios e perigos enfrentados. Todos começamos a trabalhar ainda muito jovens, com muito entusiasmo e dedicação pelo que fazíamos. Certamente que as circunstâncias diversas nos trouxeram mais responsabilidade e equilíbrio. É por demais oportuno agradecer a Deus e a nossos guias por nos terem protegido dos perigos que nos rondaram.

Agradecimento especial todos devemos a meu pai, Alberto Ribeiro da Silva, o Mestre Alberto, e à minha mãe, Francisca Amasile Pereira da Silva, a Dona Zisile, pela ajuda constante, incondicional e das mais diversas formas, no desenvolvimento do conjunto. De modo particular agradeço à minha mulher Aliete, que muito me incentivou, me compreendeu e suportou as dificuldades decorrentes da profissão, visto que ainda jovens não tivemos quase oportunidade de diversão. Os sábados, domingos e feriados não existiam para nós para lazer, era puro trabalho, muitas vezes cansativo, mas gratificante. Quem é músico sabe disso muito bem...

O COMEÇO DE TUDO

-      Música desde criança

Meu nome é João Ribeiro da Silva Neto. Nasci em São José dos Campos, São Paulo, aos 29 dias de abril de 1952. Filho de pais maranhenses, Alberto Ribeiro da Silva e Francisca Amasile Pereira da Silva.

Em São José, morava na Rua Justino Cobra, 235, na Vila Ema. A cidade, de clima frio, sempre foi muito agradável, limpa e calma. Tenho excelentes lembranças de minha infância.

Alguns costumes do sul são muito diferentes dos nordestinos. Quase sempre brincava sozinho, por falta de colegas. Talvez para preencher esses espaços, minha mãe se desdobrava para me dar presentes sempre que podia. Não só brinquedos, mas principalmente livros, muitos livros. A coleção completa de Monteiro Lobato, os “Contos de Grimm”, “Contos de Andersen”, “Antes que Aprendam na Rua” e a coleção “Tesouro da Juventude”, foram meus bons companheiros. Com quase seis anos de idade comecei a estudar acordeon. Minha professora era D. Ivone, e morava a poucos quarteirões de nossa casa, na Vila Ema. Lembro-me na realidade de que ela tocava as músicas para eu ouvir e depois me ensinava a melodia. Nesse tempo eu não tinha ainda acordeon. Ficava a seu lado direito e usava somente o teclado de um acordeon de 80 baixos, da D. Ivone, de marca Scandalli. Aprendi a utilizar os baixos, que fazem a marcação e a harmonia. Depois de alguns meses ganhei de presente meu primeiro acordeon, de 14 baixos. Esse acordeon, também Scandalli, foi adquirido de um judeu, amigo do meu pai, chamado Luís Rosemberg, mediante uma troca na qual entrou até uma coleção Tesouro da Juventude, quando eu tinha 6 para 7 anos de idade.

Quando voltava da aula, a pé, vinha tocando “Rosa Maria”, que segundo meus pais era a música que eu gostava mais, talvez por tê-la aprendido primeiro. O segundo acordeon, aos 8 anos, foi presente de minha mãe Zisile, também Scandalli, mas de 80 baixos, tão grande para mim que eu não podia segurá-lo de forma correta. O incentivo e gosto de meus pais pela música foram constantes. Até o bolo de meu aniversário de 6 anos, muito grande e confeitado por minha mãe, tinha a forma de uma cítara. Na foto ao lado apareço no terraço de nossa casa, em São José dos Campos.

-      Tentativa de conseguir um milagre com música

Da infância e dos primeiros anos de música, lembro de um fato interessante, coisas de menino. Certo dia, meu pai chegou  em casa trazendo um presente para mim. Cinco ou seis pintinhos, que ele ganhou não sei onde. Fiquei super animado com os bichinhos e, para curtir melhor ainda aqueles “brinquedos” coloquei-os para nadar em um tanque no quintal. Devo ter ficado ali por algum tempo me divertindo e olhando os pintinhos nadarem. Não sei porque motivo saí de perto, me envolvi com outra coisa, certamente, e esqueci aquela brincadeira. Foi o suficiente para a tragédia. Quando eu lembrei dos pintinhos e voltei correndo para continuar a brincadeira me deparei com todos eles flutuando no tanque. Morreram de cansaço pois, pela altura do tanque e quantidade de água, não conseguiram alcançar a borda e sair.  A ligação desse lance com a música deu-se pelo fato de eu ter pegado o acordeon e ir para a frente de um oratório e ficar tocando desesperadamente para Nossa Senhora e pedindo que ela ressuscitasse os pintinhos. Mas infelizmente isso não ocorreu. Achava que com a música iria agradar Nossa Senhora e assim facilitar aquele meu difícil pedido.

Já em Fortaleza, por volta de 1962, quando morava perto da Igreja de Fátima, voltei a estudar acordeon com o professor João Colares, hoje maestro. Ensinava em sua própria casa, na rua Joaquim Távora, centro da cidade. Estudava uma temporada e parava outra, não por malandragem, mas por dificuldades de transporte e problemas de saúde. Quando voltava tinha que repetir o primeiro livro de novo. Não avancei o esperado, creio. Mas serviu para que eu aprimorasse o conhecimento de leitura musical.

Em 1963 ocorreu nossa mudança para Messejana, um pequeno e maravilhoso distrito a oito quilômetros de Fortaleza, de clima saudável, o que veio a constituir um marco importante em nossas vidas. Nos trouxe muita sorte e felicidade, principalmente pelo meu pai ter realizado um de seus sonhos, o de comprar uma casa própria em Fortaleza. Em princípio voltei-me para a gandaia. Muitos colegas para brincar, jogar bola e malandrar. Tudo o que faltava em São José dos Campos apareceu de repente. Aí eu passei uma boa temporada, mais ou menos um ano, sem querer saber de música. Dava um trabalho danado para a mamãe e só queria jogar futebol de salão, de campo, tudo. Fui campeão de Futebol de Salão pelo Colégio Cearense em 1965, jogando como goleiro e também como atacante. Mas em compensação fui reprovado no final do ano em cinco matérias. É como aquela velha história: para jogar, um aço, para estudar, um fracasso... 

Com 14 anos fui contaminado outra vez pela música. Depois das brincadeiras de dublagens, quis aprender a tocar violão. Logo consegui adquirir um, de tamanho médio, mas não sabia nem mesmo afiná-lo. Descobri que  em nossa rua, a José Hipólito, morava o Zé da Senhora, que era um jogador de futebol do Salgado da Gama, time de Messejana, que sabia tocar violão e me ensinou a afinar e a tocar os primeiros acordes. Uma de suas músicas prediletas era a Marcha dos Marinheiros. Nas primeiras semanas eu devo ter perturbado muito o Zé da Senhora, porque quase todas as tardes passava na casa dele para que conferisse a afinação do instrumento e tocasse alguma música. Daí voltava para casa e tentava repetir tudo até aprender.

Perto do campo de futebol do Salgado da Gama, em Messejana, moravam dois irmãos, que também tocavam a Marcha dos Marinheiros e outras músicas muito bem. No violão, faziam batidas de bolero e muitas outras que eu não conhecia, as que hoje em dia o pessoal acha super brega. Não se negavam a ensinar o que sabiam. Por isso freqüentei diversas vezes a casa desses rapazes e aprendi muito com eles, aos quais deixo registrado o meu agradecimento.

Naquela época os meios para o aprendizado musical em Fortaleza, particularmente em Messejana, praticamente não existiam, nada se comparando aos que existem hoje em dia, com revistas de músicas cifradas para violão, fitas de aula em vídeo e métodos para aprendizagem de todo o tipo. Naquele tempo a gente tinha que aproveitar todas as chances possíveis para aprender.

- A época das dublagens

  Em Messejana, entre os anos de 1964 e 1965, antes mesmo da idéia ou pretensão de formar um conjunto musical, eu e alguns de meus colegas de infância nos reuníamos em nossa casa, na garagem, para fazer dublagens. No grupo estavam sempre o José Wellington, o Luís, o Amaury, o Sérgio e outros meninos e meninas mais novos, que faziam parte da platéia. Nós colocávamos uns discos na radiola – quase sempre compactos do Elvis Presley - e começavam as dublagens. Tinha aplausos no final e tudo, como em um show de verdade. Foram realmente bons tempos.

-      As serenatas em Messejana

Mais tarde, na adolescência, após termos aprendido um pouco de violão e usado os conhecimentos de teclado do acordeon para tocar escaleta, fizemos muitas serenatas em Messejana. A escolha do repertório e o ensaio das músicas sempre foi o de mais importante.

As serenatas eram feitas com toda a tranqüilidade, pois diferentemente de hoje em dia, praticamente não havia perigo nas ruas e podíamos transitar até às altas horas da madrugada e voltar para casa sem problemas. O roteiro das serenatas passava pelas casas das paqueras, namoradas ou simplesmente de colegas. Na maioria das vezes tocávamos na casa de quase todas as garotas de nossa turma.

Após o ensaio e a definição do repertório a turma toda se deslocava pelas ruas conversando animadamente. Quando nos aproximávamos de uma das casas escolhidas para a serenata havia o momento silencioso da chegada, nem sempre tão silencioso como deveria ser, e um certo temor de que o pai da garota acordasse e reclamasse. Depois, o início das músicas e a espera do sinal, que consistia no acendimento de uma lâmpada qualquer da casa, de preferência externa, para que notássemos que a serenata tinha sido percebida. Tudo nos deixava muito ansiosos. Parecia existir uma certa magia naquilo que fazíamos.

Em uma das serenatas feitas na casa do Hugo Pompeu, que fica no lado oeste da lagoa de Messejana, quando estávamos tocando e cantando aquela música que diz assim: - Vento que balança as palhas do coqueiro... Um amigo nosso, chamado Luciano, se pendurou nas palhas de um coqueiro anão para fazer uma real sonoplastia. Resultado: no meio da música a palha quebrou e ele caiu no chão, fazendo um barulho danado. A cena marcou o fim da serenata e o começo da “farra”. Daí por diante o riso generalizou-se e a serenata não teve condições de prosseguir. Fomos embora depressa, antes que houvesse alguma reclamação por parte dos donos da casa.

No início desse período de serenatas, quando a maioria da turma tinha 15 anos, havia pureza total no que se refere às bebidas e quaisquer outros envolvimentos perigosos para a nossa idade. Drogas, nem pensar. Só mais tarde é que um ou outro fazia “uma base”, como se chamava, tomando um pouco de cerveja, mas sem nenhum exagero. Eu nunca gostei de bebidas e por isso mesmo ficava sem beber nada. Tenho certeza de que fiz bem.

Tempos depois, profissionalmente no Big Brasa, nunca tomava nada de bebidas alcoólicas. Este exemplo procurei transmitir para meus filhos, no sentido de que, na minha opinião, o músico que se preza tem que estar sempre sóbrio para melhor desempenhar sua função. Graças a Deus nunca precisei de bebida alcoólica ou de nenhum outro tipo de estimulante para tocar. Em funções no Big Brasa como guitarrista-solo, especialmente nos temas onde havia muitos improvisos, sentia muitas vezes uma sensação espetacular, indescritível, quando a própria música me elevava o espírito de forma que eu não conseguia ver ninguém naqueles momentos, parecendo estar em um mundo inteiramente novo e espetacular. Ou seja, a própria música me embriagava. Isso ocorria por vezes também em razão do ambiente em que nos apresentávamos, visto que alguns nos favoreciam com iluminação adequada, “luz negra” ou outros efeitos especiais de palco que ajudavam a “fazer o clima”. Em muitas oportunidades, completamente envolvido pela música, cheguei a fazer improvisações na guitarra, das quais no dia seguinte não conseguia lembrar quase nada.

- Como surgiu o apelido "Beiró"

Muita gente não sabe como surgiu o apelido “Beiró”, através do qual fiquei conhecido no meio musical. Foi assim: em Messejana, de 13 para 14 anos eu gostava demais de jogar bola. Fizemos um campinho de futebol num terreno em frente à nossa casa e, depois que chegava do Colégio Cearense, corria para lá e passava a tarde inteira no “racha”. A mamãe, quando tinha que me chamar, à distância, gritava  “João Ribeiroooooo”, estendendo a terminação da palavra, de modo que o que se ouvia a distância era apenas o “beiroooooo”. E assim,  por brincadeira, um vizinho nosso, o Pinha, começou a me chamar somente de “Beiró”, como soava o chamamento de minha mãe. Daí o apelido pegou e fiquei conhecido assim. Na foto ao lado estou posando como goleiro na rua José Hipólito, a “Estrada do Fio” de antigamente (1964).

Se no meio musical sou conhecido por Beiró, como radioamador, classe “A”, de prefixo PT7-JSN, meu nome (ou QRA) é Silva Neto, por soar mais facilmente. “QRA” significa o nome do operador, segundo o código internacional “Q”, utilizado em transmissões via rádio.

Em Brasília e no serviço público federal, no qual servi por muitos anos como Analista de Informações, ligado aos órgãos de Inteligência do Ministério do Trabalho e da Presidência da República, me chamavam de Silva Neto. No seio da família simplesmente de João Ribeiro. É este o nome que realmente gosto de ser chamado. Pudera eu ter conhecido meu avô João Ribeiro da Silva, homem bom, que desapareceu cedo, mas conseguiu deixar lembranças fortíssimas em toda a família, as quais perduram até hoje. 

O CONJUNTO BIG BRASA

-      O “Quartel General” da Rua José Hipólito

A idéia de formar um conjunto surgiu em conversa com os colegas de Messejana. A partir daí, com o total apoio de meus pais, foi como uma bola de neve. A vontade e o entusiasmo pela música cresceram rapidamente.

O embrião do conjunto musical Big Brasa foi em nossa casa, na rua José Hipólito, 698, em Messejana. Durante toda a existência do grupo e de minha vida musical a sede sempre foi a mesma. O local onde foi realizado o primeiro ensaio do grupo, foi por algum tempo meu quarto, que dividia com o Carló. Tinha as paredes todas pintadas, com desenhos coloridos, feitos com tinta a óleo. Nele desenhávamos de tudo. Guitarras, pistas de corrida e até mesmo o famoso personagem “Amigo da Onça”, este feito pelo Carló. Até um dia desses, em uma das reformas que fiz em nossa casa, vimos as marcas das pinturas que ainda estão lá, agora encobertas por um tipo de revestimento. Aquele ambiente era nosso mundo. O violão sempre ficava disponível, em cima de uma cama ou cadeira, para facilitar o seu rápido acesso. Tudo o que era de equipamento nós montávamos empilhados, de modo a formar uma “parede de som”. Sem intenção, nós projetávamos o que iria acontecer em um futuro breve.


A PRESENÇA MARCANTE DO “MESTRE ALBERTO”

Alberto Ribeiro da Silva, meu pai. O Mestre Alberto, como alguns o chamam até hoje, teve presença marcante no Big Brasa.

Apreciador fanático da boa música, independente do estilo, mesmo sem conhecimentos teóricos sobre o assunto sempre demonstrou ter bom ouvido, pois como ele próprio diz, sabia quando “alguma coisa estava errada”. Acompanhou o Big Brasa por uns três anos. Nas festas ele ficava circulando, ouvindo o som do conjunto dos diferentes pontos do clube para nos informar se estava bom ou não. Volta e meia trazia elogios recebidos ou reclamações (quase sempre de diretores ou dos coroas) sobre o alto volume de som do grupo. Cuidava dos contratos e de receber e distribuir os cachês para o grupo, na base de 10 por cento do líquido para cada participante. 

Exerceu fundamental papel, também, como orientador do conjunto, uma espécie de guru. 

           Apesar de ser um ardoroso apreciador da música, ele sempre nos alertava para o fato de que o conjunto poderia “não dar camisa a ninguém”, querendo dizer que deveríamos estudar e ter uma outra profissão, tendo em vista as dificuldades que os músicos encontram, via de regra, para sobreviver apenas da música, de modo especial numa região pobre como a Nordeste.  

OS EQUIPAMENTOS  E AS DIFICULDADES DA ÉPOCA

-      As primeiras guitarras

Nossas primeiras guitarras foram adquiridas do conjunto “Os Rataplans”, dos meus amigos César Barreto e seu irmão Antônio Carlos Barreto Filho, o Barretinho, que infelizmente nos deixou há algum tempo. Eles tocavam com guitarras de fabricação caseira. Instrumentos bem construídos, leves, e que deveríamos ter mantido até hoje como verdadeiras relíquias musicais. Como “Os Rataplans” estava em vias de renovar seu instrumental, adquirimos dele duas guitarras e um contrabaixo.

Com esses instrumentos fizemos nossa grande estréia, no Balneário Clube de Messejana, e na minha primeira guitarra por muitas vezes toquei o prefixo do Big Brasa, “And I Love Her”, dos Beatles. A renovação de nosso equipamento transcorreu de forma gradual e contínua, nos anos seguintes, de acordo com nossas possibilidades financeiras e com o progressivo aumento do número de contratos.

Sobre essa pequena guitarra vale mencionar que poucos dias antes de nossa primeira apresentação o César Barreto esteve em nossa casa e me ensinou a introdução da música “O Tijolinho”, na tonalidade de Lá Maior. Eu ficava simplesmente fascinado com o som que ele conseguia “tirar” e pela facilidade que tocava a guitarra, parecia brincadeira. Para o César aquilo era a coisa mais simples do mundo, porque tinha prática e estava bem acostumado com o instrumento. Olhando para ele, eu pensava: “puxa, será que vou conseguir tocar desse jeito algum dia?”. O César  e todos os seus companheiros de conjunto, o Barretinho (guitarra e vocal), o Camelo (baterista) e o Adilson (contrabaixista) sempre deram a maior força para nós.

-      O uso do contrabaixo

Para aqueles que são leigos ou não têm muita percepção musical, a falta de um contrabaixo em um conjunto é mais ou menos como a falta de um goleiro em um time de futebol, para ser  “sutil”  na comparação. Ou a mesma coisa que sentir-se inteiramente nu, em plena Praça do Ferreira, no meio de uma multidão. O negócio é “brabo”. Quando a gente está tocando uma música, e o contrabaixo, por algum motivo, pára de funcionar ou deixa de tocar algumas notas, sente-se um vácuo, um vazio, uma sensação estranhíssima. Quando ele volta é uma beleza, o sangue retorna, a música fica mais harmoniosa, enfim, tudo vai bem. O contrabaixista tem que ser um cara ligado. Não pode faltar nem por poucos instantes.

No início dos chamados Anos Dourados, nós do Big Brasa, em Fortaleza, particularmente pela falta de equipamentos e informações musicais diversas, tocávamos sem contrabaixo. Acostumados que estávamos a cantar com o acompanhamento de violão ou violões, a substituição pelas guitarras foi aceita com todo o entusiasmo e não se notava muito a falta de um contrabaixo pelo próprio desconhecimento de sua necessidade, conforme foi dito.

Ainda bem que foi por pouco tempo. Depois que se acostuma pelo menos por uma vez a tocar com a marcação e com a harmonia proporcionadas pelo contrabaixo não se consegue mais retornar à situação anterior.

A entrada do contrabaixo no Big Brasa foi  incentivada  pelo “quase irmão” e grande amigo, o saudoso Barretinho, irmão do César Barreto. Excelente músico, saxofonista, guitarrista e vocalista dos “Rataplans”. Ele insistiu com o meu pai, dizendo que o contrabaixo era a alma de um conjunto e que não se podia tocar sem ele. Daí para a frente a coisa mudou - e para bem melhor! 

Vale dizer que nas próprias gravações iniciais dos anos 60, o contrabaixo não era destacado como merece. Ouvia-se seu som e sua marcação, mas os destaques e maior presença do instrumento nos arranjos musicais veio mais tarde. Hoje a gente percebe que as músicas que caracterizaram a Jovem Guarda, gravadas na época do iê-iê-iê, (música “pop”, como também era designada na época), por exemplo, têm aquele sonzinho de lata, meio “fajuto”, se comparado à qualidade que se possui na atualidade.

-      Instrumentos e acessórios musicais

No início do Big Brasa tudo era muito difícil em Fortaleza. Não havia nenhuma loja especializada em instrumentos musicais. Algumas possuíam seções com poucos instrumentos ou acessórios. A diversificação dos produtos oferecidos era mínima. Por exemplo, quando se encontrava um tipo de encordoamento ou mesmo simplesmente “palhetas” para violão em determinado lugar você já poderia se dar por satisfeito.

Havia, no entanto, a casa do Sr. Aurélio (avô do saxofonista Zezinho), no Benfica, onde podíamos encontrar peles diversas para bateria, palhetas para guitarra (isso mesmo!) palheta era coisa difícil para caramba. Também baquetas e outros acessórios, como cordas para guitarra e contrabaixo. Esses acessórios somente podiam ser encontrados lá. Hoje em dia a casa ainda vende esses materiais, dirigida pelas sobrinhas e outros familiares do Sr. Aurélio, já falecido. Esse senhor, nós descobrimos que nasceu parece que em Riachão, mesma terra de minha mãe. Um dia desses, recentemente, estive por lá para comprar um encordoamento de nylon, à noite. Uma das senhoras me reconheceu prontamente. Muita memória, depois de aproximadamente 25 anos. Mas disse que estava um pouco mudado, mais gordo etc. Imagine ela... Mas é assim mesmo, quando se passa bastante tempo sem ver alguém, imaginamos que a pessoa permanece tal como está armazenada em nossa memória, com os traços intactos. Mas o tempo vai nos pregando surpresas.

Em outra oportunidade encontrei, em uma feira de informática, com um guitarrista, chamado Evaldo, que tocava em um conjunto do Bairro de Fátima. Ao me ver, ele disse, muito admirado:

- Puxa, cara, você não mudou nada, não tem nenhum cabelo branco, o que é que você tem feito?

O Evaldo é apenas um pouco mais velho do que eu  e já estava com a cabeça toda branca. Um dos segredos, acho eu, é aprender a encarar com tranqüilidade a ação do tempo e sempre avaliar cada situação de acordo com nosso potencial do momento.

-      Os amplificadores e as caixas de som

As caixas de som, como chamávamos, no início eram pequenas e integradas aos amplificadores. Tínhamos no Big Brasa amplificadores de 6, 8 e 10 Watts, com as caixas de som, com mais ou menos 70 a 80 centímetros de altura, coisas simplesmente ridículas se comparadas ao que existe hoje em dia em matéria de equipamentos musicais. Tanto que pouco aparecem nas fotografias, escondidas atrás dos músicos. Imaginem só: duas guitarras ligadas a um amplificador de 6 Watts, com um alto-falante de 6 ou 8 polegadas. Que sonzão!

Com o aumento da potência e da qualidade dos equipamentos, nos anos seguintes os amplificadores começaram a ser produzidos em módulos, separadamente das caixas de som. Abaixo seguem-se comentários sobre alguns desses equipamentos, para que vocês tenham uma idéia mais precisa do material que nós trabalhamos.

-      O amplificador Delta

Um dos primeiros equipamentos utilizados pelo Big Brasa para o som de voz  foi o amplificador Delta. Tinha o gabinete parecido com os rádios  transmissores e receptores da mesma marca. Aquecia demais e precisava funcionar com a tampa aberta, para receber mais ventilação. Em uma das funções do Big Brasa, o “bicho” estava dando problema. O papai, cheio de boa vontade, foi se meter a técnico e, inocentemente, meteu a mão dentro do Delta para apertar uma válvula de saída de áudio, daquelas tipo chupeta. Queimou a ponta do dedo, logicamente. Além do susto, o choque também não deve ter sido pequeno. Ainda vai, Mestre Alberto?

O superaquecimento dos amplificadores foi um problema seríssimo para o conjunto. Eles ficavam “mesmo que fogo” e exatamente por isso apresentavam defeito com maior facilidade do que os atuais, queimando ou danificando filamentos de válvulas. Um dos macetes que descobrimos foi o de não transportar o equipamento logo após de desligá-los. Os bigus esperavam um pouco, tempo suficiente para que as válvulas esfriassem e pudessem ser movimentadas sem pifar. Mais tarde, o papai apresentou uma idéia muito legal para a solução do problema, imediatamente adotada. Foi a de comprar pequenos ventiladores, os quais, sobre uma chapa de sustentação colocada embaixo dos amplificadores, passavam o tempo todos ligados, não deixando o superaquecimento chegar. Os prejuízos decorrentes de equipamentos quebrados por esse problema diminuíram depois desta simples, mas excelente idéia.

Após esse amplificador Delta, surgiu mais um avanço: o serviço de som Gianinni, modelo A-100, valvulado, composto de dois módulos, em um “rack”, com suas colunas de som e os seus respectivos suportes laterais. Na parte de cima do “rack” ficava instalado o misturador, para seis microfones, e na parte de baixo, o amplificador de potência. Naquele época, era um dos melhores. Comparando-se ao que existe hoje é como se estivéssemos utilizando uma mesa de som estéreo, com “tudo que tem direito” e muita qualidade e potência de som. Cada aquisição de equipamento causava intensa satisfação para todos, como esse serviço de som A-100, comprado na Mesbla.

Num dos carnavais  que tocamos em Cascavel descobrimos que o som estava baixando (oscilando) muito por causa de uma válvula que estava frouxa em seu suporte. Quente para caramba, mas o Marcílio, que foi o cantor daquela jornada momina, de vez em quando ficava apertando a tal válvula para que o som melhorasse. Ele lembra e ri muito desse lance até hoje. No ano seguinte surgiram outros modelos, o A-200 e o A-300, um pouco melhores e mais potentes.

Pouco a pouco, com o avanço tecnológico, novas marcas e modelos de amplificadores apareceram no mercado. Fomos renovando nosso equipamento, pouco a pouco. Surgiram os amplificadores “Tremendão”, da Gianinni, com potência de 100 Watts de saída, para guitarras, órgãos eletrônicos, voz e contrabaixo. Essas “caixas” permaneceram bastante tempo no mercado e tinham uma saída incrível. Todo mundo desejava ter um amplificador “Tremendão”.  O amplificador tinha quatro válvulas de saída de áudio tipo “6L6”, que produziam uma sonoridade aveludada, um som mais puro. Para as caixas de contrabaixo usávamos as válvulas “EL-34”, que se encaixavam nos mesmos soquetes (encaixes para válvulas) mas que tinham um som mais agressivo e duro, bem apropriado ao instrumento. Essas máquinas resistiam bem à rotina de ensaios e funções variadas, com transportes para lá e para cá toda hora.

Outra novidade que os amplificadores Tremendão trouxeram foi o Reverber. Consistia em um circuito ligado a um módulo que ficava dentro do amplificador, numa caixa metálica com duas molas e pequenas bobinas, que pelo circuito eletrônico produziam  reverberação no som. O reverber enriquecia a qualidade de áudio nos solos e também em marcações feitas pelas guitarras. Depois de acostumados a ele, parece que incorporávamos sua sonoridade. A reverberação por ele produzida podia ser controlada através de botões específicos, no amplificador. Quando apresentava algum defeito, aí complicava. Era a desvantagem: quando um fiozinho desligava lá por dentro, em especial do compartimento metálico de molas e minúsculos transformadores, disparava uma microfonia (aquele apito bem alto, que incomoda bastante) para valer. E aí o Reverber tinha que ser desligado imediatamente, pois a microfonia tornava-se insuportável. Não posso falar de reverber sem mencionar a música “O Milionário”, que sem esse recurso era quase impraticável de ser executada. Em algumas festas, quando essa música estava “na parada”, cheguei a tocá-la inúmeras vezes.

-      O amplificador True Reverber (Gianinni)

Usamos esse amplificador para a guitarra-solo. Tinha excelente qualidade, mas pouca potência sonora. Quando se aumentava o volume mais um pouco o som ficava distorcido.

-      A caixa e amplificador Alex

Esse amplificador possuía muita potência. Nos causou espanto pela primeira vez que tivemos que abri-lo, para substituir um alto-falante que estava com problemas. Tentamos abrir a caixa da forma convencional e conseguimos ver os alto-falantes. Depois de alguns minutos alguém notou uma abertura dentro da caixa, e ao olharmos para cima logo os encontramos, mas em posição não convencional, ou seja, virados para baixo. A arquitetura sonora era diferente das demais, que tinham os alto-falantes parafusados na parte frontal da caixa de som.

Havia uma preocupação e a necessidade de trocar de equipamentos com relativa freqüência, em razão da concorrência. Por isso mesmo é que a maioria dos conjuntos não agüentava a barra e ia à falência cedo. Por outro lado, para economizar também fazíamos reformas nos equipamentos, como troca de cobertura de napa, cantoneiras, pintura de suportes e outras. Cansei de passar noites quase inteiras, madrugada adentro, retirando coberturas de napa dos amplificadores e das caixas de som e recobrindo-os com novo material. Dava um trabalho lascado. Puxa aqui, estira dali e pronto. Amplificadores e caixas novos de novo! Volta e meia ficava um canto mal feito mas tudo bem, não dava para ninguém notar e a economia tinha sido feita...

Desse modo o esforço estava plenamente recompensado pelo prazer de nos apresentar com um instrumental novinho, bonito, e com um som legal.

-      Os consertos de emergência e as improvisações

Muitas vezes tínhamos que fazer consertos de emergência nos amplificadores, na Capital ou no interior do Estado, quase sempre com pouco ou nenhum material específico. As válvulas de saída de áudio eram a “EL-34” e a “6L6”, que tinha um som melhor. Num desses dias, em Pacoti, foi feita uma solda em um fio da bobina de um reverber, com um ferro de soldar enorme, aquecido por uma forja. Vejam a “sutileza” dessa soldagem.

Em outra oportunidade o Carló desmontou um amplificador de contrabaixo, durante um baile, conseguiu localizar o defeito e trocar um resistor (componente eletrônico), tendo o equipamento voltado a seu funcionamento normal depois daquela rápida intervenção. Mas a verdade é que muitas vezes não conseguimos nos sair tão bem. Em algumas oportunidades os amplificadores pifaram mesmo, para valer, e não teve jeito. Nós sabíamos, mais ou menos, quando o defeito era sério, pela experiência. E também o bom senso para decidir se daria ou não tempo para consertá-lo na hora, coisa muito difícil, por inúmeras razões: falta de peças ou componentes eletrônicos, falta de meios técnicos apropriados, de material e de tempo para o reparo. Em virtude disso, houve períodos que o Big Brasa sempre andava com um amplificador de reserva, para qualquer emergência.

-      Os cabos e as extensões, sempre problemáticos

Tenho que falar dos cabos. Cabos e mais cabos “coaxiais”, para ligações dos diversos instrumentos (guitarras, contrabaixo, microfones e teclados) aos amplificadores e as extensões elétricas. Não podia confiar neles, nem em seus “plugs” ou conectores. Mesmo quando não apresentavam defeito durante as apresentações, quando alguém neles pisava, ou simplesmente suas ligações se rompiam com nossos movimentos, no dia seguinte eu ia examinar um por um. Isso porque na hora de dobrá-los, ao fim dos bailes,  poderia dar problema e alguma ligação se romper. Pegava logo o ferro de soldar, solda, alicate de corte, sentava-me no chão ou em algum banquinho e começava a revisão. Meu filho Alberto Neto, ainda criança, invariavelmente ficava me “ajudando” nessas manutenções.

-      A famosa “mala-da-cobra”

Em geral, todo técnico que se preza e também os conjuntos musicais têm uma “mala da cobra”. Chamávamos de “mala-da-cobra” toda caixa, bolsa ou qualquer outro tipo de depósito para transportar os cabos, as extensões e outras miudezas necessárias ao funcionamento do conjunto, tipo “plugs” diversos, conectores, tomadas, fita isolante, parafusos extras e tudo aquilo que se imagina que poderá quebrar numa apresentação. A tal mala deveria conter ainda ferramentas de primeira necessidade, para as emergências.

Esse nome “mala-da-cobra” se justificou muito bem quando, em uma ocasião, o conjunto tinha acabado de tocar em um clube de Sobral e ao final da festa fomos guardar as tumbadoras em seus estojos de proteção. Dentro deles foi encontrada uma cobra. Que susto. A cobra, certamente se encantou com o som do Big Brasa e com o calor dos estojos. 

-      A primeira bateria

Toda azul, com as partes metálicas de cor cinza metálico, foi adquirida da charanga do Gumercindo, líder da torcida do Fortaleza Futebol Clube. Lembro como se fosse hoje da alegria que todos sentimos quando chegamos em casa, após meu pai ter concretizado o negócio. No primeiro mês de utilização ela sofreu uma avaria. Quebrou um suporte. Só para vocês terem uma idéia, para que o bombo se sustentasse em pé era preciso colocar um transformador velho de lado para servir de apoio... Assim mesmo velha, recebeu logo uma pintura nova e nos prestou inestimáveis serviços. Possuía boa sonoridade.

        -  A bateria  “Pinguim”

Em madrepérola branca, de marca Pingüim, uma das melhores no momento, era de excelente qualidade e muito bonita. Foi comprada em São Paulo. A mamãe na época negociava bordados com minha Tia Zenóbia, que residia em São José dos Campos. Aproveitando uma das transferências de dinheiro que receberia dessas vendas, pediu ao tio João que fizesse a compra de uma bateria novinha em folha. Quando este instrumento chegou foi motivo de admiração por todos nós. A bateria depois de montada ficou linda. O meu pai, na preocupação de preservá-la em bom estado, mandou logo fazer uns estojos para todos os seus apetrechos. Por essa excelente providência é que essa bateria teve longa duração, sempre bem conservada e em ordem.

-      A distorção caseira

Sempre gostei de eletrônica, montagem de “kits” de alarmes sonoros, sirenes para discoteca, compressores de áudio e outros circuitos eletrônicos. Ainda em São José dos Campos, quando criança, gostava demais de brincar com tudo aquilo que tinha eletrônica. Montava e desmontava lanternas, pequenos circuitos para acender foquitos de lanterna, com instalações feitas na parte de baixo de mesas e camas. Mexia e fuçava em brinquedos eletrônicos, sempre que podia. A eletrônica e tecnologia moderna sempre me fascinaram.

Com 14 anos, fiz por correspondência um curso de rádio e televisão pelo Instituto Universal Brasileiro. Consegui aprender um bocado de coisas e montei um rádio, sob a orientação e com todos os componentes fornecidos pelo Instituto, como parte do treinamento. De vez em quando estava eu gostava de pesquisar as novidades, na Rua Pedro Pereira, local onde se encontra em Fortaleza o maior número de lojas de produtos eletrônicos. Conhecia todas as lojas e muitos vendedores, e como bom cliente, principalmente durante a existência do Big Brasa, obtinha bons descontos em todas as compras.

Essa relativa habilidade que tenho para eletrônica me ajudou muito durante toda a minha vida, desde criança, passando pela juventude, no Big Brasa, mais tarde no campo do radioamadorismo e até hoje em dia, com a Informática. A prática e a iniciativa incentivam o processo de criatividade e vice-versa. Digo isso para demonstrar como é que foi o lance da primeira distorção do Big Brasa e de Fortaleza. Para que os mais novos tomem conhecimento, ocorreu uma verdadeira pesquisa, coroada de êxito. Foi assim.

Ao ouvir umas gravações, a fim de escolher músicas para nosso repertório, notava alguns sons de guitarras super pesados, mas não sabia como é que os caras conseguiam aquilo. Vendo um filme musical e lendo um pouco sobre conjuntos, soube que existia um “aparelho”, que conectado à guitarra, produzia aquele som rachado e distorcido. Esse tal aparelho era a distorção. Fiquei louco de vontade de conseguir um som daquele tipo e comecei a falar com todo mundo que eu achasse que poderia ter uma idéia. Escrevi uma carta para o tio João e, depois que ele fez sua pesquisa em São Paulo, não conseguiu descobrir nada. Na verdade eu nem sabia o nome do aparelho direito, muito menos ele, que leigo em música, não deveria saber ou entender do tal som que eu procurava. Pois olhem, aí vai a dica: quando desejarem alguma coisa, finquem o pé e batalhem, lutem e tomem iniciativas, que certamente serão bem recompensados. Continuei procurando o tal aparelhinho - e sem nada conseguir.

Um belo dia, em minhas conversas com os colegas, disse para o Júlio Matos, o Julinho, que estava querendo comprar uma distorção mas não sabia onde. Para meu espanto ele me falou que tinha uma revista de eletrônica com um “esquema”, ou seja, o diagrama de montagem de uma distorção. Foi demais! O bom é que o Julinho gostava do assunto e sempre foi um técnico muito competente e pesquisador. Além disso, ele ficou interessadíssimo e disse que poderia tentar montar a tal “distorção”. Compramos todos os componentes necessários para a montagem e depois de poucos dias estava ele, o Julinho, chegando lá em casa com uma caixinha de metal, tirada de alguma sucata, que deveria ter sido de alguma outra montagem ou experiência anterior. Com muito cuidado, localizamos quais os locais de entrada e de saída de som, para que a guitarra fosse conectada ao aparelho, e este ao amplificador. Fizemos os cabos necessários, todas as devidas soldas, “plugs” e pronto. Preparamo-nos para o resultado. Acreditem: neste momento mais parecíamos dois soldados tentando desarmar uma mina, na expectativa de uma explosão, tal era nosso grau de ansiedade. Suspense total. Após ligar tudo, peguei a guitarra e toquei algumas notas. De início, nenhuma alteração e ficamos naquela, os dois meio sem jeito, sem olhar um para o outro. Fui tocando mais um pouco e mexendo nos dois potenciômetros (botões de regulagem e outras funções) que o aparelhinho possuía. De repente, o som ficou mais forte e pesado, começando a distorcer. Nessa hora, eu comecei a rir muito e a dizer:

- É isso aí, olha cara, esse é o som que estava querendo, deu certo!

O Julinho estava incrédulo, visto que ele próprio não sabia que som ou efeito sua montagem seria capaz de produzir.

-      O primeiro pedal tipo “wah-wah” de Fortaleza

O conjunto sempre procurou criar um diferencial, fazer inovações. Por exemplo, o Big Brasa foi o primeiro conjunto de Fortaleza a usar o pedal conhecido como “wah-wah”. Eu tinha visto esse tipo de pedal em um filme e apreciei muito os efeitos que produzia. Expliquei como funcionava e para que servia e o tio João se encarregou de fazer a aquisição para nós, em São Paulo.

Inauguramos o “wah-wah” durante todo o Festival Nordestino da Música Popular, realizado no Náutico Atlético Cearense, que teve como vencedora a música Beira-Mar, do Ednardo, acompanhado pelo Big Brasa. Ligado à guitarra-solo produzia sons diferentes e foi motivo de admiração. Algumas pessoas chegavam a ficar com a boca fazendo o movimento correspondente ao “wah-wah”.

Ao longo de minha carreira como guitarrista-solo usei várias marcas de pedais desse tipo. Sua característica, para quem é leigo ou não conhece esse pedal de efeito, é a de possibilitar a que o músico alterne rapidamente, através de movimento com o pé, um som agudo para um grave ou vice-versa, produzindo efeitos espetaculares. Daí o nome desse pedal ser “wah-wah”.

Em uma de nossas idas a Parnaíba, um músico local me fez uma proposta vantajosa para comprar meu “wah-wah”. A quantia que ele oferecia daria para eu comprar dois pedais novos. Animado, concretizei o “grande negócio”. E “dancei”, porque ao chegar a Fortaleza e manter ligações com o tio João, descobri que aquele pedal não era mais fabricado e tive que optar por uma marca pior, quase com o mesmo custo.

-      A minha guitarra “Supersonic”

Tive umas quatro ou cinco guitarras durante a existência do Big Brasa. Cuidava muito bem delas, como até hoje tenho zelo por tudo que possuo. O músico que se preza tem que tratar bem seu instrumento, conservando-o sempre da melhor maneira possível. Uma dessas guitarras, a que mais gostava, chegando mesmo a “conversar” com ela às vezes, foi uma “Supersonic”, fabricada pela Gianinni. No princípio eu a usei por algum tempo sem modificação nenhuma.  Essa guitarra possuía uma característica importante para um solista. Com ela eu conseguia utilizar a alavanca diversas vezes sem que ela perdesse a afinação (para quem é músico fica fácil entender). Nos improvisos em rocks e blues coisa fundamental. Mesmo assim, um dia resolvi dar uma melhorada nela, em suas formas e em seu som. Desmontei-a por inteiro, inclusive seus componentes eletrônicos, como os três captadores de som, sistema de alavanca, molas, cavalete, braço e tudo. Ao final estava completamente desmontada. Eu olhava para as peças e pensava: será que vai dar certo? Com uma pequena serra e depois lixas, cortei um pouco suas formas de modo a que ficasse parecida com uma “Gibson”, uma das melhores marcas do mundo. Depois começou a parte dos acabamentos. Apliquei massa como se faz numa pintura de automóvel, no sentido de laqueá-la. Adquiri um novo conjunto de captadores e escolhi um deles em substituição a um dos originais, por ter uma sonoridade bem interessante. Andei mexendo um pouquinho nos pequenos circuitos dos controles de graves e agudos, acrescentando ou modificando, na base da experimentação mesmo, alguns capacitores (componentes eletrônicos que, dependendo de onde são usados, alteram o som). A pintura, de branco, foi à pistola, com um cuidado todo especial. Ficou muito legal, parecendo até mesmo “de fábrica”. Passei então à fase crítica da montagem, para que ficasse afinando normalmente e conseguindo as “oitavas” numa boa. Com um encordoamento “zerado”, não lembro a marca, comecei a testar a “nova” guitarra. Deu certo! Estava com uma verdadeira “Gibson”, home-made, que me serviu por muito tempo e que até hoje me traz ótimas recordações.

-      O primeiro órgão eletrônico

A aquisição do primeiro órgão eletrônico - um Diatron - foi feita pelo meu pai, na Mesbla, através de um cartão de crédito, cujas prestações foram inúmeras e difíceis para serem quitadas. Lembro-me que ele reclamava bastante no final do mês, quando ao pagar a prestação a dívida pouco diminuía.

Com a presença do órgão o Big Brasa evoluiu muito, tendo em vista o aumento das possibilidades de arranjos, combinação das sonoridades, marcação rítmica e base harmônica mais completa, além dos próprios solos do instrumento. Esse Novatron não tinha muitos recursos, se comparado aos equipamentos modernos: vibrato e alguns timbres diferentes, com os controles de graves, agudos e volume, este feito através de um pedal que volta e meia apresentava defeito - quase sempre em seu cabo de ligação.

-      Ainda falando de teclados

No segundo órgão, que a fábrica chamou de Novatron, algumas novidades, mas a mesma essência. Nesse segundo equipamento é que houve a decepção, por parte do Mestre Alberto, quando encontrou o órgão, em um final de festa,  com as laterais do teclado e uma das teclas queimadas por um cigarro, por simples desleixo do organista. Ele fala nisso até hoje. Na verdade um músico que se preza e que compra seu instrumento com dificuldade, pelo menos em princípio deveria ter muito cuidado e zelo com ele.

Posteriormente, nos teclados que o Big Brasa usou, pudemos inovar bastante. Na época em que passei a tocar teclados, quando tive que substituir o Adalberto, adquiri três pedais (sustainner, phaser e flanger), os quais interligados ao órgão produziam sons bem diferentes dos usuais, despertando muita atenção por seus efeitos sonoros.

Além de órgãos eletrônicos utilizei diversos outros teclados, a exemplo de um sintetizador monofônico (para os que não leigos, que tocava uma nota de cada vez, não produzindo acordes). Pouco tempo depois fui à São Paulo e adquiri um sintetizador polifônico, mais moderno. Custou uma grana violenta. Com ele a parte harmônica podia funcionar, visto que os acordes soavam normalmente. Entretanto a dificuldade para programar os diferentes sons e efeitos era muito grande. Perdia muito tempo e tinha que ser mais operador do que músico. Não satisfeito com esse equipamento, troquei-o em Fortaleza por um órgão eletrônico de dois teclados e comprei um outro sintetizador, o Poly-800. Com o Poly-800 a gente tirava sons e efeitos incríveis. Daí por diante chegou a fase dos sintetizadores mais “pesados”, tipo DX-7, da Yamaha.

O primeiro modelo DX7 era excelente, em seus diversos aspectos. Com sua qualidade de som espetacular, o equipamento pesava aproximadamente oito quilos e possuía um teclado de cinco oitavas, muito macio. Possibilitava ao músico nele programar, ou seja, criar seus próprios sons e timbres à vontade e armazená-los  em sua memória. O DX7 já vinha com um cartucho com uma infinidade de sons programados, além daqueles previamente gravados de fábrica. Adquiri depois outros cartuchos RAM, aqueles nos quais se pode gravar, e assim pude gravar meus sons, timbres e combinações de sons prediletos para utilizá-los em outro DX7, se necessário, levando apenas os cartuchos previamente gravados.

Mais tarde consegui adquirir também um teclado Roland, modelo E-20, de excelente qualidade. Com esse instrumento, eu e o Airton França formamos uma dupla muito legal. Ele com um violão Ovation, de sonoridade ótima, cantando (muito bem, por sinal) e até mesmo tocando piston, e eu fazendo alguma parte de vocalização e tocando órgão e sintetizador. Na fase dos órgãos eletrônicos modernos, cheguei a utilizar alguns desses teclados que “fazem tudo”, com bateria, baixo, harmonia e efeitos para solo de diversos tipos. Chamados também de “desempregadores” de músicos, visto que um tecladista com um desses equipamentos pode substituir um conjunto inteiro, dependendo do ambiente que esteja trabalhando.

Associado a esses órgãos eletrônicos cada vez mais perfeitos, hoje em dia mantenho ainda um sintetizador DX7 - II, da Yamaha, que possibilita centenas de possibilidades de programação, enfim, um instrumento utilizado pelos melhores grupos não só do Brasil mas do mundo inteiro. Com esse DX7, utilizo também um teclado Roland, de sonoridade excelente.

Meus filhos, Alberto Neto e Cristiane, desde pequenos demonstraram uma grande afinidade pela música. “Filho de peixe, peixinho é”, diz o ditado, pois mesmo quando crianças sempre gostavam de tocar em instrumentos musicais de brinquedo. Em nossa casa, para não “perder a forma”, ainda hoje mantemos uma pequena sala de música, com teclados, guitarra, pedais, microfones, amplificadores, caixas de som, estante, partituras e outros acessórios, onde todos nós somos freqüentadores. De vez em quando estamos por lá para “tirar um som”.


O ESTILO DE REPERTÓRIO

O Conjunto Big Brasa sempre teve um repertório variado, que atendesse à maioria. Tocava músicas de muitos estilos, sendo preferencialmente um conjunto de iê-iê-iê, ritmo quente no movimento que constituiu a Jovem Guarda. Mas quando tocávamos no interior, tínhamos que estar preparados para tocar de tudo. Xotes, forrós, sambas, boleros, mambos e valsas. O que desse e viesse ...

Quando você está em algum baile e observa os conjuntos musicais mudarem de uma música para outra, sem interrupções bruscas, como se tudo fosse automático, certamente existe um planejamento criterioso ou então muita prática para que isso ocorra. O roteiro musical escrito serve, principalmente, para que o líder do grupo possa lembrar de todas as músicas disponíveis no repertório, evitando assim o chamado “branco de memória”, tão comum de acontecer para quem está tocando. Por isso mesmo, para qualquer das funções musicais que o Big Brasa fosse participar, o roteiro das músicas, por escrito, sempre foi peça fundamental.

A responsabilidade pela seqüência das músicas a serem tocadas era minha, assim como a de avisar a todos os músicos no palco qual seria a música seguinte. Uma preocupação a mais, além de tocar o próprio instrumento. Com a prática, sabíamos mais ou menos a ordem como as músicas deveriam ir sendo tocadas. A gente estabelecia, para facilitar, sinais ou gestos que representavam uma determinada música ou uma seqüência previamente ensaiada. Nesses roteiros, muitas músicas não figuravam com seus nomes corretos. E outras vezes nem chegávamos a saber o nome real da música, sendo muito fácil a gente encontrar em um repertório, músicas como “Rapado em Fá”, “Rita Lee nova”, “Tema Seis”, dentre outras denominações. Portanto, eu procurava organizar o repertório de uma forma que as músicas iniciais fossem leves. E seguia depois, gradativamente, até a uma grande animação, que poderia ser obtida tanto com rocks, sambas ou forrós. No meio dos bailes, tocávamos músicas lentas por um bom tempo, para o descanso geral e para a dança colada, a verdadeira hora do “amasso”. Depois o conjunto chegava a “temperatura máxima” de novo, para fazer um intervalo, de trinta minutos, com a festa no auge. Após a pausa, entrávamos quase sempre como no começo e terminávamos o baile com todas as músicas mais animadas do repertório, para fechar “com chave de ouro”. Isso tudo dependia muito do local e do público onde estávamos nos apresentando. A seqüência do repertório, na realidade, não era rígida. Essa flexibilidade significava quebrar a ordem determinada pelo roteiro para atender a um pedido ou solicitação de alguém, desde que a mudança não atrapalhasse o ritmo da festa. Quem tinha essa função, não estava livre de erros. Uma escolha de música, feita de modo errado, podia esvaziar o salão repentinamente.

Guardei até hoje muitos roteiros usados pelo Big Brasa em seu repertório. Quem participou do conjunto deverá lembrar, com certeza, de algumas das seguintes músicas, as quais estão transcritas como foram grafadas na época e em ordem alfabética:

A Candinha  - A Distância - A Little Bit Me - Além de Tudo - All My Love For You - Assim falou Zaratustra  - Baiana - Be My Lover  - Beautiful You - Because I Love You

Ben - Besame Mucho - Black Power - Blue Suede Shoes - Boys  -Bridge Over Touble Water –Carimbós - Cavalo Ferro – Chililique - Chuva, suor e cerveja - Cold Turkey

Colírio - Como vai você - Contos de Areia – Cubanacan - Day Tripper - De noite na cama - Deep Purple – Desacato – Diana - Dia dos Santos Reis - Dizzy miss lizzy

Don’t say goodbye - Duzentas Milhas - É onda -  Eu bebo sim - Everything I Own - Evil Ways - Fellings  - Fio Maravilha - Forever and Ever - Garota de Ipanema - Green Piper

Guajira - Hello Dolly - Hey amigo - Hey Girl - I Saw Her Standing There - I’m going home - Imagine - In-agada-da-vida - Jumpin Jack Flash - Killing me softly - Lado direito

Last time – Listen - Live love maid - Ma Cherie Amour – Magia  Maxixe -  Me deixa em paz – Moments - Moon River - Mother’s Daughter - Mrs. Robinson - Music and me

Namoradinha - Nega de Obaluaê -  Noites de Moscou - Not a second time - Nothing Else - O amor é a razão - O que é bom tá guardado - O show já terminou - Oh me Oh my

One Day in Your Life - Only You - Oye come vá – Paraíba – Paramaribo - Pau-de-Arara - Pisa na Barata - Porta Aberta - Por amor / Michelle - Preta, pretinha - Quantas Lágrimas - Rapados em si bemol - Rita Jipe - Salve Nossa Senhora - Samba de verão - Samba pa ti - See me, feel me - Silêncio da Madrugada - Skyline Pigeon - Slow Down

So lucky - Só o amor constrói – Summertime - Susie “Q” - Tell me Once Again - Tema de Marylin - Tema do Aeroporto - That’s What I Want - Traces  - Tutti Frutti - Under my Thumb - Vô batê pa tu / Urubu - Vou Recomeçar - Xaxado  - Xodó - You are the sunshine - Zazueira

 

-      A inclusão de músicas antigas no repertório

Outra novidade que apresentávamos desde o início do conjunto, por sugestão de meu pai, foi a inclusão de músicas antigas com ritmos e arranjos modernos. “Peguei um Ita no Norte” iniciava uma das seqüências. O pessoal do conjunto não vibrava muito com isso, mas na verdade causou grande sucesso. Essa fórmula posteriormente foi - e ainda está sendo até hoje - utilizada por inúmeros artistas, cantores e grupos musicais.

-      Idéia excelente, dificuldade para a execução

O Mestre Alberto tentou inovar mais uma vez, através da idéia de apresentar “slides” com o título de cada música do repertório, que seriam  projetados no palco durante as festas. Desse modo o público ficaria vendo a projeção do nome das músicas tocadas.

A seqüência desses “slides” seria a mesma que a do repertório. Excelente idéia mas muito onerosa e de execução difícil, por isso mesmo deixou de ser implantada. Ele próprio, no intuito de melhor organizar o repertório, chegou a datilografar fichas para cada música, como em um arquivo, catalogando mais de 200 títulos de diversos estilos.

Vejam vocês que tudo isso ocorreu por volta de 1967 a 1969, quando nem se pensava em programas de computadores capazes de fazer apresentações magníficas, telões, “data-show” e demais recursos tecnológicos da atualidade.

Outra tentativa de meu pai foi a de gravar todas as músicas tocadas durante os eventos. Mais uma vez a falta de recursos financeiros de nossa parte e também de tecnologia. Ainda não tínhamos os gravadores de fita cassete. O gravador que ele usava, funcionava com fitas de rolo e possuía um mecanismo muito problemático. Além disso as gravações tinham que ser feitas nos palcos, com o som ambiente, pois não se utilizava naquele tempo recursos como saídas de áudio em linha dos amplificadores ou mesas de som.

Fitas de vídeo, nem pensar. Conhecemos o videoteipe mais ou menos em 1971, com as antigas máquinas de videoteipe da TV Ceará, também com fitas enormes. Acho até que nem existem registros em vídeo dessa emissora. Os programas gravados num dia era apagados pouco tempo depois, com novas gravações, pela necessidade de reutilização das fitas.

VESTUÁRIO – UM GRUPO ELEGANTE

No princípio, por orientação do meu pai, bem acolhida por todos, o Big Brasa usava fardamentos, isto é, mantinha grupos de roupas que às vezes substituía durante as próprias festas. Houve uma noite, em Umirim, que o Conjunto mudou de roupa quatro vezes, impressionando a todos os presentes. Isso contribuiu para formar uma falsa idéia, também em Fortaleza, de que o conjunto era composto por pessoas ricas.

O Big Brasa procurava acompanhar a moda jovem. Se era camisa de gola-rolê, tudo bem, malha, calça estreita, cabelos longos, tudo. As calças “Lee” e os tênis também faziam parte efetivamente de nosso guarda-roupa. Fazíamos questão, além de ensaiar bastante para fazer o melhor, procurávamos também manter boa aparência, pois isso para nós era fundamental.

O Mestre Alberto não gostava de barba malfeita ou por fazer, ou então cabelo grande. Segundo ele, dava um aspecto de sujeira e não era legal. No começo do conjunto, quando ainda nos acompanhava, pediu para o Lucius tirar sua barba, que estava grande. O Lucius, com muito respeito, educação e diplomacia, qualidades que sempre possuiu, disse-lhe que iria satisfazer a sua vontade, mas que aquilo não tinha nada a ver. Hoje em dia o Mestre Alberto reconhece que estava errado e aquilo “não tinha nada a ver” realmente.

Houve o tempo, pelos anos 69, 70 e 71, das calças boca-de-sino. Era moda total e quem não as usasse não estava com nada. Nas calças “Lee”, que foram os primeiros jeans a surgir, nós tínhamos que arranjar umas tiras e mandar emendar na parte de baixo para alargá-las e assim poder ficar “na crista da onda”.

Na coluna do jornal O Estado, intitulada “Alta Roda”, o seguinte comentário sobre o Conjunto: “O Big Brasa, aqui da terra, talvez seja o único conjunto que não aderiu à moda cabeluda. Seus componentes se apresentam elegantemente com cabelos cortados à la homens sérios!”.

Nos bailes de 15 Anos e nos de Formatura, bem como em outras funções mais especiais, usávamos terno e gravata ou blazers. O Big Brasa sempre se portou adequadamente no que se refere ao visual.

OS ENSAIOS DO BIG BRASA – SEMPRE NO “QG”

Durante os ensaios, quando esses se realizavam na garagem de nossa casa, o pessoal que passava na rua sempre parava para olhar. Hoje, passados 30 anos, de vez em quando algumas pessoas ainda associam e fazem referências ao endereço, dizendo:

- É ali, perto do Big Brasa?

Muitas vezes passávamos dias inteiros plenamente envolvidos com a música. Consequentemente, toda a alimentação do pessoal ficava por conta de meus pais. Naquele tempo eu não percebia nada disso. Não porque não me importasse, mas com certeza pela falta de experiência, natural da juventude. Nunca tinha pelo menos imaginado o custo de um dia de ensaio para todo mundo, em se tratando de alimentação e trabalho por parte de todos aqueles que se envolviam, particularmente de minha mãe, que se preocupava para não faltar nada para o grupo. Somente alguns anos depois é que descobri que tudo aquilo devia pesar no orçamento de meus pais, além de ser trabalhoso, pois envolvia a participação direta e indireta de todos de casa, no desejo de atender bem e de que o conjunto se firmasse.

Um detalhe importante, merecedor de registro, é o fato de que os meus pais preferiam que a turma toda se reunisse em nossa casa, nos cafés das manhãs, depois das viagens, objetivando manter a unidade do grupo. Muitas e muitas vezes chegamos de viagem e a mesa estava pronta, com café, pão, bolos, suco de frutas e tudo mais que a mamãe conseguisse preparar. Tal fato pode hoje ser analisado por dois aspectos: o da segurança, se é que eles queriam observar como o pessoal tinha retornado; e também o de proporcionar uma reposição de energia necessária a jovens de nossa idade, em vista do sacrifício de uma noite inteira sem dormir e com alimentação muitas vezes precária.


O DESEJO DA PROFISSIONALIZAÇÃO

Tão logo que possível regularizamos nossa situação junto à Ordem dos Músicos do Brasil, Secção do Ceará e com o Sindicato dos Músicos do Ceará. Tudo providenciado pelo papai, pois nós mesmos só queríamos saber de tocar. Aliás, hoje vejo que isso é perfeitamente normal. Na adolescência é difícil ver algum jovem preocupado com os aspectos legais, burocráticos e coisas do gênero. O Registro do nome “Big Brasa” foi feito no Cartório de Registro de Títulos e Documentos de Fortaleza. Inicialmente todos os músicos tinham carteiras provisórias. Depois, com a devida habilitação, receberam as carteiras profissionais definitivas.

Ao longo da existência do Conjunto outros músicos participaram com carteiras provisórias. Mas todo mundo tinha que estar devidamente regularizado.

CONTRATOS  E  HORÁRIOS

Quando o Big Brasa foi registrado oficialmente e todos os seus músicos foram legalizados frente à Ordem dos Músicos do Brasil, Secção do Ceará, bem como junto ao Sindicato dos Músicos, todos nossos contratos passaram a ser devidamente registrados. Inúmeras vezes, é importante lembrar, a mamãe se deslocou para a Ordem e Sindicato para registrar nossos contratos.

Mandamos fazer um papel timbrado para os contratos do Big Brasa, de modo a facilitar seu preenchimento. Esse formulário continha cláusulas relativas ao contratante, ao tempo de duração do evento, à forma de pagamento, preço da hora de prorrogação e a relação dos músicos do conjunto, com seus respectivos números de carteiras profissionais da OMB ou licenças temporárias. Tinha que ser registrado em cinco vias.

No que se refere ao cumprimento desses contratos e dos horários, o Big Brasa era muito caprichoso. Eu próprio fazia questão de chegar ao local dos eventos bem antes, para acompanhar e instalar todo o equipamento, afinar o instrumental, testar os amplificadores, fazer a distribuição do som de maneira adequada ao ambiente etc. Após tudo isso sempre mantinha contato com o contratante ou responsável no sentido de dizer que tudo estava em ordem e pronto para o início no horário determinado.

Foi um dos primeiros conjuntos que começaram a tocar apenas bailes de quatro horas de duração em Fortaleza, com meia hora de intervalo. Os outros conjuntos tocavam festas de cinco horas. Mas isso, enfatizo, somente na capital porque no interior do Estado a coisa pegava. Tínhamos que enfrentar verdadeiras batalhas. Festas de cinco, seis e até sete horas de duração, quando havia prorrogações. A legislação específica estabelece que os músicos devem tocar no máximo 45 minutos, com intervalo de 15 minutos por cada hora. Mas no Ceará esse dispositivo nunca foi cumprido.

Em uma ocasião, chegamos ao ponto de deixar de fazer um contrato financeiramente compensador porque já havíamos firmado outro compromisso, para tocar de graça, a título promocional. Responsabilidade não é para qualquer um...

PROFISSIONALISMO - UMA PALAVRA FUNDAMENTAL

Em qualquer trabalho, para que se obtenha pleno êxito e destaque, o profissionalismo tem que existir. Dentro dos princípios que regem um bom profissional, se encaixam diversos aspectos, como responsabilidade, habilidade naquilo que executa (que é conseguida através do estudo e do trabalho), respeito aos companheiros de profissão, coleguismo,  disciplina e perseverança nos objetivos, entre outros.

No caso do músico, especificamente, isso tudo deve ser multiplicado por dois, ou seja, o esforço tem que ser duplicado, para superar aquela imagem de que todo artista é relaxado, desligado, “lunático” e até mesmo alienado.

Para mencionar um simples exemplo, uma vez fui tachado pejorativamente de “aquele guitarrista”, pela mãe de uma namorada. Não deixei por menos, conversei demoradamente com aquela senhora, de modo que ela soubesse que estava falando com um cara sério, de boa família e de bons princípios. E através de meus procedimentos consegui que ela e seus familiares modificassem o conceito que faziam sobre mim, pelo fato de ser músico.

Por esses e outros fatores, é que formulei uma proposta de trabalho para o exercício de minhas funções profissionais, de modo a tentar, de todas as maneiras possíveis, desfazer essa imagem negativa, que o músico ainda possui, para uma parcela da população. Tarefa difícil, pelo preconceito existente com a profissão de músico, mas não impossível, pois consegui fazer a minha parte, de manter a dignidade da profissão e lutar contra o preconceito.

FORTALEZA E OS CLUBES DA ÉPOCA

É importante dizer que nos anos 60 as diversões da vida noturna de Fortaleza se caracterizavam por bailes em clubes, diferentemente do que ocorre hoje em dia, com os mega-shows em casa de espetáculos de grande porte. Quem viveu os “Anos Dourados” certamente tem saudades das festas desse período.

Quem não lembra dos preparativos que fazíamos para ir a alguma festa e de como os conjuntos musicais eram mais valorizados? E dos festivais, sempre muito freqüentados, as paqueras, a dança colada? Para nós músicos não era muito fácil, pois na maioria das vezes estávamos trabalhando nos finais de semana. Em nosso caso, quando o Big Brasa tinha folga nos contratos, saíamos de Messejana para nos divertir um pouco em algum clube. Entretanto, antes de nossa turma completar dezoito anos e poder dirigir, tínhamos que chamar um carro de praça, normalmente uma rural, para que nos conduzisse até o clube e voltasse na madrugada para nos trazer de volta para Messejana.    

Para se ter uma idéia do que rolava nas noites de Fortaleza, segue uma relação dos clubes que existiam na época, em ordem alfabética, nos quais o Big Brasa atuou, por várias vezes.

O Balneário Clube de Messejana, a Sociedade Bairro de Fátima, o Clube de Regatas Barra do Ceará. Mais adiante o Iracema, o Líbano, o Iate Clube de Fortaleza, o Ideal Clube, o Náutico Atlético Cearense, o América Futebol Clube, o CRA - Clube Recreativo da Aerolândia, a COFEBA (Colônia de Férias dos Funcionários do Bento Alves), o Recreio dos Funcionários, o Clube General Sampaio, o Vila União, o Massapeense, a Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB), o Clube dos Diários, o Clube do Jornal O POVO (Messejana), o Clube da Caixa Econômica, o Maguari e o Memphis Clube, de Antônio Bezerra.

O BALNEÁRIO CLUBE DE MESSEJANA

Localizado às margens da Lagoa de Messejana, na qual, segundo a lenda, e o escritor José de Alencar, Iracema, a “virgem dos lábios de mel”, tomava banho e saía correndo até a Praia de Iracema, chegando a seu destino ainda com os cabelos molhados, tal a sua rapidez.

O Balneário Clube de Messejana tinha uma extensa área verde ao redor do salão, bem arborizada, formando um espaço muito agradável para seus freqüentadores. O clube possuía uma arquitetura simples, sendo amplo e bem estruturado, no que se refere ao salão de dança e palco. Deixava muito a desejar pela precariedade de suas instalações de secretaria, bar e da própria fachada.

A vista do Balneário era muito bonita, tendo como cenário a belíssima Lagoa de Messejana, que às tardes nos proporcionava um pôr-do-sol magnífico, com cintilantes reflexos em suas águas. Nas manhãs dos sábados e domingos, podíamos ver algumas velozes lanchas, circulando a lagoa, em passeios que deviam ser muito agradáveis. Naquela época, como ainda hoje, aquilo era privilégio de gente rica.

Nossa turma freqüentava o Balneário para jogar pingue-pongue, tomar banho de lagoa, jogar bola, paquerar e dançar nas tertúlias. Praticamente toda a pequena comunidade de Messejana se encontrava no Balneário. Todo mundo se conhecia. Vivemos, pode-se dizer, a fase áurea do Balneário de Messejana.

As pessoas de “elite” e o preconceito

Messejana, como também Fortaleza nos anos 60, tinha algumas famílias tradicionais que se sentiam superiores às demais. Como exemplo o Balneário Clube de Messejana, às margens da lagoa de mesmo nome, que foi por muito tempo um clube preconceituoso onde só deveria freqüentar pessoas tidas como de “boa linhagem”.

Pelo Balneário passaram ótimas orquestras, oriundas de outras regiões do País. Em todas as festividades os grupos tinham que atender as preferências musicais dos ditos “nobres”. Para exemplificar o preconceito existente nas cabeças de quase todos os diretores do Balneário, no final de década de 60, ou para quem é detalhista no ano em que o América Futebol Clube foi campeão cearense, havia um jogador em seu plantel que destacou-se de forma brilhante por boas atuações. Chamava-se José Deusimar Moreira Pontes, mas era conhecido por “Pinha”, seu apelido. Nosso vizinho e amigo, o Pinha jogou a princípio no Salgado da Gama e depois de uma bem sucedida campanha por aquele clube, foi contratado pelo América onde fez boa figura. Posteriormente foi contratado pelo Maranhão Atlético Clube, onde ficou conhecido como o “Pelé cearense”. Pois bem, durante uma das animadas matinais que o Big Brasa tocava no Balneário, o referido jogador adentrou ao clube, ocasião em que meu pai fez referências elogiosas a ele ao microfone. Pelo ocorrido o Mestre Alberto foi seriamente criticado pela diretoria do clube e pela “nobreza” messejanense, por terem achado um absurdo a menção a um jogador de futebol naquele recinto...

Outra vez, em uma promoção do próprio Big Brasa, realizada no Balneário clube de Messejana, um dos diretores chegou a dizer que algumas mulheres de programa tinham sido vistas durante o evento. Falsa moral, daquele cidadão. À sua colocação, o Mestre Alberto respondeu:

- Rapaz, é o seguinte: desde que não esteja dançando nua, tenha pago ingresso e esteja se comportando adequadamente, não há problema nenhum nisso.  Teimosamente, esse mesmo diretor insistia sempre no triste preconceito, dizendo para o meu pai:

- Não adianta querer popularizar o Balneário, que você não vai conseguir, seu Alberto ... 

Realmente o Balneário não se popularizou, como desejava meu pai e todos nós, e veio a amargar um melancólico fracasso, tempos depois, indo totalmente à bancarrota por conta de suas diretorias locais de “elite”.

A TÃO ESPERADA ESTRÉIA E O PREFIXO -  “AND I LOVE HER”

Lembro bem da primeira festa, da estréia do Big Brasa no Balneário Clube de Messejana. Passamos o mês inteiro nos preparando, ensaiando as músicas que fizeram parte de nosso primeiro repertório. No dia “D”, amanheci com muita ansiedade, gerada pela expectativa do evento. Afinal de contas seria uma apresentação pública e teríamos que animar uma tertúlia, responsabilidade e tanto, principalmente para quem nunca tinha participado daquilo.

À noite, todos os componentes do Big Brasa, com a indumentária escolhida para a estréia, esperaram pela hora da festa começar na secretaria do clube, para fazer surpresa do visual do grupo aos presentes. Eu estava sentado em um banquinho, muito nervoso e até mesmo com um pouco de dor de barriga. Quando chegou a hora “H”, ouvimos alguém anunciar a entrada do conjunto. Nos deslocamos da secretaria e finalmente subimos ao palco. Fomos bastante aplaudidos. Eu não enxergava praticamente ninguém. Comecei a tocar o prefixo, And I Love Her, dos Beatles, com a guitarra, mas quase minhas mãos trêmulas não atendiam as notas desejadas. Minutos depois senti mais firmeza, em parte também motivada pelos aplausos do público presente, e aquele impacto da estréia foi sendo aos poucos superado.

Posso dizer que essa estréia foi verdadeiramente estressante para mim, de modo especial por ser eu quem liderava o grupo no que diz respeito a mudanças de músicas e a seqüência do repertório, além da preocupação em tocar o próprio instrumento. Com o tempo todos nós adquirimos mais segurança e aquele nervosismo natural foi gradualmente desaparecendo, o que nos possibilitou enfrentar públicos de qualquer proporção com muita tranqüilidade.

AS TERTÚLIAS NO BALNEÁRIO CLUBE DE MESSEJANA

No Balneário foram inúmeras as apresentações feitas pelo Big Brasa. Nas primeiras, por idéia de meu pai, o Mestre Alberto, durante o intervalo, eu e o Carló saíamos de mesa em mesa, ao redor das mesas, tocando com escaleta e violão as músicas de maior sucesso no momento, sendo que uma delas era “Les Marionettes”, do Herbert Albert.

Além das tertúlias, tocávamos matinais e vesperais. Em 1969 chegamos a tocar um carnaval inteiro no Balneário. Contratamos mais alguns músicos, para instrumentos de sopro e de percussão, e fizemos quatro bailes carnavalescos sem problemas. Nosso desempenho foi plenamente satisfatório e o conjunto atendeu à expectativa geral.

Como sempre o Clube, através de suas diversas diretorias, ao longo da existência do Big Brasa nos convidou sempre para “prestigiar a prata da casa”, ou seja, para tocar mais barato. O Balneário, nem o pessoal de Messejana, com pouquíssimas exceções, nunca nos deu nada, nem uma corda de guitarra. No final dessa nossa primeira experiência com carnaval, o clube pagou apenas uma parte da quantia acertada alegando prejuízo. Tivemos que arcar com o pagamento dos músicos e passar o resto do ano inteiro para receber o restante, no “pinga-pinga”.

  O PRIMEIRO BAILE DE 15 ANOS

Foi tocado na Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB), em Fortaleza. O Big Brasa para esta ocasião usou um traje especial, com calças pretas, camisas de seda branca, com destaques em bordado, e uma faixa vermelha de veludo na cintura. O conjunto, por iniciativa de meu pai, levou um presente para a aniversariante.

O repertório estava bem organizado, vestuário também, instrumental quase completo e o nosso grupo já começava a se estruturar. Muito importante nesse período era o entusiasmo e a boa vontade da parte de todos, na ânsia de aprender mais e progredir no cenário artístico fortalezense. Nessa época a música, a guitarra e o conjunto não saíam de meu pensamento.

Detalhe: na fotografia abaixo, tirada pelo grupo nesse baile, a nossa primeira bateria aparece com os dois suportes do bombo inteiros. Mais adiante, após a quebra do tal suporte, foi preciso a utilização de um transformador velho para escorá-lo.

OUTRAS APRESENTAÇÕES

-      15 anos no Bairro de Fátima

Outra das apresentações iniciais do conjunto foi em uma festa de aniversário, em uma residência no Bairro de Fátima. Para vocês terem uma idéia da situação, o conjunto tocava com suas guitarras e bateria e todo mundo cantava sem microfone nenhum, na marra, no sacrifício mesmo. Essa função musical durou mais ou menos umas duas horas. Isso foi no tempo em que o instrumental e todo o grupo cabiam, com algum aperto, é claro, em um jipe 51...

-      Os restaurantes da Beira-mar

Nos primeiros meses, após a estréia, o Big Brasa conseguiu alguns pequenos contratos, ainda verbais, para tocar em restaurantes na avenida
Beira-Mar. Dentre eles o Bayuca, e posteriormente também outros, na Praia do Futuro. Para nós o rendimento daquelas apresentações era insignificante, mas era tudo o que tínhamos. Para não “passarmos em branco” os sábados à noite ou matinais aos domingos, era “pegar ou largar”, como se diz.

Na realidade, ganhávamos muito pouco ou quase nada. O conjunto recebia uma quantia que dava apenas para o pagamento do transporte e para um minúsculo “cachê” para cada músico. Ao final da noite, recebíamos uma refeição completa do restaurante. Pelo menos isso! O “esquema” naquele tempo, para quem estava iniciando, era esse mesmo, não tinha outra saída. O que procurávamos era a promoção do conjunto, aparecer para o público e tornar o Big Brasa conhecido em Fortaleza. Mas, para garotos como nós, todos na faixa de 15 para 17 anos, tudo era novidade...

Nessas tocatas, o conjunto ficava muito exposto ao público, quase sempre sem um local com proteção adequada, com os microfones de vez em quando sendo derrubados por garçons ou clientes, cabos e extensões elétricas pisados e todas as desvantagens de se trabalhar com instrumentos musicais e equipamentos eletrônicos sem estar em um palco. 

Com o passar de alguns meses, nosso trabalho surtiu efeito. Começamos a receber contratos para festas particulares de 15 anos, verdadeira moda naquele tempo, e também de outros clubes. Aí sim, felizmente pudemos deixar de lado os tais contratos com  restaurantes.

-      Tertúlias na Sociedade Bairro de Fátima

Por várias vezes o Big Brasa se apresentou em um clube chamado Sociedade Bairro de Fátima. Quase sempre as tertúlias tinham início com pouca gente, o que desanimava extremamente todo o grupo. Mas depois de algum tempo o pessoal ia chegando, devagarinho e as festas terminavam animadíssimas. Um dos garçons dizia para o  Mestre Alberto: - Aqui é assim mesmo, começa fraco e depois melhora.

Na Sociedade Bairro de Fátima ocorreu um episódio digno de registro. Nunca esqueci aquela noite. Nós estávamos tocando uma tertúlia normalmente e o público naquela ocasião era razoável. De cima do palco vimos uma equipe entrando pelas laterais do salão. Era o pessoal de um conjunto de Recife, com um instrumental bem mais moderno que o nosso. No intervalo ficamos sabendo que o grupo iria fazer um show. Ficamos observando aqueles amplificadores modernos, material muito bom. Esse conjunto iniciou sua apresentação “rachando”. Sabem como é? Quando um conjunto vai se apresentar por pouco tempo, seleciona as melhores músicas, aquelas que causam impacto e “sentam o porrete”. Essas músicas são chamadas de “cavalos de batalha”. Depois que o curto show acaba, quem fica, ou seja, o conjunto que estava tocando o baile, que se vire para superá-lo. Foi uma verdadeira barra. Vimos o pessoal desmontar seu instrumental e depois subimos ao palco novamente para continuar a festa. Reiniciamos com uma seqüência de solos de guitarra, acho que do “The Pop’s”. Estava trêmulo, mas com o tempo o pessoal foi entrando no salão para dançar e o nervosismo acabou. 

-      As tocatas em Mondubim

O Big Brasa também enfrentou paradas difíceis em Mondubim. Tertúlias mal divulgadas, certamente, e população pequena do bairro contribuíam para isso, entre outros fatores que desconheço. O Big Brasa se esforçava muito para animar o salão, eu tentava de tudo, modificando o repertório,  alternando estilos e ritmos mas não adiantava nada.

-      Os programas de Rádio

O Big Brasa participou de alguns programas de rádio levados “ao ar” pela Rádio Assunção, Rádio Dragão do Mar de Fortaleza e Ceará Rádio Clube.

O primeiro deles foi na Rádio Assunção, em um programa apresentado pelo radialista Aurélio Brasil. As condições técnicas para a apresentação de um conjunto musical eram mais do que sofríveis. Um estúdio apertadíssimo, de uns 10 metros quadrados mais ou menos, apenas um microfone para captar todo o som do instrumental e das vozes (imaginem só) e a apresentação ao vivo. O operador de áudio desse programa, mesmo se quisesse ou se soubesse, não teria nenhuma condição de mixar um instrumento ou equalizar o som geral do grupo. Saía do jeito que fosse mesmo, tudo na base da improvisação. Nesse dia todos estávamos muito nervosos com a expectativa dessa apresentação. O nervosismo se acentuava quando alguém nos avisava de que o programa começaria dentro de instantes e logo depois a gente via a indicação “NO AR” acender, dentro de estúdio.

Um fato interessante, que nos chegou ao conhecimento muito tempo depois de ter acontecido, foi que durante a apresentação do Big Brasa nesse referido programa de rádio, o nosso amigo Lúbi-Lúbi, de Messejana, que era auxiliar do programa, nos intervalos chegou para nós com a notícia de que os telefones da emissora não paravam de tocar, segundo ele os ouvintes elogiando o conjunto e pedindo mais músicas. O Lúbi-Lúbi fez isso para nos incentivar e até hoje todos nós somos a ele muito gratos, pois o choque não teria sido nada agradável para quem estava principiando. A verdade, nesse caso por ele escondida, é que o pessoal telefonava para pedir para nos “tirar do ar”.

Ainda na Rádio Assunção, mais tarde chegamos a fazer gravações de “jingles” para algumas empresas locais, com o Mauro Coutinho como técnico de som, e a nos apresentar no Auditório, com platéia, também em programas ao vivo, mas com melhores condições acústicas para melhor exibição. No mesmo período participamos de programas semelhantes transmitidos pela Rádio Dragão do Mar de Fortaleza. O apresentador era o Jurandir Mitoso, muito brincalhão e que ficou sendo nosso amigo e incentivador. Nesses programas o Jurandir Mitoso, entre uma música e outra, fazia perguntas sobre o grupo, nos entrevistando sobre a programação para o fim de semana. Sempre nos deu a maior força.

Na Ceará Rádio Clube não houve participação do Big Brasa, mas sim várias gravações individuais, com solos de guitarra feitos por mim, para a escolha de “sinais de tempo” para as transmissões de partidas de futebol, a convite do Mauro Coutinho. O sinal de tempo, para quem não sabe, é aquele rápido som ou efeito que precede o aviso, pelo locutor, de quanto tempo de jogo é decorrido. Usava a criatividade e efeitos com distorção para gravá-los. Lembro-me que alguns deles passaram muito tempo sendo utilizados e quando eu os ouvia sentia um prazer enorme pela autoria.

A FALTA DE UM TELEFONE

No princípio não tínhamos telefone próprio, fator que em muito dificultou a procura do conjunto.

O telefone mais perto de nossa casa ficava na residência da Dona Nadir. Era um daqueles “macacos-pretos”, como os radioamadores chamam, que tinham uma pequena alavanca ao lado, a qual acionada fazia soar a campainha de uma mesa telefônica do posto telefônico de Messejana, para que este completasse a ligação para Fortaleza.

O sistema, muito precário em vista do que temos hoje, funcionava assim: nós girávamos a tal alavanquinha várias vezes até que alguém do posto telefônico atendesse. Fornecíamos o número a ser chamado e a atendente pedia para que a gente desligasse e ficasse aguardando. Quando ela conseguia, retornava a ligação. Muitas vezes levava uma hora ou mais, pois dependia do número de chamadas que tinha que fazer no momento.

O nosso primeiro telefone, de nº 26-40-91, foi adquirido pelo meu pai em um dos planos de expansão da TELECEARÁ. Este telefone funcionava em uma central nova e ligava direto para Fortaleza, sem necessidade da intermediação do antigo posto telefônico. Uma melhoria formidável, portanto. 

Com o telefone próprio, mandamos imprimir cartões e outros impressos, para ajudar em nossa divulgação. Até hoje mantenho guardado o meu primeiro cartão de visita, como guitarrista-solo do Conjunto Big Brasa. 

MUITOS CONTRATOS, MESMO SEM EMPRESÁRIO

O Big Brasa nunca teve empresário. Muitas festas ao longo de sua existência naturalmente foram intermediadas por empresários, os quais cobravam 10% do valor do contrato. Mas empresário próprio nunca chegamos a ter. 

Os contratos que o Big Brasa conseguia vinham de quem realmente queria nosso conjunto pela qualidade. Para vir até a sede do conjunto não era fácil, levando-se em conta a distância de Messejana para Fortaleza, o  tempo que se gastava no percurso pela antiga BR-116 e as dificuldades de comunicação, pois no início não tínhamos telefone (coisa rara em Messejana nos idos de 1967), conforme já comentamos.

O BIG BRASA PELO INTERIOR DO CEARÁ

O Big Brasa esteve presente em muitos municípios cearenses, para animar festas de inauguração, bailes de formatura e outros eventos, nos quais sempre foi muito bem recebido. Certas vezes, encontrávamos faixas e cartazes pela cidade ou em frente ao clube local, dando boas-vindas ao conjunto, além da recepção feita pelas fãs e curiosos. As viagens do conjunto eram sempre animadas em razão do alto astral da turma. Depois dos bailes, quando o grupo estava de volta para Fortaleza, elas se tornavam cansativas, pelo percurso e acomodação nos transportes.

               Nas cidades do interior, quando chegávamos, a rotina praticamente era a mesma. Encontrar o clube ou o local da apresentação, retirar todo o equipamento dos transportes e montar tudo, deixando os instrumentos no “ponto de bala” para a festa, com os amplificadores e caixas devidamente testados, guitarras afinadas, tudo pronto, de maneira que a gente pudesse chegar apenas a alguns minutos do início da função. Em seguida nós íamos tomar banho, jantar e nos arrumar para o retorno ao clube. Não podíamos demorar nessas etapas, para não perder o horário. Aí é que vem a responsabilidade. Eu controlava os horários, ficando de olho na turma, para que alguém não se atrasasse. Isso numa boa, sem mandar fazer nada. As hospedagens sempre foram simples, mesmo porque o interior do Ceará, exceções à parte, não dispõe de bons hotéis ou pousadas. Na maioria dos contratos o conjunto se hospedava em um hotel ou pensão de classificação “sem estrelas”, onde nos preparávamos para o baile.  Durante toda a existência do Big Brasa consegui manter a liderança sobre o grupo de forma bem democrática, sem nunca precisar alegar ser dono do equipamento ou coisas desse gênero. Na realidade eu nunca me senti dono do conjunto e sim um guitarrista e companheiro de trabalho dos demais integrantes. Nos momentos em que tive que tomar decisões difíceis, em nome do Big Brasa, não hesitei. De forma certa ou errada mais decidi. Quando o assunto envolvia todo o pessoal a turma era consultada, para decidir sempre com base na maioria.

Entre os municípios cearenses que o Big Brasa se apresentou estão: Aquiraz, Aracati, Baturité, Canindé, Cascavel, Caucaia, Crateús, Guaiúba, Horizonte, Ipueiras, Itapagé, Maranguape, Maracanaú, Massapê, Mombaça, Nova Russas, Pacajus, Pacatuba, Pacoti, Pindoretama, Quixadá, Quixeramobim, Redenção, Russas, São Benedito, Sobral, Tianguá, Umirim e Várzea Alegre.

AS VIAGENS PARA FORA DO ESTADO

Os contratos do conjunto para fora do Estado não foram muitos, porém todos eles marcantes. O Big Brasa esteve nos Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Maranhão e Piauí. Como músico “free-lancer”, além disso, estive também em Campina Grande, Estado da Paraíba.

No Maranhão, por exemplo, tocamos muitos bailes, em boas temporadas realizadas em Balsas, Carolina e Caxias e São Luís. As fotos seguintes são ilustrativas desse período.

-      As festas tocadas em Caxias

Estivemos em Caxias em 1968, para três apresentações, ainda sob a orientação de meu pai Alberto. A primeira na União Artística Caxiense, depois na Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB) e por último no Balneário Veneza. Fizemos uma rápida apresentação na residência do prefeito local, que nos recebeu para um jantar. A presença de fãs foi uma constante, inclusive com solicitação de autógrafos e fotografias. Nessa época participavam do Big Brasa o Carló, Adalberto, Edson, Severino, Getúlio e eu.

Nota da imprensa local sobre essa temporada dizia:

“Encontra-se em nossa cidade, procedente de Fortaleza, o vitorioso Conjunto Musical Big Brasa, em excursão artística de divulgação da música moderna. Composto de cinco músicos, todos pré-universitários, membros de destacadas famílias da sociedade alencarina, os jovens intérpretes do iê-iê-iê estrearam ontem em animado baile realizado na sede da União Artística Operária Caxiense, quando tiveram oportunidade de empolgar os numerosos convidados com uma verdadeira apoteose de sons e ritmos, que bem os recomendam como um dos melhores conjuntos do gênero que nos têm visitado. Além de ser equipado com um instrumental dos mais modernos, o conjunto agrada e faz vibrar a todos pela vivacidade que executa o seu variado repertório”.

Imaginem só que o Big Brasa ainda usava amplificadores de pequena potência e a velha bateria. Apenas as guitarras já tinham sido substituídas por outras mais modernas, de marcas Gianinni e Phelpa, modelos “Apache” e “Coronado”. 

-      Um verdadeiro “ladrão” na guitarra

Em Caxias, fiquei conhecendo algumas das diversas expressões usadas pelos maranhenses. Durante um dos intervalos das festas que o Big Brasa tocava, um grupo de pessoas estava reunido em torno da mesa reservada para o conjunto, quando ouvi uma delas dizer para a minha mãe, o seguinte:

- Minha Senhora, o seu filho é um verdadeiro “ladrão” na guitarra!

Fiquei prestando atenção no que ele dizia, percebendo que referia-se à maneira que eu tocava a guitarra, principalmente por ter usado, em um improviso, um efeito interessante, tirado com a utilização de um copo, passando pelas cordas, cujo som se assemelhava ao de uma guitarra havaiana. 

O que de outra forma seria uma qualificação triste, para se ouvir a respeito de um filho, para ela, a Dona Zisile, soou como música, pois o emprego da palavra “ladrão”, nesse caso, significava uma pessoa que executava bem aquele instrumento, um “craque” em sua arte. Uma expressão muito usada pelos maranhenses.  

Big Brasa em São Luís do Maranhão

Em 1968 o Big Brasa também foi contratado para tocar três festas em São Luís do Maranhão. Não sei bem como foi feito e nem com quem foi assinado o contrato. Lembro, com certeza, que tocamos no Casino Maranhense, no Lítero Clube e no Grêmio dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar do Maranhão. Pelo contrato para três bailes, receberíamos 600 mil cruzeiros, mais passagens de avião de ida e volta. Um contrato e tanto, visto que hoje em dia apenas os grupos famosos conseguem contratos assim.

O Big Brasa nesse tempo era composto pelo Carló, Edson Belém, Edson Girão, Adalberto, (guitarristas-bases e vocalistas), Severino (baterista) e eu,  “Beiró”, como guitarrista-solo. O Getúlio, meu irmão, mascote e pandeirista, também viajou conosco. Antes de partirmos fizemos umas fotos no Aeroporto Pinto Martins e outras logo que chegamos a São Luís.

Num dos bailes dessa temporada, no Clube dos Sargentos e Subtenentes da Polícia Militar, o organizador veio até nós solicitar que acompanhássemos  uma jovem cantora da cidade, de 15 anos, que tinha uma voz belíssima.

No meio da festa fizemos uma pausa e essa moça ensaiou rapidamente conosco para depois dar um verdadeiro show de voz, empolgando todos participantes. Ficamos sabendo muitos anos depois que essa cantora era nada menos que a Alcione, hoje famosa, filha de um daqueles militares. Ela estava vestida de branco, muito graciosa, e fez uma belíssima apresentação.

O Big Brasa, mais uma vez, em São Luís, teve contato direto com outro conjunto local que logicamente possuía contrabaixo. O contrabaixista nos mostrou o instrumento e até se propôs a nos emprestar o instrumento para a noite, se fosse o caso. Mas não tínhamos ninguém ainda capacitado para isso. E foi tudo daquele jeito, sem contrabaixo mesmo. Imaginem só como deveria ser: aquele som metálico e estridente de três ou quatro guitarras e uma bateria, sem o peso da marcação e do próprio som do contrabaixo.

-      A temporada de Balsas

Foi em 1968. O Conjunto Big Brasa era integrado pelo Dummar, Carló, Marcos Oriá, Severino e eu. Chegamos à cidade e foi aquele sucesso estrondoso.

A curiosidade e o desconhecimento de conjuntos faziam que surgissem confusões até mesmo de nomenclatura, quando um cara perguntou ao Mestre Alberto, logo após nossa chegada, se o nome daquele instrumento era “tarracha” ou guitarra. Ele quase morreu de rir do cara e lhe explicou direitinho, que o nome era mesmo “guitarra”. Seguimos do aeroporto de Balsas em cima de um caminhão, que rodou pelo centro e principais ruas de Balsas, acompanhado por outros carros (a maioria jipes), como uma “carreata”. O pessoal ficava olhando aquilo tudo, admirado e acenando das portas e janelas. Tudo aquilo foi realmente impressionante para nós e a responsabilidade pesava mais ainda, depois daquela recepção. Era o Big Brasa o primeiro conjunto com guitarras que iria se apresentar em Balsas. Daí se explicava toda aquela curiosidade.

Um panfleto circulou pela cidade, antes de nossa chegada, anunciando:

“A partir do dia 18 do corrente mês se encontrará em nosso meio o conjunto Big Brasa, autêntico representante da música popular moderna. Trata-se de um conjunto de jovens, onde figuram dois balsenses, e que vem alcançando grande sucesso no meio social de Fortaleza. Espera-se contar com o apoio integral do povo balsense para este acontecimento, que cumprirá uma dupla missão: recreativa e cultural”.

O pessoal todo estava entusiasmado com a nossa presença. Dentre os mais animados estavam o nosso primo Bernardino, o Gonzaguinha e o próprio Mestre Alberto. Depois seguiu-se a preparação do nosso “enorme instrumental” no clube. O problema maior era o som para a voz. Havia naquele tempo os “serviços de som” dos clubes, normalmente um amplificador muito fraco e ruim, com pouca potência e caixas de som também de péssima qualidade. na última hora uma das caixas pifou e quem “salvou a pátria”, substituindo um alto-falante defeituoso, foi um padre italiano de quem não lembro o nome. Mas assim mesmo o som não deixava muito a desejar...

-      E cordas de guitarra, tem mais por aí ?

Outro problema que surgiu nessa temporada foi o da falta de alguns acessórios, principalmente cordas para as guitarras. Nós não tínhamos experiência e falhamos ao não levar para Balsas vários encordoamentos de reserva. Resultado: a turma da mão pesada quebrou várias cordas. Desse “time” fazia parte o Dummar, que com suas batidas fortes, como fazia ao violão, bateu o recorde. Eu também não escapava quebrava disso e de vez em quando quebrava uma. Os encordoamentos não tinham a resistência como os de hoje. A solução, embora precária, foi comprar cordas de violão para substituir as das guitarras. Não tinham a sonoridade adequada, mas não tinha saída, foi o jeito utilizá-las. Vale aquele ditado: ruim com elas, pior sem elas. E demos uma verdadeira baixa nos encordoamento de violão no comércio local.

-      A acertada crítica do Leonizar sobre o conjunto

Ainda sobre a temporada de Balsas um fato merece citação com destaque. Soube-se que durante a apresentação do Big Brasa no Clube, na qual a platéia admirada aplaudia, com sucesso total, um músico da cidade (saxofonista), chamado Leonizar, comentou numa roda de amigos que naquele conjunto uma guitarra estava desafinada. Foi levado ao ridículo, por desconhecimento musical e pela empolgação daquela turma. Simplesmente não admitiam a idéia exposta pelo Leonizar.

Esta história espalhou-se por toda a cidade e o pessoal “tirou o couro” do Leonizar. Acontece que o único mesmo que estava com plena razão era o mestre Leonizar, dono de um “ouvido” fora de série, excelente músico, que simplesmente constatou uma grande verdade. Muitas guitarras estavam mesmo desafinadas e era uma confusão geral para acertá-las quando isso ocorria em virtude da precariedade dos instrumentos, das cordas (encordoamentos de violão) e da barulheira total. Esse fato serve para ilustrar que muitas vezes a razão é encoberta pela emoção.

-      Big Brasa em Carolina

Motivado pelas apresentações do Big Brasa em Balsas, um grupo de pessoas de Carolina, cidade próxima, que mantinha certa rivalidade com Balsas, logo se mobilizou, no sentido de contratar o conjunto para duas apresentações. Ainda mais, porque esta cidade tinha fama pelo seu bom nível cultural.

Depois do contrato devidamente acertado foram enviados dois pequenos aviões monomotores para nos transportar, daqueles que já levantam vôo “na emergência”, por terem apenas um motor. Imagine só, o Big Brasa viajando em dois aviões. Na verdade aquilo era um verdadeiro luxo para nós!

Ao distribuir nosso equipamento e o pessoal do conjunto nesses dois pequenos aviões, não houve espaço para o banco da bateria, o qual, por não ser desmontável, teve que ficar. Foi a primeira dificuldade.

Durante o vôo, o piloto do avião no qual eu estava, um pouco mais potente e veloz, disse que nós poderíamos logo avistar o outro, que tinha decolado um pouco antes. E com uns dez a quinze minutos ele nos apontou a outra aeronave, que estava voando do nosso lado esquerdo, a uns 300 metros de distância.

Teve ainda a “gracinha” feita pelo mesmo piloto, com relação a uma inocente pergunta feita pelo Getúlio:

- E avião também tem acelerador?

E o piloto prontamente respondeu:

- Tem... E empurrou um dos botões do painel para a frente, diminuindo toda a aceleração. O motor diminuiu a rotação e consequentemente o barulho, e aquele leve aviãozinho começou a perder altura. Só por alguns instantes, porque nós, imediatamente, pedimos para que ele acelerasse de novo.

Chegando em Carolina o Big Brasa foi muito bem recebido, ainda no aeroporto, e em seguida nos deslocamos para conhecer o clube local, testar e instalar nosso instrumental. A curiosidade e a admiração pelas guitarras era enorme, em virtude de ser total novidade naquela época, principalmente em uma cidade do sul do Maranhão. O caso do banco da bateria, que não coube no avião,  foi resolvido com uma cadeira, colocada em cima de um engradado de cerveja, de modo a ficar na altura adequada. O Severino teve que se arranjar desse jeito.

Surgiu um segundo problema: a tensão da rede elétrica oscilava bastante, por ser gerada através de uma usina local. Baixava muito dos 220 volts, prejudicando o funcionamento e a qualidade de som dos amplificadores. Tivemos que arranjar vários transformadores, de diversos tipos e capacidades variadas, cuja instalação ficou uma verdadeira “gambiarra” no palco. Mas o sacrifício para conseguir os tais transformadores, por parte de todos, acabou dando certo, no final de tudo.

Nas duas festas tocadas em Carolina, eu e o Carló fizemos apresentações, durante o intervalo, tocando de mesa em mesa, ao redor da pista de dança, com escaleta e violão. A música escolhida para aquela oportunidade foi “Les Marionettes”, ainda lembro. Fomos muito aplaudidos, o que de certa forma causou admiração ao meu primo Pedro Ivo, que lhe confidenciou ter estranhado “o povo de Carolina bater palmas daquela maneira”, tendo em vista que era de seu conhecimento que vários artistas de renome tinham se apresentado na cidade e não receberam tantos aplausos. Ainda bem que eles “desencalharam” em nossa vez.

Nosso retorno à Balsas  foi em vôo comercial, em uma aeronave bimotor, “DC-3”, da extinta Real Aerovias. Esse tipo de avião, muito utilizado pelas companhias aéreas naquele período, não era pressurizado e ouvia-se o ronco dos fortes motores bem alto, mesmo estando dentro da aeronave. Durante o trecho Carolina - Balsas, um dos músicos do conjunto resolveu dar uma de turista, pensando que o atendimento de bordo era de “primeira”. E perguntou a um comissário de bordo:

- Seria possível um pouquinho de leite?

O comissário, achando muita graça, disse com a maior cara de brincalhão:

- Você está vendo alguma vaca aqui dentro? Tem refresco de limão, lá atrás, pode pegar. Disse ele, apontando para uma torneirinha daquelas. Nesse vôo lembro que a turbulência foi enorme, em razão da baixa altitude, deixando uma parte de nosso pessoal meio atordoada. Na chegada em Balsas muitos amigos e conhecidos estavam nos esperando e nos recepcionaram com muita satisfação.

Foi muito divertido. A temporada valeu a pena por mais uma experiência para todos nós. 

-      Big Brasa em Recife

Em Pernambuco, o conjunto participou por duas vezes das finais dos Festivais Nordestinos da Música Popular, televisionados para todo o Norte e Nordeste. As transmissões via EMBRATEL, muito comuns hoje em dia, naquela época consistiam novidade e motivo de repercussão na imprensa, visto que apenas eventos de grande vulto mereciam tal destaque.  

-      Big Brasa em Teresina

No Piauí, o conjunto se apresentou mais de uma vez em Teresina e Parnaíba. Em Teresina ficamos hospedados na casa do tio Raldir Bastos, que juntamente com sua esposa, tia Hermelinda, nos recebeu de forma excelente e pudemos estabelecer um convívio com todos os meus primos. Em um dos bailes realizados em Teresina, no Clube dos Diários, lembro que durante o intervalo houve um show de um grupo musical da terra. Quando retornamos para a segunda parte do baile o Big Brasa “botou para quebrar”. O pessoal mostrou determinação para superar o tal grupo e conseguimos nosso objetivo.

O esforço para apresentar uma música de boa qualidade mais uma vez foi realizado. Nesse dia, por exemplo, durante uma pequena pausa senti que meus dedos da mão esquerda estavam latejando e doendo muito, em função de solos e improvisos executados e, quem sabe, por causa de encordoamentos velhos de minha guitarra. Tive a impressão que estavam sangrando. Logo que desci do palco, sem olhar para mão, derramei sobre os dedos primeiramente um pouco de guaraná. Vendo que estava tudo normal, apenas doloridos pelo esforço, fiquei mais tranqüilo e segui em frente até o final daquele baile, sem problemas.

-      Shows em Parnaíba, com o Ednardo

Em Parnaíba, fizemos dois shows com o cantor e compositor Ednardo, realizamos um show no SESC, seguido de baile no principal clube da cidade. Na primeira viagem o Big Brasa integrou uma caravana composta por apresentadores e artistas da TV Ceará.

Destaque especial para o show no SESC, onde o conjunto se apresentou de uma forma impecável e foi muito bem recebido por uma platéia calorosa e muitas fãs. Ao final da última música, uma senhora que estava na frente do palco, aplaudindo freneticamente durante o tempo inteiro, disse para mim que queria cortar um pedaço de minha orelha para ficar de lembrança! Já pensaram? Ela devia ser alguma parente do Mike Tyson para ter esse desejo...

Sobre esta mesma apresentação, vale também registrar que o conjunto teve dificuldades para deixar o palco, localizado no auditório, que ficava no segundo andar do prédio, em razão do verdadeiro assédio praticado pelas fãs. Eu e o Lucius, por exemplo, passamos entre muitas garotas que aproveitavam para nos abraçar, beliscar, beijar e pedir autógrafos, gritando freneticamente.

A televisão realmente exercia uma força de propaganda significativa para o Big Brasa no interior do Estado. De forma que podíamos estar com o grupo em qualquer condição, mas sempre fomos muitíssimo bem acolhidos.

-      Em Mossoró, com o “Big”

No Rio Grande do Norte, em Mossoró, o Big Brasa animou diversos bailes, dentre eles o da formatura do Carló como engenheiro agrônomo. Essa festa de formatura da Escola de Agronomia de Mossoró, a ESAM, foi um sucesso total. Havia uma predisposição para que isso acontecesse, em função do Carló ser muito conhecido na cidade (era chamado de “Big”, pelos seus colegas de turma e demais conhecidos). Todos os seus amigos se integraram a nosso grupo e o baile, que contou com presença de um grande número de pessoas, transcorreu dentro da mais absoluta normalidade.

OS TRANSPORTES DO BIG BRASA

-      Os jipes “51

No princípio era um jipe 51, que cabia todo mundo e mais o instrumental completo. Não acreditam? É pura verdade. Uma bagunça danada, partes da bateria espalhados, amplificadores minúsculos e algumas guitarras pequeninas e cabos. Só isso, não tinha quase nada e dava para fazer a festa!

Ah! Tenho que falar mais desta inesquecível fase dos jipes. Marcante também pelos verdadeiros “estragos” que eles faziam em nossos bolsos em razão dos inúmeros consertos que de vez em quando neles era necessário realizar. Em contrapartida nos deram muitas alegrias. Passava na televisão, naquele tempo, o seriado “Ratos do Deserto”, sobre episódios de guerra, no qual o jipe modelo 42, que assemelhava-se ao 51, aparecia sempre. Eu fazia de tudo para que o nosso jipe fosse um “Rato do Deserto”.

Se você não se liga nesse papo de “pregos” em carros e oficinas, pule esta parte. Agora se quiser se identificar comigo, sofrendo um pouco, vá em frente. Às vezes eu passava dias inteiros na oficina do “Faúna”, que localizava-se pertinho do Seminário Seráfico de Messejana, em um terreno do lado direito de quem vai para Fortaleza pela Frei Cirilo, que antigamente era a BR-116.

Para manter os jipes em forma tínhamos que marcar presença constante nessas oficinas. Um dia a parte elétrica, outro a carburação ou a caixa de marchas, a embreagem. Mais raramente, por sorte nossa, um bloco de motor rachado ou empenado, com uma junta do tampão queimada. Essas “coisinhas simples” de resolver... Como eu tinha pouco dinheiro para pagar mecânicos o jeito foi ir aprendendo a consertar de tudo um pouco, inclusive pintura, chegando ao ponto de efetuar inúmeros consertos em casa, com recursos e ferramentas próprios. 

Certa vez um desses jipes ficou quase um mês na oficina, para remendar a lataria e fazer uma pintura nova. Paralelamente, o “Raimundo capoteiro”, que ainda hoje trabalha no ramo, fazia uma capota conversível para transformá-lo em clone de um “Rato do Deserto”, como aqueles jipes usados pelos americanos que a gente vê nos filmes de guerra. Foi um verdadeiro sufoco, e haja paciência para que o serviço fosse terminado. Na verdade a oficina não podia se ocupar o tempo integral com nosso amigo jipe e ficava parando de vez em quando para receber pequenos consertos. Mas valeu a pena. Quando o jipe saiu parecia novinho em folha. Coloquei a capota nova e foi um sucesso total. Por onde passava ou estacionava o jipe era muito observado. Tão observado que em uma noite, enquanto tocávamos uma festa de 15 anos na Aldeota, tivemos uma bela surpresa ao sair. Tinham furtado nosso jipe. Tristeza, decepção, queixa na polícia e nada. Veio aparecer perto do Círculo Militar, três dias após da ocorrência. Os ladrões, depois de terem usado e abusado do jipe, amassaram seu "capô", rasgaram o estofamento dos bancos, capota, tudo. Foi uma verdadeira sacanagem - essa é a palavra - feita talvez por um grupo de “filhinhos de papai” daquela área.

Mas com todos os problemas, o fato é que os jipes 51 eram muito resistentes, ajudaram o Big Brasa em seu início e nos trouxeram muita sorte em nosso aprendizado no volante, apesar de que, coincidentemente, no mesmo dia em que recebi a Carteira de Motorista, tirada em um jipe, a tenha “inaugurado”, com uma batida na uma traseira de um fusca que atravessou minha preferencial.      Mas isto é outra história ... 

Em algumas oportunidades, com o Big Brasa recém-formado, também utilizamos uma Kombi, dirigida pela tia Maria de Lourdes, quando ela ainda era freira - chamada de “Irmã Margarida”. Ela também nos incentivava bastante.

-      A Rural

Antes da compra da nossa Rural, alugávamos a do Colares, um policial que fazia “bicos” como motorista. O Colares chegou a fazer algumas viagens com o Big Brasa. Tipo de policial alto e forte, cabelos grisalhos, sempre brincalhão e muito tranqüilo. Em certa ocasião, nós achamos o máximo quando ele desceu a Serra da Ibiapaba, na maior calma, assobiando e dirigindo apenas com uma das mãos. Hoje em dia temos a consciência de que isso não é vantagem nenhuma, muito pelo contrário. Lembro também que ele costumava brincar conosco, fazendo uma demonstração de força que consistia em mandar cada um dos integrantes do conjunto subir em uma de suas mãos, apoiada com os cinco dedos no chão, os quais sustentava sem muito esforço. Depois conhecemos o “Seu” Fernando, motorista de praça que nos prestou muitos serviços com a sua rural. O Fernando “Galba”, como o apelidou o Adalberto, cuidava muito bem da manutenção de sua rural e era super responsável com os compromissos do Big Brasa.

-      A nossa Rural

Mais tarde, com a aquisição da nossa própria rural, veio também o reboque que o Mestre Alberto mandou fazer para levar o instrumental. Dava um trabalho muito grande para dirigir a rural com aquele reboque enorme. Para guardá-la na garagem, com o reboque engatado nem se fala, era dureza... Mais uma vez fomos treinados intensivamente ao volante e adquirimos mais prática de estrada, como se diz. Toda essa experiência foi importantíssima para mim.

Aquela Rural, com bagageiro maior e na parte de cima, nos serviu muito. Tinha um bom motor e mecânica razoável. Sua deficiência era na lataria, que vez por outra estava enferrujando. Como a nossa rural tinha algum tempo de uso, possuía folga na direção, o que sem dúvida se constituiu em um treinamento forçado para todos aqueles que a dirigiram. Às vezes, quando em uma estrada de asfalto ela puxava a direção para o lado esquerdo, ou seja, para a contramão, a situação ficava complicada, pois tínhamos que corrigir o volante para lá e para cá, em virtude da folga existente. Iniciava-se assim um vai-e-vem desgraçado, um verdadeiro perigo...

        -  A Kombi “Big Brasa”

O tempo foi passando e surgiu a oportunidade da aquisição de uma Kombi, o transporte ideal para o grupo naquele tempo. A nossa era uma modelo 1959, azul e branca, com o nome “Big Brasa” pintado nas laterais e na traseira. Gratas recordações dessa Kombi, a qual por muito tempo serviu ao Big Brasa. Era muito conhecida em Fortaleza. Um dia, na volta de um passeio na Prainha, essa Kombi “bateu” o motor. Como diz o ditado “há males que vêem para bem” e assim foi. No reparo desse motor, foi transformada por mecânicos da Ceará Motor em uma 1968, praticamente “do ano”, ficando completamente turbinada. Depois disso nunca nos trouxe problemas maiores e fez inúmeras viagens pelo interior cearense.

Com o objetivo de impressionar a todos e chamar mais atenção eu mandei instalar na Kombi uma descarga tipo “Kadron”, muito barulhenta. E usava um truque para espantar os pedestres: desligava a chave com o motor em funcionamento e uma marcha de força (uma segunda, por exemplo) engrenada até que a velocidade fosse reduzindo e a compressão do motor aumentando, logicamente. Aí então ligava a chave e ouvia-se uma verdadeira “explosão” na descarga, que assustava quem estivesse passando por perto na hora.

Certa vez, para emplacá-la no DETRAN, tive que passar por uma vistoria. Daí eu enchi o cano de escape com bombril, para abafar o ruído. Meu truque não deu certo, apesar de testado anteriormente. Falhou na hora em que o fiscal mandou que eu acelerasse bem o motor. O bombril saiu por completo e eu tive que voltar para Messejana, nada satisfeito, para colocar uma descarga normal. Depois de emplacada, o teimoso João Ribeiro trocou a descarga nova pela Kadron de novo ...

-      A Chevrolet de duas cabines

“Massa”, seria o adjetivo usado hoje para qualificar aquela camionete. Verde, com duas cabines, seis faróis (os de milha eu acrescentei), a “Chevrolet”, como a chamávamos, foi de grande utilidade para o Big Brasa. Para completar aquele carrão eu mesmo nela instalei um som, com amplificador, e alto-falantes bem distribuídos pelas duas cabines. Para os padrões da época, o máximo. Íamos para as festas ouvindo as músicas anteriormente ensaiadas ou então aquelas que a gente ainda tinha que aprender para colocá-las no repertório do Big Brasa. Assim a gente unia o útil ao agradável.

Essa Chevrolet, segundo o Mestre Alberto, foi um verdadeiro atraso de vida para ele, pelas despesas que deu em razão de alguns problemas mecânicos. Em viagens ela agüentou firme várias vezes, inclusive no dia em que fez duas viagens de Fortaleza a Mossoró, no mesmo dia, transportando equipamentos do Conjunto e nosso próprio grupo para o baile de formatura do Carló.

 No entanto, em uma noite quando voltávamos de uma festa, de Messejana à Fortaleza, pela antiga BR-116 antes de sua duplicação, perto ou quase em frente ao DNER, ela deu uma pifada violenta. Simplesmente “apagou” o motor e não “pegava” mais. Tentamos de tudo. Como a gente já era diplomado em mecânica, após ter passado por três jipes 51, verificamos a parte elétrica, a alimentação, bomba de gasolina, corrente da bobina, tudo. E nada de encontrar o defeito. Teve que sofrer a humilhação de ser rebocada de volta.

O difícil problema foi descoberto apenas no outro dia: um pequeno cano de alimentação de combustível, por baixo da camionete, que estava obstruído, provavelmente em razão de alguma pancada. Haja paciência...

Sobre essa camionete, um fato interessante: um dia, quando meu pai estava em seu trabalho na TV Educativa, um dos diretores, em conversa informal com ele, contou que uma vez tinha conseguido se desfazer de um “verdadeiro abacaxi” (que era a tal Chevrolet), empurrando-a para a frente, como se diz, pois o carro tinha incendiado em suas mãos e, mesmo depois de consertado, nunca mais ficou legal.

O PRIMEIRO ANIVERSÁRIO DO BIG BRASA

A primeira festa de aniversário do Big Brasa foi realizada no dia 28 de abril de 1968, no Balneário Clube de Messejana, com música o dia inteiro: matinal, vesperal e tertúlia, entrando pela noite. O símbolo desse primeiro aniversário foi uma flâmula em forma de uma guitarra vermelha e branca, com os dizeres alusivos à festa.

Na matinal atuaram os conjuntos “Os Rataplans”, “Os Belgas” e o “Big Brasa”. À tarde e noite “Os Milionários, a ala feminina do Big Brasa, e novamente o Big Brasa. Pode-se afirmar, com certeza, que foi uma das maiores e melhores festas do Balneário, com um participação maciça durante toda a festividade. Com um detalhe: também foi uma das primeiras festas dessa natureza a ser transmitida pelo rádio, com participações ao vivo! A flâmula ao lado foi distribuída na entrada do clube a todos os participantes, como lembrança do evento.

A Diretoria do clube nos ofereceu um troféu, em comemoração a nosso primeiro aniversário e pelo reconhecimento de nosso sucesso em Fortaleza. Durante o evento houve uma confraternização geral entre os conjuntos participantes, dentro de um clima de amizade e coleguismo. 

Não houve lucro financeiro na promoção. Além das “cortesias” e de muita gente “furar” a portaria, as despesas com os lanches dos conjuntos foram enormes. E a minha mãe ainda doou uma máquina de costura nova, que foi sorteada durante o evento. Por outro lado, os efeitos publicitários foram muito bons, pela grande repercussão obtida por essa festa.

A ALA FEMININA DO BIG BRASA

Incentivadas pela formação do Big Brasa, Célia Alencar, Aliete Lima, Lucinha, Neide e Adriana Oriá formaram a ala feminina do grupo.

Foi como uma brincadeira, mas chamou a atenção da moçada de Messejana. As meninas ficaram empolgadas com o Big Brasa e resolveram  ensaiar algumas músicas. Com o nosso instrumental, chegaram a se apresentar algumas vezes nos intervalos das festas do Balneário Clube de Messejana, sempre com bastante agrado em face da novidade.      

PROMOÇÕES REALIZADAS PELO BIG BRASA

O Big Brasa realizou diversas promoções por sua conta e risco, no Balneário Clube de Messejana. Isso acontecia, na maior parte das vezes, quando não tínhamos contrato para uma determinada data e desejávamos preenchê-la. Em algumas delas o conjunto obteve sucesso, mas em outras foi prejudicado pelo famoso “jeitinho brasileiro”, de querer levar vantagem em tudo.

Para começar, nesses eventos a diretoria do Clube sempre ficava com a renda do bar, deixando a venda de entradas na portaria para o conjunto. Aí é que a “coisa pegava”. Enquanto uns compravam ingresso normalmente, muitos queriam “botar todo mundo para dentro” do clube sem pagar, a qualquer custo. Muitos se diziam diretores. Alguns membros da diretoria efetiva usavam de sua influência para colocar pessoas no clube sem pagar ingresso. E muitos ainda tentavam entrar sem pagar pulando o muro. Houve inclusive um caso em que um grupo de rapazes entrou nadando pela lagoa de Messejana, com a roupa na cabeça para não molhar - essa foi demais, incrível! Mas não tinha jeito, a mentalidade de alguns era essa...

OUTRAS COMEMORAÇÕES DE ANIVERSÁRIO

O segundo aniversário, em 27 de abril de 1969, foi realizado no Recreio do Funcionário - Clube de Campo, na Lagoa Redonda, tendo como convidados especiais os sócios do Balneário Clube de Messejana. Abrilhantaram aquela festa mais dois conjuntos, “Os Milionários” e “Os Belgas”.  Naquele dia os “Belgas” estavam demais. O grupo, composto pelo Edson Girão, Eudes, Ricardo e Júlio, deu um show à parte no que se refere a vocalização. Tocavam e cantavam os arranjos dos “Beatles” de maneira espetacular, o som bem ajustado, tudo cem por cento. 

No dia 22 de maio de 1971 comemoramos nosso quarto aniversário no Clube “General Sampaio”, no centro da cidade. Muita gente boa esteve presente naquele dia. O Brasa Seis, um dos melhores conjuntos da época, tocou uma parte da festa durante o dia. O pessoal da televisão esteve por lá em peso e curtiu bastante.

AS MATINAIS DO CLUBE DE REGATAS

Era o que se pode dizer uma parada dura, quando tínhamos que enfrentar aos domingos uma matinal no Clube de Regatas após um baile no sábado, quase sempre muito cansativo. Quando isso ocorria eu não participava da desmontagem do material na noite anterior, voltando imediatamente para casa para ganhar um tempo a mais de sono. Chegava dos bailes, na maioria das vezes entre três e cinco horas da manhã em casa e dormia muito pouco. O pessoal que cuidava do instrumental (motoristas e bigus) se deslocava mais cedo para ir  montando tudo. Difícil mesmo era para acordar e apressadamente tomar um café da manhã, para nos deslocarmos para o clube. Nós chegávamos quase na hora, a tempo de afinar os instrumentos e logo começar a função. Mas tudo isso valia a pena, pois nosso rendimento aumentava no final do mês.

REGISTRO DE APRESENTAÇÕES – O MAPA “ROUBADO”

Mais ou menos em 1972 eu organizei um mapa, feito em uma folha de cartolina, contendo aproximadamente 500 apresentações feitas pelo Big Brasa. Tive muito trabalho na elaboração desse controle, para recuperar ao máximo possível as funções musicais em que o Big Brasa atuou. Esse levantamento continha indicações dos locais, clubes, cidades e às vezes até mesmo os nomes dos aniversariantes. Esse precioso controle infelizmente caiu nas mãos de um gatunozinho safado, certamente admirador do conjunto. Daí por diante fizemos mais centenas de apresentações, inclusive as da televisão, mas não houve mais a preocupação e nem a paciência de manter  registros com tal precisão.

O CONSERVATÓRIO DE MÚSICA  “ALBERTO NEPOMUCENO”

Época de vestibular. No primeiro exame prestado eu me inscrevi para Medicina e apenas por três questões, não obtive aprovação. Deus sabe o que faz. Ainda bem, porque não teria sido um bom médico, por falta de vocação. No outro semestre, eu e a Aliete resolvemos prestar exame, desta vez para Licenciatura em Música. O Conservatório de Música Alberto Nepomuceno tinha sido encampado pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e iria iniciar sua primeira turma. Conseguimos êxito, o que para mim foi mais um tento, uma vitória. Estava totalmente envolvido com o meio musical e “respirava” música o tempo todo. Para ter uma idéia, nesse período eu era guitarrista do Big Brasa, trabalhava na TV Educativa como sonoplasta e na TV Ceará como produtor musical do programa “Show do Mercantil”. Além disso fazia apresentações ou realizava outras funções como música ambiente para recepções e casamentos, como tecladista. 

Durante os quatro anos de Conservatório, aprendi muita teoria e técnicas musicais com os experientes professores, de modo especial com a D’Alva Stela, a Repegá Fernanian, a Nísia, a Afonsina, o José Mário, dentre outros. Se bem que eu esperava mais, principalmente na parte prática e técnica de instrumentos. Para se ter uma idéia, houve diversas cadeiras em que os professores me dispensaram porque não tinha sentido, diziam eles, visto que eu conhecia a matéria. Pressionava muito esses professores, dizendo que eu estava ali para aprender mais e não para ser dispensado de aulas.

Dentre as cadeiras, fora as do ano básico, constavam História das Artes, Canto Coral, Técnica Vocal, Regência, Som e Ritmo, Prática de Instrumentos (cinco semestres) e Harmonia.

Depois de bem ambientado no Conservatório, vale dizer, sobre uma das etapas do curso, que iniciei a cadeira de Harmonia plenamente confiado nos conhecimentos práticos que o Big Brasa tinha me proporcionado e na experiência do dia-a-dia. Quase que entro pelo cano. Tive dificuldades com a matéria, principalmente ao fazer encadeamentos harmônicos e pequenos arranjos para orquestra. Se não tivesse estudado para valer teria sido reprovado naquele semestre. Ao final, como “NTI”, apresentei uma composição intitulada “Entre pelo Cânon” (da qual ainda mantenho a partitura original), tendo conseguido nota dez.

Foi uma faculdade muito interessante e no decorrer dos quatro anos de estudo fizemos muitos amigos. Chegamos a participar ativamente do Coral e fizemos algumas apresentações. Tenho ainda as partituras das músicas que cantávamos. Com a formatura, o Conservatório, através da UECE, nos proporcionou o Nível Superior, que futuramente veio a ser essencial para minha carreira em outra área de atividade.

A PARTICIPAÇÃO DO BIG BRASA NA TELEVISÃO

O Conjunto Big Brasa teve uma presença marcante e freqüente na televisão cearense, por quase sete anos, fator que influiu de forma significativa na divulgação do grupo em Fortaleza e de modo especial no interior cearense.

O ingresso do Conjunto na televisão deu-se por ocasião de um Festival Nordestino da Música Popular, quando o Big Brasa acompanhava o Ednardo, na música “Beira-Mar”, no Náutico Atlético Cearense. Nessa ocasião o conjunto estava muito bem ensaiado e produzia arranjos musicais belíssimos nas músicas que executava. Na final desse festival a música do Ednardo tirou o primeiro lugar, fato amplamente noticiado através da imprensa local.

Nesse apresentação o grupo foi observado pelo radialista e apresentador de TV, Augusto Borges, que comandava naquela época o programa “Show do Mercantil”, levado ao ar aos sábados pela TV CEARÁ, Canal 2, antiga emissora de Rede Tupi de Televisão (cujo logotipo era um indiozinho). Esse programa era patrocinado pelo Mercantil São José. Pois bem, o Augusto ficou empolgado com o Conjunto e naquela oportunidade nos convidou para participar de seu programa. Assim foi o início de nosso contato com a televisão.

O PROGRAMA “SHOW DO MERCANTIL”

O Show do Mercantil, levado ao ar aos sábados, pela extinta TV Ceará, Canal 2, da Rede Tupi de Televisão, quase sempre apresentava muitos quadros interessantes e de bom conteúdo. Durante muito tempo do programa o “layout” do palco do Show do Mercantil tinha como pano de fundo o Big Brasa. Assim, qualquer que fosse a atração, estávamos lá aparecendo na TV, o que contribuiu de forma significativa para nossa maior divulgação no interior do Estado.

No decorrer dos programas o Augusto Borges freqüentemente se dirigia ao Big Brasa, fazendo um comentário ou simplesmente brincando com algum de nossos componentes. Desse modo nossa imagem se propagou rapidamente e nos tornamos muito conhecidos pelo público em geral.

-      Como era o Show do Mercantil

Durante o período letivo o quadro Colégio contra Colégio encarregava-se de animar o programa suficientemente, pelas disputas entre os estudantes. Tínhamos que nos policiar no que diz respeito à postura no palco, pois o tempo de duração era de duas horas e meia e cansava ficar todo esse tempo em pé. Nos intervalos a gente saía “de fininho” para a ante-sala, para bater papo e descansar um pouco. Para quem fumava era uma boa, pois dava tempo para acender um cigarrinho de leve.

-      Seleção de calouros - uma “boca quente”

A participação musical do Big Brasa no Show do Mercantil iniciava às noites das quartas-feiras, quando eu, na qualidade de produtor musical, fazia uma seleção de calouros para se apresentar no programa seguinte. Tudo funcionava assim: no auditório da TV Ceará os candidatos chegavam cedo. Eu iniciava o ensaio por volta das 20:00h. Ao piano, no palco, ia chamando os calouros por ordem de chegada e, um a um, perguntava-lhe que música que gostaria de ensaiar. Depois do acompanhamento de cada candidato, fazia algumas anotações para escolher os melhores ao final. Tive que enfrentar vários problemas, de gente desafinada e sem ritmo, mas que pensa que sabe cantar. Em cada ensaio eu ouvia em média trinta candidatos para escolher apenas quatro, estes que ensaiariam na sexta-feira com todo o conjunto.  Às vezes a escolha ficava difícil e eu tinha que escalar os menos ruins, de qualquer jeito...

Num desses ensaios, ao anunciar a relação dos quatro calouros para sexta-feira, um cara, alto e desengonçado, veio me questionar sobre o porquê de não ter sido escolhido. Gentilmente expliquei a ele que deveria treinar mais, ouvir mais a música escolhida, enfim, todas as explicações necessárias ao caso. Mas ele, inconformado, cada vez mais ia se exaltando. E eu também ia perdendo a paciência, que nunca foi grande mesmo. Ao final, virei para o “candidato a calouro” e tive que lhe dizer a verdade, nua e crua:

- Meu amigo, sem ritmo, cantando desafinado e errando a letra da música, não dá. É por isso que você não tem condições para se apresentar. E sendo assim, enquanto eu estiver aqui, você não cantará no programa.

Foi o suficiente para que eu recebesse um desaforo e uma ameaça de tiro, que felizmente ficou só na ameaça.

Ao contar o fato para o Augusto Borges, mencionando a ameaça recebida, ele me perguntou, com a maior calma:

- Beiró, o cara disse mesmo que iria atirar em você?

- Sim, respondi preocupado.

- Então pode ficar sossegado que ele não vai fazer nada, tranqüilizou-me.

-      O ensaio geral do Show do Mercantil

Realizado às sextas-feiras, quando o “script”, ou roteiro do programa estava pronto. Quase sempre enfadonho, principalmente quando a produção tinha algum novo elemento querendo “aparecer”. No que se refere à parte musical o conjunto Big Brasa ensaiava com os calouros todas as músicas, com introduções, até que ficassem “no ponto”, nem que fosse no ponto de errar no sábado, como alguns faziam, face ao nervosismo ... Depois desse ensaio geral as entradas das músicas eram repassadas de forma muito rápida, só para relembrar, no sábado, antes do início do programa, com o Big Brasa no palco do programa, a postos.

-      Artistas que o Big Brasa acompanhou

Vários foram os artistas que o Big Brasa acompanhou, muitos de projeção nacional. Foram seis anos e meio, com atrações todos os sábados e em muitos desses programas cantores de fora, quase sempre vindos do sul do País.

A seguir estão listados alguns deles, em ordem alfabética: Adriano (Francisco de Assis), Carlos Imperial, Belchior, Cauby Peixoto, Cláudia Barroso, Demétrius, Dóris Monteiro, Ednardo, Jorge Melo, Luís Vieira, Mardônio, Márcio Greick, Pablo Sebastian, Rodger, Sandra, Wanderley Cardoso, dentre outros.

-      Nosso encontro com o “Rei do Baião”

Em uma das tardes de sábado, o Big Brasa estava cumprindo função no Show do Mercantil. Com o auditório praticamente lotado, o programa naquele dia apresentaria muitas atrações. Não seria monótono, como em outras vezes.

A produção musical, de minha responsabilidade, tinha preparado alguns novos cantores da terra, saídos da seleção de calouros. Além disso apresentaria o próprio quadro de calouros e alguns números do Big Brasa, músicas de sucesso recentemente ensaiadas. Nessa época, havia um quadro chamado “Fora de Série”, no qual se apresentavam mágicos, malabaristas, contorcionistas, enfim, todas as pessoas que faziam alguma coisa diferente, motivo de atração. Esse quadro permaneceu no ar por muito tempo e tivemos a oportunidade de presenciar várias cenas ou atrações super interessantes. Para aquele dia, a produção do programa, através de diversas “chamadas” - pequenos comerciais do programa exibidos durante a programação durante a semana - tinha anunciado uma grande surpresa para o público.

No início do programa, o Augusto Borges adiantou a atração, que seria o famoso compositor e músico Luiz Gonzaga, nada menos do que o “Rei do Baião”, como ficou conhecido internacionalmente. Durante os intervalos, de pequena duração, a gente saía um pouco do nosso palco, que ficava na lateral do cenário principal, para conversar com o pessoal da produção e outros colegas, na ante-sala do programa, bastante movimentada. Nesse dia, estávamos também querendo ver, de perto, o “Rei do Baião”. Em uma dessas saídas, nos deparamos com o Luiz Gonzaga, na ante-sala, sentado com sua sanfona, calmamente aguardando a vez de sua apresentação. O meu pai, muito entusiasmado com aquele encontro, visto ser um dos fãs daquele artista, disse para o pessoal do conjunto, na frente do Luiz Gonzaga, em tom de brincadeira:

- Vocês deveriam se perfilar e fazer continência, em homenagem a “esta verdadeira fera”, referindo-se ao Luiz Gonzaga.

Ele permaneceu sentado e, sorrindo bastante para todos nós, respondeu:

- Deixe os meninos, que eles estão “na deles”...

E nós todos cumprimentamos o famoso Rei do Baião, com muita satisfação por mais aquele encontro com gente famosa. Naquele momento, o Luiz Gonzaga deixou a impressão, para mim, de ser um artista extremamente simples e simpático, além naturalmente de tudo aquilo que produziu em seu inestimável legado musical.

-      Os operadores de câmeras

Os que trabalharam durante mais tempo conosco foram o Fred e o William. Eles tinham que ter muita agilidade nas operações com seus equipamentos, particularmente no início, com as câmeras RCA, americanas,  em preto e branco. Elas não possuíam o recurso de aproximação, o “zoom”, tão comum hoje em dia em qualquer filmadora. Na frente de cada câmera existia o que eles chamavam de “torre de lentes”, ou seja, um conjunto de quatro lentes que eles tinham que alternar de acordo com a distância dos objetos em foco. Havia o perigo, por exemplo, de um câmera-man, inadvertidamente, mudar de lente quando a sua câmera estivesse “no ar” - a chamada falha técnica.

De vez em quando eu gostava de brincar com as câmeras e pedia para que os operadores me deixassem trabalhar um pouquinho com elas durante os programas. Isso acontecia mais com a câmera 3, que me parece era a que mais folgava.

-      A equipe de produção do Show do Mercantil

O programa foi produzido por muito tempo pelo Tertuliano Siqueira, filho do falecido guitarrista Paulo de Tarso, que hoje trabalha para o grupo do jornal “O Povo”, auxiliado pelo Oliveira Martins. O “Terto”, como alguns o chamavam, tinha boas idéias. Produzir e dirigir um programa de televisão semanal, em Fortaleza, com duas horas de duração, não é fácil. O cara tem que “se virar” para arranjar matérias e atrações. Entrevistas diversas, artistas de fora do Estado e curiosidades, como o quadro “Fora de Série” faziam parte do show.

O Big Brasa quase sempre apresentava um número na abertura e mantinha algumas músicas para preencher alguma lacuna. Acompanhava a apresentação dos calouros e praticamente todos os cantores que vinham do Sul do País para temporadas em Fortaleza. Adquirimos muita experiência musical por causa disso. Tínhamos mesmo que saber, ou seja, conhecer bem as harmonias, os acompanhamentos de tudo que é música ou então “ter ouvido” para pegar o acompanhamento na hora do ensaio, rapidamente. E depois, memorizar tudo aquilo para não falhar durante o programa, sempre realizado “ao vivo”.

-      A distribuição das sacolas e brindes

Um dos momentos que mais agradava ao público presente no auditório, que ficava bastante agitado, era quando o Augusto Borges mandava distribuir as sacolas do Mercantil São José, sempre recheadas com diversos produtos de qualidade. O Mercantil encaminhava para a TV Ceará uma porção de mantimentos, que ficavam armazenados em um depósito para serem acondicionados em sacolas e distribuídos ao público no decorrer dos programas.

Todos os participantes do Big Brasa recebiam uma sacola, às vezes até mais de uma. O motorista, Fernando “Galba”, bigus, auxiliares, pessoal da produção do programa, todo mundo se fazia direitinho.

-      As paqueras durante o programa

Sempre havia muita movimentação no Show do Mercantil, de modo especial quando o período escolar tinha início e o quadro “Colégio contra Colégio” também. Auditório lotado, muita gente mesmo. Nos bastidores do mesmo jeito. Quem conhecia as dependências da TV Ceará, seus corredores amplos, sabia como chegar ao auditório do programa “por dentro”. E aí ficava sempre meio tumultuado, com o pessoal querendo ver os artistas, batendo papo, desejando receber uma sacola “por fora”, o que não era permitido.  Na realidade, sempre estive  muito ocupado - e preocupado - durante o programa para que tanto a minha participação como produtor musical e a do Big Brasa fossem satisfatórias. E nesse clima havia paqueras de todo o lado, além de sempre existir um grande batalhão de meninas e moças que desejavam “entrar” para a TV de qualquer modo, como cantora ou garota-propaganda.

-      A repercussão do “Show do Mercantil” no interior do Estado

Se em Fortaleza a televisão divulgava o Big Brasa suficientemente, no interior a penetração do Big Brasa era intensa, a divulgação era enorme. No início apenas a TV Ceará existia. E por isso mesmo durante muitos anos sua imagem foi  única no interior do Estado, em se tratando de grupos musicais.

Imaginem só, nos anos de 1970, um conjunto que aparecia todos os sábados num programa de audiência total no interior, visto que a EMBRATEL ainda não possibilitava transmissões do Sul do país. Quando o Big Brasa chegava a qualquer cidade interiorana, obtinha enorme repercussão. Em muitos municípios fomos recebidos com faixas de boas-vindas na frente dos clubes! A rapaziada local ficava com um ciúme danado por que suas paqueras e namoradas se voltavam para nós, tudo muito natural, por ser novidade, essas  coisas de tietes. 

Foi nesse esquema que praticamente se desenrolou a bem sucedida etapa televisiva do Big Brasa, cujos episódios serão motivo de diversos enfoques nesses registros.

O PROGRAMA “ESTÚDIO 2”

Programa de muita audiência, no qual o Big Brasa se apresentou por quase três anos. Levado ao ar diariamente pela TV Ceará, cada programa abordava, através de entrevistas, temas diversos, dirigidos principalmente às mulheres. Diversos artistas nacionais, cantores, pessoal de teatro e outras personalidades de destaque participaram do “Estúdio 2”.

Dentre os que eu lembro, a Dercy Gonçalves, do mesmo jeito que está agora, com as brincadeiras, mas com bem menos palavrões, tendo em vista a censura existente no período. O famoso músico Zé Menezes também foi acompanhado pelo Big Brasa. No dia em que esteve no programa, ele usou minha guitarra, para executar alguns solos e improvisos.  

Às vezes a contra-regra produzia um cenário um pouquinho melhor do que as simples cortinas e tapadeiras, que eram divisórias de compensado para encobrir um ou outro defeito do cenário. Colocavam mesas e cadeiras como num bar, com platéia,  e o ambiente ficava mais alegre e descontraído.  A luta do pessoal do estúdio era sempre no sentido de manter o silêncio daqueles que não estavam em cena, para não atrapalhar o programa , realizado “ao vivo”.

Durante praticamente toda a semana deixávamos o instrumental no amplo estúdio da TV Ceará onde se realizava o “Estúdio 2” . Esse material era levado para casa apenas para os ensaios do conjunto. Para nós, músicos e o restante do pessoal que ali trabalhava o horário não era fácil. De Messejana eu saía em nosso jipe 51, com o Adalberto, mais ou menos às 11:15h., de segunda a sexta-feira.

Nós costumávamos dividir as despesas com a gasolina. Nunca deixamos de cumprir esse horário, certinho.

O som do “Estúdio 2” sempre foi melhor que o do Show do Mercantil. Deve-se isso, com certeza, aos operadores de áudio e de microfones, além da própria acústica do ambiente. No estúdio a distribuição se fazia com uma “girafa”, que para quem não sabia é um suporte bem grande, na forma de um guindaste, que podia movimentar o microfone por cima de todo mundo, captando bom o som de cada cena. Havia também os microfones de lapela e os “varacionais”, explico: como a TV não possuía microfones direcionais, aqueles que captam bem o som em uma determinada direção, o pessoal da equipe técnica adaptava um microfone comum, forrado com esponjas, a uma vara ou haste de metal ou madeira. Por causa dessa improvisação, ficaram conhecidos por nós como os microfones “varacionais”. 

Os câmeras procuravam “detalhes” em todos os lugares que podiam para ser mais criativos. Lembro-me muito bem do William (o “Irmão”, já falecido), do Fred (atualmente na TV Educativa) e o Zé Lenir, o mais calmo e de menos iniciativa. O “Irmão” e o Fred se destacavam como bons profissionais. Na verdade eles eram muito bons mesmo. O Fred, bastante dinâmico, se deslocava rapidamente para conseguir os melhores ângulos para as imagens que o suíte (diretor de imagens) solicitava. Por falar em “suíte”, os dois diretores de imagens que mais trabalhavam naquele tempo nos programas em que o Big Brasa participava eram o Dedeco (Aderson Maia) e o Gonzalez, este principalmente no Estúdio 2. Bem, eles nos colocavam “no ar” diversas vezes sem estarmos tocando, em qualquer posição que estivéssemos, de preferência quando a gente não notava que seria focalizado. Numa dessas vezes que os câmeras ficavam procurando o que mostrar pelo estúdio o Fred ficou me focalizando um tempão e eu, que estava prestando atenção ao que estava sendo exibido no programa, não notei. Deu sorte porque minha  imagem não tinha ido ainda ao ar. Quando notei o Fred tentando me enquadrar, num ato impulsivo e de pura brincadeira, “dei o dedo” para a câmera. Resultado: depois do programa o Gonzalez desceu da “Engenharia”, como chamávamos, e me deu uma boa chamada, dizendo ele que “quase” apertou no botão que levaria aquele gesto para todos os cearenses. 

O conjunto fazia em média dois números por programa. No decorrer dessa temporada a propaganda que o conjunto conseguiu foi enorme, por aparecer diariamente na TV. As músicas quase sempre eram sucessos do momento, cantadas pelo Edson ou pelo Lucius. Tocávamos “temas” de improviso e blues, ocasiões em que eu aproveitava para “tirar” sons de todas as maneiras que sabia, na guitarra, fato que contribuiu para minha relativa projeção como guitarrista-solo em Fortaleza.

Conseguimos um fã-clube espalhado pelo interior do Estado. Todos os dias recebíamos cartas e mais cartas. Umas eram dirigidas ao Conjunto Big Brasa, de um modo geral. Outras eram destinadas aos músicos, em particular. Acho que os campeões de correspondência eram o Edson Girão e o Lucius.

Ainda hoje mantenho quase todas as cartas que recebi, muitas delas com fotos e até declarações amorosas, com muito carinho e afeto. Sentia um prazer enorme ao receber cada cartinha daquelas. Andei respondendo muitas, pessoalmente. Depois, pela falta de tempo, contratamos uma amiga que respondia tudo por nós. Tive  que fazer uma fotografia minha ao lado do caminhão de transmissões externas do Canal 2 e distribuí 500 (quinhentas) cópias para o fã-clube do conjunto no interior do Estado. Hoje em dia ainda mantenho estas cartas bem guardadas, pois fazem parte de nossa memória.

Ainda sobre fotografias do conjunto, é bom contar que fizemos uma “mutreta” um dia, quando um cara estacionou com um automóvel conversível “Lorena”, em frente ao Canal 2, para resolver algum assunto de seu interesse. Como estávamos aguardando o horário do Estúdio 2 entrar “no ar” chamamos rapidamente o fotógrafo da televisão e fizemos uma pose junto ao tal carro. Foram feitas centenas de fotos e enviadas também para o interior. Isso certamente contribuiu para nossa imagem de conjunto “rico”, com o carro dos outros ...

Tínhamos que inventar novidades. Eu às vezes até abusava dos pedais (distorção e "wah-wah") e brincava com os câmeras que se aproximavam demais de minha guitarra no intuito de mostrar minha aliança para as fãs do interior.

De tão acostumados com as câmeras e com o pessoal do estúdio todo, contra-regras, operadores de microfone, os próprios câmeras-man, a gente se divertia muito. Eu não perdia nenhuma oportunidade de improvisar sobre os temas das músicas que tocávamos. Era uma boa forma de exercitar e também de mostrar para o Ceará inteiro nossas habilidades.

No entanto um dia o produtor do programa resolveu abrir mais um espaço para uma entrevista com o conjunto, a pedido das fãs. O entrevistador foi o Flávio Torres. Dirigiu perguntas principalmente para o Lucius e algumas para mim, sobre nossa atuação em Fortaleza, quis saber se respondíamos as cartas do pessoal, enfim um bocado de coisas. Fiquei, como sempre, um pouco nervoso ao ser entrevistado. Senti que o sangue me fugiu e que deveria estar muito pálido. Mas felizmente a TV ainda era em preto e branco... Na foto que temos desta entrevista aparece a atriz de novelas e apresentadora Carla Peixoto, da TV Ceará.

Toda a vez que eu tinha que falar em público ficava um pouco nervoso. Podia cantar, tocar, enfim, fazer tudo, que me sentia bem, completamente à vontade. Mas falar em público, principalmente na televisão, que você fala para uma platéia e também para uma câmera, sempre foi um problema para mim. Uma vez, por exemplo, ao gravar uma aula em vídeo para a TV Educativa, no qual eu aparecia tocando uma música ao piano e em seguida teria que fazer um comentário musical e falar um pouco sobre o Paulinho da Viola, esqueci o texto várias vezes.

OS FESTIVAIS NORDESTINOS DA MÚSICA POPULAR

Pouco antes da final de um dos Festivais Nordestinos da Música Popular que o Big Brasa participou em Recife, defendendo músicas do Ednardo, adquirimos, por intermédio do tio João, em São Paulo, dois “wah-wah” de marca nova. A idéia era usar um para a guitarra-solo e outro para o órgão. A aquisição desses equipamentos foi um verdadeiro show de competência. Tudo muito rápido, o pedido ao tio João, a aquisição, a remessa e enfim a chegada dos pedais em tempo recorde. Fomos receber a encomenda no departamento de bagagens da VARIG, quase às 11 horas da noite. Deu tudo certo, os pedais foram incorporados a nosso instrumental e utilizados de acordo com o planejamento. Sobre esse evento, realizado em dezembro de 1971, trecho de uma nota publicada por um jornal cearense:

- “Está seguindo na próxima sexta-feira para a capital pernambucana a equipe de compositores e intérpretes que apresentarão as composições selecionadas em Fortaleza para concorrer ao II Festival da Música Nordestina. Entre a turma de músicos cearenses destaca-se a participação do Conjunto Big Brasa, que defenderá as músicas Beira-Mar e Rua do Ouro, classificadas em primeiro e quarto lugares respectivamente”.

A respeito desse Festival, que foi televisionado para todo o Norte e Nordeste (na época uma transmissão por demais comentada), lembro de alguns acontecimentos interessantes. Um deles ocorreu durante o ensaio geral, no Ginásio Coberto localizado no bairro Embiribeira (idêntico ao Paulo Sarasate, porém mais bem acabado, com alojamentos e restaurante, e com uma área externa maior). Pois bem, o Big Brasa ao ensaiar com a orquestra de Recife, acompanhando Beira-Mar, do Ednardo, o maestro ficou entusiasmado com a música e o arranjo. Também entre os músicos da orquestra a opinião unânime foi a de que aquela música tiraria o primeiro lugar. Mas, como para ganhar em Recife não tinha jeito mesmo, ficamos apenas com um terceiro lugar e uma menção honrosa. Valeu, entretanto, a reportagem de três páginas na extinta Revista “O Cruzeiro”, sobre o  Festival, transcrevendo com destaque e na íntegra a letra de Beira-Mar e publicando a foto do Ednardo, acompanhado pelo Big Brasa e pela orquestra de Recife.

Um segundo lance desse festival: durante o intervalo da TV, quando nos preparávamos para entrar “no ar” com o Ednardo, o público do Ginásio, que estava completamente lotado, começou a vaiá-lo intensamente. E tome vaia, mesmo porque eles vaiavam tudo que fosse do Ceará. Um cara da platéia tocava uma buzina duas vezes e depois vinha a vaia.  Estávamos todos muito nervosos, evidentemente. Mas por felicidade e presença de espírito, talvez, peguei o tom daquela buzina na guitarra e, com o “wah-wah”, após o cara tocá-la, reproduzi o som no palco com a guitarra a plena altura. O pessoal gostou, o negócio virou brincadeira, alguns aplaudiram até e a vaia cessou de repente. Foi ótimo para todos nós. Por último faço questão de registrar aqui a verdadeira e inadmissível “melada” do maestro da orquestra pernambucana, que na hora de começar a apresentação do Ednardo, veio me perguntar o andamento da música para fazer a introdução. Eu expliquei para ele e cantei as primeiras notas da melodia, no andamento correto. Qual foi nossa surpresa quando esse maestro iniciou Beira-Mar com um andamento completamente acelerado. Nosso baterista estava com a orquestra. Foi uma luta nos segundos iniciais para tentar fazer o andamento retroceder ao original, uma verdadeira briga entre a orquestra e o Conjunto. De propósito ou não isso certamente contribuiu para atrapalhar o Ednardo, que ficou mais branco do que pó de giz durante toda a música. Esse “pequeno deslize” do maestro pernambucano, de propósito ou não, prejudicou de forma significativa nossa “performance” naquela noite.


Nas folgas, depois dos compromissos com ensaios, saíamos em grupo para conhecer os pontos principais de Recife. Quase tudo financiado pela TV Ceará, ou Diários e Emissoras Associados do Ceará, da Rede Tupi. Conhecemos duas adegas muito bonitas e aconchegantes, que apresentavam shows noturnos. A Adega do Bocage e da Mouraria. Estivemos também na praia da Boa Viagem e em algumas boates da cidade.

BIG BRASA – CONJUNTO REVELAÇÃO DE 1971

O Big Brasa foi eleito o “Conjunto Revelação de 1971”. Uma nota sobre o fato, divulgada através da imprensa, na coluna Mudando de Canal, dizia:

“Este é o excelente Conjunto Big Brasa, exclusivo do programa Show do Mercantil, comandado por Augusto Borges. O Big Brasa foi eleito como o conjunto revelação do ano, em recente promoção da TV Rádio e Revista. Constituído por quatro jovens, o conjunto já acompanhou destacados nomes da música brasileira. Fora da televisão o Big Brasa é um dos mais solicitados para animar festas em Fortaleza e no interior do Estado”. 

O BIG BRASA EM EXCELENTE FASE

               Em 1971 o conjunto estava atravessando uma de suas excelentes fases. Através do Lucius conhecemos o Gilberto, um cara que tocava cuíca em uma Escola de Samba, gente boa e fácil de lidar.

Em todos os bailes, depois do intervalo, quando a festa estava no pique mesmo, o conjunto mudava seu esquema. O Adalberto largava o teclado e pegava um surdo; o Sérgio Alves passava de bigu a ritmista, tocando um ganzá enorme, que produzia um som muito legal; o Gilberto pegava a cuíca e tome sambão. Todo mundo cantava e parecia muito com esses pagodes de hoje, bem animados. Fizemos uma seqüência de sambas que podia durar até mais de uma hora, se quiséssemos. Aí a coisa pegava fogo e o ritmo bem marcado daquela seqüência de sambas contagiava todo mundo. Quem não era chegado a música jovem aproveitava para descontar. Nosso visual contribuía para o sucesso, além da parte musical. Usávamos naquela temporada uns “blazers” muito bonitos, tudo combinando e super-elegante mesmo. Minha guitarra nessa época era uma Diamond acústica, muito boa por sinal.

BIG BRASA – O CONJUNTO MAIS POPULAR DE 1972

Em 1972, o Big Brasa recebeu o Diploma da TV Rádio e Revista e Prefeitura Municipal de Fortaleza e o troféu “João Dummar”, frutos do Concurso “Os Melhores do Rádio e da TV”. Efetivamente naquele ano o conjunto manteve um padrão de qualidade musical constante, fruto de bons e freqüentes ensaios, equipamentos e instrumental sempre “em cima”. Portanto, com toda a modéstia, nosso grupo fez por merecer a referida homenagem.

A ENTRADA DOS “METAIS” NO CONJUNTO

Pelo meu gosto pessoal, desejava que  nosso conjunto sempre tivesse instrumentos de sopro, como piston, saxofone e trombone. Mas em Fortaleza era muito difícil conseguir músicos jovens, mais ou menos de nosso nível, para ingressar no Big Brasa. Quando precisávamos dos “metais” para ocasiões específicas, a saída mesmo era contratar o pessoal da “velha guarda”, músicos veteranos, quase sempre das bandas de música da Polícia Militar e da Base Aérea de Fortaleza. Apesar disso tivemos muitos períodos de sonoridade excelente, com a participação de “metais”.

O Big Brasa teve por algumas vezes saxofonistas. O nosso saudoso Barretinho, ex-integrante do grupo “Os Rataplans”, foi o primeiro a participar do Big Brasa. De início, teve que nos ensinar várias músicas nas quais a presença do saxofone era fundamental, de modo a incrementar nosso som. Esteve no conjunto por uma curta temporada, mas nos transmitiu muito de sua experiência e enriqueceu nosso repertório com sua participação. Muito animado, contagiava todo o grupo e fazia coreografias enquanto tocava seu saxofone.

Mais tarde tivemos o Cefas, de Ipaumirim, o Silvino e o Assis, que também trabalhou com o “Brasas Seis”, além do Messias, este contratado para bailes carnavalescos. Todos contribuíram muito para a diversidade de nosso repertório e sua ajuda foi imprescindível, de modo especial nas festas realizadas no interior do Estado, onde sempre tem que sair um forró, um “Saxofone por que choras” ou outras músicas desse gênero.

Entretanto a presença de metais no conjunto foi marcante com a chegada do Airton e posteriormente do Mairton, ambos excelentes pistonistas, que abrilhantaram o Big Brasa e em muito enriqueceram seu repertório. Airton e Mairton tinham tocado juntos e tiveram sua formação musical na Banda de Música do Colégio Pia Marta. Trabalharam também em outros conjuntos antes do Big Brasa. Com sua experiência de arranjos com metais, principalmente no que se refere aos duetos que faziam com os pistons, a sonoridade do conjunto mudou completamente, e seguramente para muito melhor. Fazíamos arranjos modernos, com improvisações e participações em arranjos de rocks, bem como a execução de diversos clássicos para piston do gênero Herbert Albert.

-      Assim falou Zaratustra

Além dos inúmeros clássicos para piston, com o Airton e o Mairton nós escolhemos um prefixo novo. Chamávamos de prefixo a música escolhida para iniciar e encerrar todos os eventos. O tema escolhido foi “Assim falou Zaratustra”, magnífico, o qual, com um arranjo do Big Brasa  ficou especial. Durante o prefixo, para iniciar o baile, fazíamos uma coreografia bem marcada, muito legal, acompanhando o balanço de corpo dado pelos pistonistas. O grupo praticamente só utilizou duas músicas como prefixo, And I Love Her, dos Beatles e Zaratustra. Ambos tiveram suas fases marcantes e são inesquecíveis para mim.

AS NOTAS DE IMPRENSA

Graças à providência de minha mãe, temos recordações dos bons tempos do Big Brasa através de notas publicadas na imprensa. Com muito gosto, ela recortava as notas e as guardava cuidadosamente para montar um álbum. Essas recordações possuem um valor inestimável para todos aqueles que efetivamente participaram dos Anos Dourados e, de modo especial, do Big Brasa.

-      “Big Brasa, excelente conjunto musical dirigido por um Joseense”

Esta foi a manchete de uma nota publicada em um jornal de São José dos Campos, São Paulo, pelo jornalista Vantuílde José Brandão, que visitou Fortaleza em 1969. Esse jornalista fala de sua amizade com meu pai, durante os vinte anos que morou em São Paulo e destaca que dois participantes do Big Brasa são “filhos da terra”, os seja, joseenses.

Depois de algumas considerações sobre a composição do Big Brasa, diz que “Fortaleza é uma capital de um milhão de habitantes e que possui mais de cem conjuntos musicais, que atuam em seus clubes. Pois bem, “Big Brasa” é considerado um dos melhores. O simpático conjunto atua nos principais clubes de Fortaleza e já percorreu as principais cidades do Ceará e de outros Estados. Alcançou pleno sucesso em Teresina, no Piauí e São Luís, no Maranhão”.    

-      “Big Brasa retorna quente de São Luís: Música Jovem”

Diz a publicação: “O conjunto musical Big Brasa, um dos papas do iê-iê-iê, depois de vitoriosa excursão a São Luís do Maranhão, retorna a Fortaleza para animar as festas da gente jovem. Conjunto agressivamente musical e de excelente qualidade musical, o Big Brasa tem uma característica moderna, tocando o ritmo do iê-iê-iê, em suas diversas modalidades, como os sambas modernos ou a bossa-nova, dentro do melhor estilo de Vinícius de Morais, de Tom Jobim e ainda da música de protesto de Edu Lobo ou ainda de Gilberto Gil. Na capital Timbira atuou nos melhores clubes, lavrando magníficos tentos”.

-      Big Brasa em Teresina

Nota de um jornal de Teresina:

- “Registramos a presença em nossa capital do Conjunto Musical Big Brasa, radicado em Fortaleza, onde faz muito sucesso. São seus integrantes Marcos Oriá, João Dummar Filho, João Ribeiro e Carlomagno Lima (guitarristas), Severino Tavares (baterista) e Getúlio Ribeiro (mascote). Esses rapazes são todos pré-universitários e aqui estão hospedados na residência do Professor Raldir Bastos. Boas vindas, rapazes !”

O PESSOAL DO RÁDIO E DA TELEVISÃO

-      Aderson Maia

O Aderson Maia, “Dedeco”, era diretor de imagens (suíte) da TV Ceará, considerado por todos um excelente profissional. Os principais programas da televisão necessariamente tinham que ser realizados por ele, pela qualidade de seu trabalho. Gostava muito do Big Brasa e mostrava sempre as imagens do conjunto, sob os melhores ângulos, quando de nossas apresentações. Destacava o quanto podia os solos de guitarra e quando me encontrava pelos corredores da televisão sorria, dizendo que eu era “uma fera”, gesticulando como se estivesse tocando uma guitarra. Sempre elogiava minha atuação como guitarrista-solo.

-      Antônio Mendes

O Antônio Mendes (Toinho) foi um dos apresentadores do programa diário Estúdio 2, da TV Ceará. Profissional de televisão correto e experiente era muito solicitado para fazer comerciais ao vivo para muitas empresas de Fortaleza e do interior cearense. O Toinho simpatizava bastante com nosso conjunto, visto que sempre dizia uma brincadeira ou fazia alguma menção que valorizasse o grupo antes de qualquer número na TV, ao vivo.

-      Augusto Borges

Apresentador do programa “Show do Mercantil”, levado ao ar pela extinta TV Ceará, Canal 2, da Rede Tupi de Televisão. O Augusto Borges contribuiu de forma significativa para o sucesso do conjunto, notadamente no interior do Estado. Brincava sempre com os integrantes do Big Brasa durante os programas, de modo especial na parte relativa à apresentação dos calouros. Ainda gostava de dizer, quando o conjunto se apresentava com uma indumentária nova, que tinha sido financiada por ele e coisas do gênero. Em razão da grande divulgação através de seu programa, o Big Brasa foi considerado o Conjunto Revelação de 1971 e o melhor conjunto de 1972, tendo recebido os Diplomas da TV Rádio e Revista e Prefeitura Municipal de Fortaleza e o troféu “João Dummar”, frutos do Concurso “Os Melhores do Rádio e da TV”.

-      Aurélio Brasil e o Lúbi-lúbi, na Rádio Assunção

Nossa primeira apresentação no rádio foi em um programa na Rádio Assunção, comandado pelo Aurélio Brasil. Tocamos uma três músicas em um estúdio super-apertado, sem as menores condições técnicas para um conjunto musical. Naquele dia, o Luciano “Lúbi-lúbi”, nosso amigo de Messejana e que também locutor daquela rádio, recebeu algumas ligações de ouvintes dizendo que o conjunto estava muito ruim e pedindo para nos tirar do ar. No entanto ele nos transmitiu os recados sobre as ligações exatamente ao contrário, dizendo que o conjunto estava agradando e que muita gente estava ligando pedindo para que tocássemos mais. Só alguns anos depois, quando o Big Brasa estava com bem  mais experiência, já despontando como um dos melhores conjuntos de Fortaleza,  bem formado e em boa forma técnica e musical, ele nos revelou a verdade.

-      Ayla Maria

A Ayla Maria, uma das melhores e mais afinadas cantoras de Fortaleza, além de ser uma senhora extremamente fina, gentil e educada, por diversas vezes foi acompanhada pelo Big Brasa. Sempre que se apresentava para os ensaios do Show do Mercantil ou de qualquer outra apresentação, estava na companhia de seu esposo Armando Vasconcelos. Eles informavam a música a ser ensaiada e ela cantarolava um pouco da melodia para que eu pudesse pegar o tom na guitarra para acompanhá-la.

Quando começava a ensaiar, interrompia a música logo no início e, invariavelmente, solicitava que o conjunto subisse ou baixasse meio tom, hora que o Armando Vasconcelos afirmava:

- Bem que o finado Moreira sempre dizia, que Ayla “só canta em tons intermediários”, com cara de entendido no assunto. Aí nós subíamos meio tom e ela logo achava ótimo e tudo dava certo.

Acontece que nessa subida de meio tom, muitas vezes a harmonia tinha que ser feita em tons um pouco mais difíceis, particularmente para o tecladista.  Essa situação perdurou somente por algum tempo, até quando eu percebi que em muitas oportunidades o tom inicial estava perfeito e que a solicitação de mudança era apenas para “fazer charme”. Desse dia em diante, quando ela solicitava o primeiro tom eu fornecia um Lá bemol ou qualquer “tom intermediário” como eles chamavam, daqueles mais difíceis para fazer o acompanhamento. E não dava outra: ela parava e pedia para subirmos ou baixarmos “um pouquinho” o tom, fazendo os comentários de costume. Aí era só “correr para o abraço”. Seriamente nós subíamos meio tom, para cair justamente nos tons naturais, fáceis para todo mundo acompanhar, inclusive para os acordes no teclado. Eles nunca perceberam nada, comprovando plenamente minha teoria inicial. Toda a turma do Big Brasa já conhecia esse “macete” e era só esperar para curtir muito depois.

-      Brito - “Britaleza”

 Eletricista da TV Educativa, também radioamador, cuja estação tinha o prefixo PT7-BZL (Brasil Zona Leste), conforme anunciava ao rádio e “PX” (operador da Faixa do Cidadão). De grande estatura e bom porte físico conseguia montar alguns tipos de “plugs”, cortando os fios com as próprias mãos, enquanto nós precisávamos de alicate. Foi meu amigo pessoal durante vários anos. Através de nossa convivência aprendi muitos macetes de eletricidade e de montagens de circuitos eletrônicos que usávamos em nossos equipamentos de radiotransmissão. Em Mondubim, onde morava, juntamente com sua mãe, construía suas próprias antenas para transmissão e outros acessórios, como compressores de áudio, acopladores de antena dentre outros. Por várias vezes me ajudou em reformas na parte elétrica de nossa casa, em Messejana. Para o conjunto Big Brasa, chegou a executar um projeto de uma mesa de luz e de efeitos, de minha autoria. Depois de concluída com pleno sucesso, essa mesa nos acompanhou por muito tempo. 

-      Daniel Menezes

Também radioamador de larga experiência, cuja estação tinha o prefixo PT7-CLN. Trabalhamos juntos na TV Educativa, onde tive o privilégio de aprender com ele muitos ensinamentos sobre televisão. Diretor de imagens experiente, conhecedor de todas as áreas técnicas de uma televisão, conseguia transmitir sua calma para toda a equipe nos momentos de maior agitação. Em nossa convivência diária consolidamos uma firme amizade, baseada no companheirismo e no respeito profissional. 

-      Fátima Lima Verde

Muito amiga do Big Brasa, gente fina e muito simpática. A Fátima foi também integrante do grupo vocal “The Sangue Súgares”, estando presente em muitos eventos dos quais o Big Brasa também participou. Por um bom período teve a gentileza de nos ajudar a responder as inúmeras cartas de fãs, que chegavam diariamente do interior do Estado, organizando a correspondência e enviando fotografias.

-      Francisco Cabral

O Cabral, diretor técnico da TV Ceará, fazia o tipo “durão”, com toda a sua seriedade. Com seus conhecimentos em eletrônica e prática em equipamentos de transmissão, praticamente monopolizava o mercado local de emissoras de televisão. Autorizou uma vez à equipe de técnicos da TV, dentre eles o Bernardo e o “Spici”, a consertar os equipamentos do conjunto em situações de emergência (quase sempre cabos com defeito). Posteriormente trabalhamos juntos também na Televisão Educativa do Ceará.

-      Gustavo Silva – “Gustavinho”.

 Participava do corpo de jurados do Programa Show do Mercantil, sempre com colocações inteligentes, sensatas, precisas e bem-humoradas, demonstrando o seu bom senso e seu conhecimento geral. Entre outras virtudes, além de ser um cara extremamente “boa-praça”, possui habilidades como a de ser um ótimo pianista e ter uma excelente percepção musical. Conhecido por toda a sociedade de Fortaleza  por sua simpatia, o Gustavinho está colocado na relação dos verdadeiros amigos do Big Brasa. Sempre nos demos muito bem. O Gustavo me incentivava muito em todas  as apresentações do Big Brasa e eu sentia realmente que ele ficava em perfeita sintonia com os solos de minha guitarra.

Esteve presente em diversos momentos do período áureo do conjunto. De modo particular, compareceu a meu casamento com a Aliete, juntamente com outros amigos e colegas de televisão. Ainda hoje o Gustavinho marca sua presença na televisão cearense, sempre com sua ótima performance. 

-      Isaíra Silvino

A Isaíra Silvino, musicista, amiga, simpática e muito prestativa, era a líder do grupo vocal “The Sangue Súgares”. Foi também minha “conselheira espiritual” para assuntos de namoros e paqueras. Estivemos juntos em uma temporada carnavalesca em Paracuru, com a nossa turma toda. Nessa ocasião ela me orientou muito, principalmente no dia em que exagerei um pouco na cerveja e, por não ser acostumado a beber, fiquei me sentindo mal. Nesses momentos a Isaíra ficava perto e tinha cuidado de mim como se fosse seu irmão.

-      Ivan Prudêncio

Ivan Prudêncio era o discotecário da Ceará Rádio Clube, ligada à TV Ceará. Chegou a fazer algumas gravações de músicas de sucesso, tiradas da discoteca da Rádio, mas sempre colocando alguma dificuldade. Quando solicitado pelo conjunto para emprestar algum disco de sucesso ou mesmo fazer uma gravação para que aprendêssemos alguma música nova, botava a maior banca. Um bom profissional, mas que superdimensionava sua posição.

-      Ivo Prudêncio

Sonoplasta da TV Educativa, Canal 5. O Ivo também exercia o magistério, como atividade paralela. Irmão do Ivan Prudêncio. Trabalhamos juntos por quatro anos na área de sonorização de programas de televisão. Transmitiu sua experiência técnica como sonoplasta para mim. Com a vivência do conjunto e do meio musical foi relativamente fácil assimilar os conhecimentos e empregá-los ao longo de minha permanência na TVE. O meu serviço na TV era preparar sonoplastia para novelas educativas, aulas integradas e outros programas educativos. Fazia ainda gravações para “BG” (background - fundo musical) que “rodavam” durante os intervalos da emissora.

-      José Roberto Fernandes Távora

Técnico em eletrônica, nos conhecemos na TV Educativa. O “Beto”, como era chamado, integrava a equipe daqueles conhecidos por “pesquisadores” do grupo que trabalhava na “Engenharia” da TV. Muito inteligente e esperto, rapidamente aprendia a consertar equipamentos de todo o tipo na televisão, de modo especial as máquinas de videoteipe. Muito interessado e persistente, de vez em quando nós víamos o José Roberto tentando consertar um equipamento que outros técnicos não se atreveriam. Além da eletrônica nós tínhamos outras afinidades, a exemplo do radioamadorismo e do gosto por equipamentos de som. Hoje em dia o José Roberto especializou-se na área, juntamente com seus irmãos Pulo César e Marcos, sendo hoje um dos responsáveis pela maioria das emissoras de televisão e de rádio de Fortaleza.

-      Júlio Matos

O Júlio Matos, “Julinho” como o chamávamos, foi nosso amigo desde os tempos iniciais do Big Brasa até o período em que trabalhei na TV Educativa, onde nos reencontramos. Gostava de música e freqüentava de vez em quando o “QG” do Big Brasa, interessando-se em conferir os novos equipamentos do conjunto. Muito calmo, também fazia parte do nosso grupo de elite, do tipo “pesquisador” em eletrônica. Gostava de montagens de circuitos diversos e se empolgava com as novidades que iam aparecendo. O Julinho foi o executor técnico responsável pela montagem do primeiro pedal “distorção” no Ceará.

-      Jurandir Mitoso

Apresentador de rádio de grande audiência. Muito animado. Fizemos algumas apresentações em seus programas, ao vivo, na Rádio Dragão do Mar. Ele gostava muito do conjunto e tirava brincadeiras com todos os seus integrantes. Chegou até a inventar, anunciando “no ar” que o Conjunto Big Brasa tinha sido contratado para tocar em Portugal. Brincava sempre comigo, dizendo que eu era parecido com o Wanderley Cardoso. Ainda hoje o Jurandir Mitoso é apresentador de programas de rádio. Pela falta total de censura no país o negócio “avacalhou” totalmente e está como o diabo gosta. Ele, muito divertido, fala o que bem entende em seu horário. Uma de suas características engraçadas são as frases e brincadeiras de duplo sentido que emprega em seus programas.

-      Mauro Coutinho

Gostava de ser chamado de “Engenheiro de Som”. Sonoplasta era pouco para ele, um pouco bitolado e metido a saber e a entender mais que todo mundo. O Mauro trabalhava como operador de som, encarregado de “mixar” o som do programa Show do Mercantil. O pessoal do conjunto às vezes reclamava de que, quando ele estava na mesa de áudio, dificilmente o Big Brasa se apresentava com um som legal. Aliado à grande deficiência dos equipamentos da TV Ceará, de modo especial de microfones (em qualidade e em quantidade), o Mauro Coutinho talvez se baseasse mais no VU-Meter (que é um  medidor da intensidade dos sinais de áudio nas mesas de som) do que no próprio ouvido. O som do contrabaixo dificilmente se ouvia pela televisão. Ele devia ficar apavorado com os sinais que a intensa vibração dos graves do contrabaixo produzia nos VU, ao jogar seus ponteirinhos de marcação lá para cima e então, possivelmente pelo seu despreparo musical, baixava o microfone de captação do contrabaixo, deixando o som do Big Brasa só com os agudos e a bateria. Na Ceará Rádio Clube, onde também trabalhava, convidou-me certa vez para gravar diversos “sinais de tempo” para jogos de futebol comigo, utilizando efeitos sonoros de guitarra. O Mauro Coutinho é um dos profissionais que fez história, em Fortaleza.

-      Neide Maia

A Neide Maia foi uma das fundadoras da TV Ceará. Era gente muito boa e gostava do conjunto, apesar de não ter ligação direta conosco. Em uma véspera de carnaval, quando o conjunto ficou sem receber nenhum tostão da televisão, que não fez o pagamento devido nem nos adiantou nada, deixando o conjunto todo “na pior”. A Neide nos viu sentados na porta da televisão e foi logo dizendo:

- “Já sei, vocês não receberam o pagamento, não foi?

E afirmamos que sim. Ela então disse para nós não nos preocuparmos que ia ver o que poderia ser feito. No dia seguinte, a Neide chegou para nós e disse, demonstrando grande satisfação:

- Consegui entradas grátis para todos os bailes de carnaval do Clube Líbano, para todo o conjunto. Ela, através de seu prestígio junto à presidência do mencionado clube, nos presenteou com todos os ingressos (permanentes) para aquele carnaval e assim prontamente resolveu a nossa situação.

-      Paulo César Fernandes Távora

O Paulo César, o “Paulinho” como também era chamado, também foi um dos nossos amigos da época da TV Educativa. Excelente técnico, educado e amigo de todos, ele também integrava o grupo da “Engenharia”, na televisão. Fazia parte também, assim como o seu irmão José Roberto, o Brito, o Daniel Menezes e eu, da turma aficionada pelo radioamadorismo. Nossos assuntos preferidos eram os transceptores, amplificadores lineares, antenas e acessórios afins. 

-      Rejane Lima Verde

Excelente amiga, bonita e simpática ao extremo. Tive a oportunidade de viajar a seu lado de Fortaleza a Parnaíba, em um ônibus fretado pelo Canal 2, para uma das apresentações do Conjunto, oportunidade em que conversamos bastante e ficamos conhecendo um pouco mais um do outro. Em Paracuru se divertiu muito passeando comigo e toda nossa turma em um jipe 51 verde, sem capota e com o pára-brisa abaixado, tipo “ratos do deserto”.

-      Sebastião Belmino

O Belmino era um dos diretores de imagens da TV Educativa, Canal 5. Excelente profissional, muito criativo, brincalhão e ágil para todas as situações onde a improvisação se fizesse necessária durante os programas que “cortava”. Conseguia fazer aberturas muito boas para as aulas integradas que chegamos a gravar para a TVE, principalmente se considerarmos os recursos técnicos que possuíamos. Exigia muito de todos de sua equipe. Reclamava bastante, mas também sabia elogiar quando o serviço estava sendo bem feito. Trabalhamos juntos por um bom tempo, ele como suíte e eu como operador de áudio. Às vezes discutíamos muito, em razão de uma ou outra falha. Lembro do dia em que “tirei” a palavra do governador Virgílio Távora do ar por alguns segundos, em uma entrevista pela TVE, após ter desligado um “link” a qual estava ligado o áudio do microfone, por falha técnica de outro operador. Confusão geral em todo o estúdio e na “engenharia”, quase a gente se desentende. Mas tudo era movido a plena emoção e “adrenalina pura” em nosso trabalho. Ao final das gravações ou mesmo de programas ao vivo ele sorria e tudo sempre acabava em “pizza”. Depois de ter executado praticamente todas as funções técnicas em um televisão, “por trás das câmeras”, como se diz, ele resolveu ser apresentador de programas de televisão e de rádio, onde tem papel de destaque em Fortaleza.

-      Tertuliano Siqueira

Produtor do Show do Mercantil por um bom período, nós estávamos sempre em contato, particularmente durante o período em eu era responsável pela produção musical do programa. O “Terto”, como nós o chamávamos, trabalhava também na época para a Borges Publicidade, empresa do Augusto Borges. Fizemos algumas viagens juntos, com a equipe de artistas da televisão, dentre elas a de Mossoró, no Rio Grande do Norte e a de Parnaíba, no Piauí.

EPISÓDIOS DIVERSOS

Seguem-se algumas histórias e fatos pitorescos que aconteceram durante o Big Brasa em diversas localidades e outras, de nossas experiências musicais com o Big Brasa. Com toda certeza muitos desses casos até hoje são lembrados com saudade por quem os vivenciou.

COMO QUEM NÃO QUER, QUERENDO...

No final do primeiro ano do Big Brasa, aconteceu um fato que para nós foi muito significativo. Estávamos ainda lutando muito para divulgar o conjunto e ganhar mais espaço no meio musical de Fortaleza.

Fomos convidados para participar de uma festa no Clube dos oficiais da Aeronáutica, chamado de “F-80”, nome de um avião caça, a jato, antigamente utilizado pela Força Aérea Brasileira. Nossa contribuição seria apenas a de um pequeno show durante o intervalo, visto que para o baile, o clube tinha contratado o conjunto “Alberto Mota”, um grupo musical excelente, composto de profissionais tarimbados e, portanto, “macacos velhos”. Daríamos uma “canja”, termo utilizado no jargão musical para essas situações.

Chegamos no início do baile e ficamos observando o Alberto Mota tocar, para aprender mais e pegar todos os macetes possíveis, como sempre fazíamos em outras ocasiões. O próprio Alberto Mota, que dava nome ao conjunto, músico veterano, naquela noite tocava piano. Posteriormente passou a utilizar também uma “pianola”, que era nada mais, nada menos, do que um pequeno órgão eletrônico, muito simples e de parcos recursos, acoplado ao piano. Alguns anos mais tarde, o piano foi abolido daquele grupo musical, cedendo lugar aos órgãos eletrônicos mais modernos.

E a festa seguiu, até o intervalo, dentro de um clima meio desanimado, tanto pelos participantes, que não ocupavam muito a pista de dança, quanto pelo “Alberto Mota”, que tocava o baile rotineiramente, sem muito esforço para animá-lo. Acomodação que muito nos favoreceu.

Chegando a hora de nossa apresentação, reorganizamos o posicionamento dos microfones no palco, a posição da bateria, de modo que ficasse mais visível, pegamos nossas guitarras e as ligamos nos amplificadores do Alberto Mota, que nos cedeu gentilmente seu equipamento.

Iniciamos com nosso prefixo, “And I Love Her”, de mansinho, e depois “atacamos” com nossas músicas mais animadas, ou seja, com aquele repertório que estava na “crista da onda”, da Jovem Guarda, em especial  iê-iê-iê. Os oficiais presentes e demais convidados, tiveram um verdadeiro impacto pela mudança radical do tipo de som entre os dois conjuntos. O Alberto Mota, conjunto tradicional, com sambinhas, muita bossa nova, e o Big Brasa, com o som vibrante das guitarras e o tipo de repertório moderno, que sem dúvida era bem mais animado. O resto ficou por conta dos uísques que o pessoal já deveria ter tomado àquela altura da festa.

Notou-se uma mudança repentina no salão. Muitas pessoas dançando animadamente e o Big Brasa com força total, empolgação de sobra. Devemos ter tocado uma meia hora, quando paramos para que o Alberto Mota desse prosseguimento normal ao baile. Aí a coisa pegou, porque o pessoal não queria mais o Alberto Mota, preferindo que a festa continuasse com o Big Brasa. E agora? A situação, para nós foi constrangedora. Não pudemos fazer nada, a não ser ouvir e acatar a difícil solução tomada pelos diretores do clube, os quais resolveram, acertadamente, no meu entender, deixar o Alberto Mota continuar a festa.

Mais uma vez, foi confirmada aquela história, muito conhecida pelos músicos, de que deixar outro conjunto “tocar um pouquinho”, durante uma festa, pode ser fatal. Pois se o aquele grupo que entra apenas para um show se apresenta mal, há quem reclame, perguntando: por que deixaram esse grupo tocar?  E, por outro lado, se o conjunto que entra para dar uma canja apresenta-se bem, o prejudicado é o primeiro. Nessa noite, nós aprendemos mais um pouco as manhas da profissão...

MÚSICO PRINCIPANTE EM CARNAVAL -  TUDO NOVIDADE !

Em 1969, o Balneário Clube de Messejana nos contratou para o Carnaval. A alegria foi grande, de nossa parte, pois o clube tinha demonstrado confiança no Big Brasa. Seria a primeira experiência com bailes carnavalescos. Eu tinha completado meus 17 anos de idade, portanto ainda muito novo e sem prática nenhuma de bailes carnavalescos. O entusiasmo de todos era muito grande e a responsabilidade pelo contrato também.

Contratamos imediatamente dois instrumentistas de sopro, saxofone e piston, da banda de música da Base Aérea, para assegurar o sucesso musical daquele contrato. Fizemos alguns ensaios, na realidade para aprender mesmo como seriam as coisas, definir mais ou menos o roteiro, as marchas, os frevos. Aprendi logo uma porção de novidades, por exemplo, não sabia nem o que era fanfarra - que é um pequeno trecho de música, executado na tonalidade da música seguinte (ou não), para que o cantor se situe no novo tom. Há uma fanfarra diferente para mudança de ritmo, de marcha para samba e vice-versa.

O cantor, também contratado pelo conjunto especialmente para aquela oportunidade, foi o Nozinho Silva, muito conhecido em Fortaleza. Bastante animado ele garantiria a parte vocal. Por último, como nós estávamos temerosos de não “agüentar o tranco”, contratamos também um percussionista para tocar tarol, peça importantíssima na sustentação dos ritmos de carnaval.

Desse modo, o que sobrava para nós, diante dos profissionais contratados e com muito mais experiência no ramo? Alguns instrumentos de percussão, as guitarras, o contrabaixo e alguma ajuda na parte vocal.  Eu tratei logo de “garantir minha vaga”, pois queria ser útil ao grupo e participar de forma plena daquele carnaval. Além de tocar guitarra, por iniciativa própria, decidi também complementar a percussão utilizando o “ximbau” da bateria para fazer uma batida semelhante à do tarol. A combinação ficava excelente. Usava um prato de bateria à frente, para que também pudesse fazer alguns “breques” e marcações nos momentos apropriados.

Chegando o grande dia, instalamos todo o nosso material no palco do Balneário, que tinha sido recém-pintado, estava com uma decoração muito bonita, salão encerado, mesas bem dispostas por toda a área livre, tudo bem caprichado. Aliás, o Balneário teve nessa época sua fase áurea de organização.  

Antes de iniciarmos o primeiro baile o Big Brasa foi saudado pela diretoria do clube e todos os músicos foram apresentados aos presentes.

E começou a festa. Fanfarra no ar e animação geral com a primeira música, o tradicional frevo “Vassourinha”. Todo o grupo com muita disposição, tocamos uma seqüências de músicas conhecidas, para que os presentes entrassem no embalo mais rapidamente. Após os primeiros instantes, minha preocupação, natural de um principiante em uma estréia carnavalesca, desapareceu totalmente e entrei de corpo e de espírito naquele clima de folia momina.

A festa foi transcorrendo e eu observando todo o grupo, gostando demais dos instrumentistas de sopro, das músicas, vendo todo mundo pulando animadamente no salão, e fazendo meu ritmo com muita empolgação. Tanta euforia que no primeiro intervalo já estava com as mãos e braços muito cansados pela movimentação do “ximbau”. Até me atrevi a tocar um pouco de tarol, revezando com o percussionista contratado. O cara me deu uns “macetes” e ficava ao meu lado, para no caso de falha de minha parte ele poder assumir de novo, de imediato. O tarol, para que você tenha uma idéia, é peça fundamental para uma percussão de carnaval. Se ele parar o conjunto “morre”, enfraquece.

Chegamos ao final daquele nosso primeiro baile exaustos. Mas satisfeitos pela missão cumprida. A diretoria do clube gostou muito de nosso desempenho. No outro dia, dormi e descansei bastante para recuperar as energias. Notei que meus braços estavam normais, sem nenhuma dor muscular, como aquelas que tinha sentido na véspera, em razão de minha falta de prática em percussão.

Para o segundo baile, já estávamos com o moral alto, mais tranqüilos tudo seria mais fácil. E foi mesmo, com exceção pelas dores que comecei a sentir nos punhos e pulsos. Para resumir, voltou o cansaço da noite anterior em 15 minutos. Entrei em um verdadeiro desespero e fiquei assustado. Com toda a certeza não agüentaria até o final, se mantivesse o mesmo ritmo. Por sorte, no decorrer dessa festa, um rapaz que estava olhando o Big Brasa tocar, subiu no palco e pediu para dar uma “canja”, que no jargão musical significa uma ajudazinha, tocando um pouco. Era o Pedro Ricardo, que também muito disposto e animado, nos ajudou bastante naquela noite, vindo mais tarde se tornar meu amigo. Em uma dessas coincidências, viemos a descobrir que o Ricardo e eu nascemos no mesmo dia, mês e ano. No terceiro e quarto dias, como já estávamos “tarimbados”, tudo correu dentro do esperado, na mais perfeita normalidade. Com exceção de nosso pagamento, que a diretoria do Balneário, na última noite de festa, alegando prejuízo, nos pagou apenas a metade do contrato. Mas meu pai fez questão de efetuar o pagamento integral a todos os músicos. E nós, de casa, ficamos o resto do ano inteiro para receber a quantia restante em módicas prestações, como em um crediário...

Mas até isso valeu com experiência. Nos carnavais que tocamos, alguns anos depois, no contrato havia uma cláusula que os pagamentos deveriam ser efetuados de forma integral, após cada função.

“PEGAR O SOL COM A MÃO” EM UMIRIM

Numa das festas tocadas em Umirim, o Big Brasa estava realmente muito bom, com repertório variado e músicas de sucesso. Contrato de cinco horas, com início às 22:00 e término previsto para às 03:00 da manhã. Tudo correu muito bem, salão sempre animado e muita gente no clube.

Ao final da festa, depois de o conjunto ter executado uma seqüência de músicas super animadas, encerramos o baile. O pessoal que estava no salão mais parecia um enxame de abelhas correndo para a frente do palco num tumulto enorme. Muita gente pedia prorrogação e, após rápido acerto com a diretoria do clube, tendo em vista que o contrato previa prorrogação (com o preço da hora duplicado) a festa prosseguiu por mais uma hora. Até ali tudo bem, pois uma granazinha extra estava garantida e não fazia mal a ninguém.  Perto do segundo final, entretanto, tocamos o que seria a música de encerramento e paramos de novo. A cena mais uma vez se repetiu e o Big Brasa teve que enfrentar mais uma hora. Até às 05:00h da manhã dessa vez. Estávamos muito cansados. Imaginem só, depois de uma viagem, instalação de equipamentos, banho e jantar às pressas e uma tocata de 07 horas não era moleza.

Aí é que o bicho pegou: o público não saía do clube e a diretoria foi nos consultar sobre uma outra hora de prorrogação. Mesmo estando exausto perguntei se os colegas topavam a parada e decidimos concordar com apenas meia hora de festa, depois de novo intervalo de uns quinze minutos. E foi assim, o dia quase amanhecendo quando paramos pela última vez. Ainda apareceu um gaiato querendo mais festa que disse:

- Aqui nós costumamos pegar o sol com a mão!

Naquela hora eu virei para trás, no palco, puxei o cabo da guitarra do amplificador com força. de modo que ele quebrasse mesmo, e disse para minha guitarra ao guardá-la no estojo:

- Você não vai tocar mais nada hoje, vai dormir e pronto.

E guardei-a. Para o engraçadinho que queria nova prorrogação respondi, de imediato:

- Aqui vocês podem pegar o sol com a mão, mas lá em Fortaleza a gente não faz isso não! E encerramos definitivamente aquela “pequenina” festa ...

Após tomarmos um café da manhã reforçado, em uma residência de um dos diretores do clube, para depois iniciarmos a desmontagem do equipamento, uma surpresa: por incrível que pareça, encontramos ainda o Cefas, saxofonista, tocando em uma mesa para uma turma. Tinha aceitado mais prorrogação por sua conta própria, na raça.   

Após este momento nós refletimos bem e em grupo decidimos marcar um limite para as prorrogações, o que foi feito e cumprido em diante.

O BAILE DE TÉRMINO DE CURSO QUE “NÃO TERMINOU”

Fim de ano, mês de dezembro, e o Big Brasa tinha sido contratado para animar mais um baile de formatura no Clube de Regatas Barra do Ceará, não lembro mais de que colégio. O patrono dessa turma foi o então Major Cisneiros, comandante do Departamento de Trânsito do Ceará. Na noite anterior havíamos tocado no mesmo clube e a festa foi excelente. O conjunto estava atravessando uma fase ótima, repertório bom e variado, instrumental legal e “embalado”.

Iniciamos o baile com o Clube praticamente lotado. Os concludentes desfilavam com seus pares, preparados que estavam para dançar a valsa, que seria tocada à meia-noite.

Fizemos intervalo, após uma primeira parte de salão cheio e muita animação. Tudo prometia ser tranqüilo. Após dez minutos de intervalo (que seria de trinta minutos) resolvi alertar o diretor do colégio para que providenciasse o lanche para o conjunto junto ao bar do clube a fim de que o intervalo não se prolongasse. Ao fazer o contato com ele notei que estava um pouco “chumbado”. Aí então ele disse que não sabia de nada a respeito e que não iria providenciar lanche nenhum porque o conjunto “não tocava nada que prestasse”. Ao que eu lhe respondi, dizendo que se ele gostava de forró, realmente não estava bom pois a festa estava para música jovem. Aquele senhor ficou muito invocado e disse que de maneira nenhuma pediria o lanche para nós. Para desmascará-lo, disse para ele que iria perguntar a três pessoas que por ali passassem se estavam gostando do conjunto, da festa enfim. E foi assim: perguntei a quatro meninas que passavam por perto der nós e todas elas afirmaram, na frente do diretor, que a festa estava ótima e o conjunto tocava muito bem. Piorou a situação porque ele ficou ainda com mais raiva e irritadíssimo, visto que tinha “quebrado a cara”. Desesperado, perdeu o controle e gritou:

- Não vai ter nada de lanche não, e está acabado!

Em cima da hora, eu retruquei:

- Não há problema. Não tem lanche para o conjunto e não vai ter mais baile para vocês. E sinalizei para que o Sérgio Alves imediatamente começasse a desligar o equipamento, o que por ele foi feito sem pestanejar.

Já de volta ao palco, depois daquele “sururu”, apareceu-me uma mocinha que na maior cara de pau perguntou:

- Que papel é esse que diz que o colégio tem que pagar o lanche para o conjunto?

Ora, mais uma vez não perdi tempo. Peguei uma das vias do contrato que estava atrás do amplificador da guitarra e mostrando-o para ela, falei bem alto:

- Minha filha, desconfio muito que você saiba ler, mas o nome desse papel é contrato e nele contém, uma cláusula na qual o contratante se obriga a fornecer o lanche para o conjunto...”

Com essa resposta a menina saiu completamente descontrolada, nada respondendo, e sumiu no meio da multidão.

Após esse fato, como responsável pelo conjunto, fui chamado pela diretoria do Regatas para esclarecer o que estava ocorrendo, visto que o clube permanecia lotado, o baile interrompido há quase uma hora e nada. Fiquei um pouco assustado mas fui lá e falei para eles a história toda. Tal foi minha admiração quando um deles, após ouvir tudo, disse para mim:

- Fez muito bem, meu jovem. Vocês agora vão receber um lanche completo, por conta do Regatas.

E pediu apenas que o conjunto ligasse novamente o serviço de som, para anunciar o motivo da paralisação da festa. E assim o fiz. Pedi para ligar o equipamento de som e o Luiz Antônio avisou que o Big Brasa iria interromper o baile em virtude de não cumprimento do contrato por parte da diretoria do colégio. Com esta jogamos o abacaxi todo para cima do diretor bêbado e chato, que conseguiu prejudicar todo um grupo de concludentes e acabou com a festa. Fim da história: na semana seguinte recebemos o pagamento integral da função.

Gostaria de mencionar que esse episódio foi muito discutido na época, com meu pai, e que até hoje “há controvérsias” sobre minha decisão. Eu poderia simplesmente ter pago o lanche e continuado o baile, desprezando assim aquele diretorzinho babaca. Mas na hora preferi não deixar que alguém faltasse com o respeito ou maltratasse o músico. Sempre agia dessa maneira, seguindo meu temperamento de não levar desaforo para casa. Além disso - o que é mais importante - fazendo valer minha condição de músico profissional, merecedor de respeito como os demais profissionais. Com o passar do tempo fomos nos acostumando a lidar com essas situações com um pouco mais de calma, de equilíbrio e de tolerância.

Para quem não sabe, o problema é que a profissão de músico, de modo especial na condição de músico de baile, é por vezes muito difícil. Em qualquer negócio “normal” as pessoas estão sóbrias e pode-se conversar ou mesmo discutir sobre alguma coisa e chegar a um resultado sem problemas. Agora com o músico é diferente. Estamos em um baile, trabalhando normalmente, sem beber nada, como era o meu caso, quando chega qualquer um participante (na maioria das vezes com a cara cheia) e quer mandar, fazer e desfazer. Aí não pode...

MOMBAÇA – OS TRÊS BURACOS DE BALA NO PALCO

Na chegada do Big Brasa vimos faixas e cartazes de nosso fã-clube local, alusivos à nossa presença em Mombaça. Uma recepção e tanto, demonstrando que a força publicitária da televisão era muito importante.

Após as medidas rotineiras de instalação de equipamentos e acomodação do pessoal retornamos ao clube e iniciamos a festa normalmente. O público naquela noite era predominantemente composto de jovens, e o repertório do conjunto estava direcionado para esse pessoal.

Entretanto, com uns quarenta minutos de baile, um senhor subiu ao palco e de uma forma pouco educada pediu-me para tocar um xote. Lógico que não foi atendido. Em primeiro lugar pela sua maneira de solicitar sua preferência musical e em segundo porque o ambiente não estava para esse tipo de música. Pediu mais outras tantas vezes e de novo não foi atendido, até que o conjunto, na hora prevista, fez seu intervalo.

Nesse momento eu conversava com um grupo de moças e, por sorte nossa, uma delas chegou-se a mim e perguntou o que aquele “velhote” estava me falando, ao que eu lhe respondi:

- Ah, ele está pedindo xote o tempo todo... E ao invés de “xote”, ele está é levando “choque” de minha guitarra, e eu também.

Então aquela jovem me disse que ele era um candidato local a vereador e que tinha dado três tiros no palco, em direção ao último conjunto musical que tinha tocado na cidade, por causa de um pequeno desentendimento. Em seguida apontou os buracos de bala atrás do palco. Avaliei calmamente a situação e pensando bem - aí está um dos segredos do negócio - pedi para o Luiz Antonio (Peninha) anunciar uma seqüência de xotes para aquele senhor, logo que o Big Brasa retornasse do intervalo. Depois do “oferecimento” de uma seqüência de xotes especialmente para o senhor “fulano de tal”, o dito cujo, alegre e satisfeito foi o primeiro a entrar no salão para dançar. Escapamos dessa por um triz...

OS SHOWS DO BIG BRASA NA ESCOLA NORMAL

O Big Brasa em muitas oportunidades foi convidado para fazer shows em colégios. Nosso maior interesse era divulgar o conjunto o máximo possível, visto que nessas ocasiões poderíamos conseguir um contrato para festa de formatura, tertúlia de férias, aniversário de 15 anos ou outros eventos. Sempre fomos muito bem recebidos. Durante os shows o conjunto era muito aplaudido, excitação e gritaria geral, por conta das músicas e também por nossa causa. No final elas vinham conversar conosco e pediam muitos autógrafos.

Lembro muito bem das oportunidades em que nos apresentamos na Escola Normal Justiniano de Serpa. As meninas ficavam alucinadas, em primeiro lugar pela animação natural típica de um estudante, com shows daquela natureza. Em segundo pelo tipo de música e de conjunto, uma super novidade naquela época.

No último deles, do qual jamais esquecerei, as meninas do grêmio estavam vendendo ingressos, na própria escola, para angariar recursos para um passeio de férias e o show seria realizado no auditório. Chegamos com bastante antecedência e instalamos nosso equipamento no palco em horário de aula, para que não houvesse tumulto. Nos avisaram para iniciar o show na hora do intervalo. Começamos a testar o equipamento e afinar as guitarras. Muitas daquelas alunas que tinham comprado ingresso já tinham entrado e, conversando animadamente nas poltronas, esperavam o começo do show na maior alegria. Uma comissão de meninas ficava na porta do auditório para controlar a entrada.

Quando o Big Brasa realmente iniciou a apresentação, com a música Hello Good Bye, houve uma invasão por parte das meninas através das janelas laterais do auditório. Forçaram e conseguiram quebrar uma das janelas e naquele momento só se via era menina voando por tudo que era lado para entrar de graça, na maior algazarra. Não houve jeito, todo mundo entrou mesmo e o auditório ficou superlotado. Ao final desse show a diretora da Escola, Adísia Sá, agradeceu gentilmente a participação do conjunto, mas disse que infelizmente nós nunca mais poderíamos “pisar lá”, pelo tumulto causado...

A FESTA DE SÃO BENEDITO – LIGADO DIRETO !

Lembro-me de um contrato do Big Brasa para a cidade de São Benedito, na Serra de Ibiapaba, como um dos mais “puxados”, isto é, uma das mais cansativas funções que enfrentamos, exigindo de todos muito preparo físico, psicológico e mental e correndo também alguns riscos.

O conjunto tinha tocado na noite anterior em Fortaleza. Nosso equipamento, após de desmontado, “dormiu” na Kombi, preparado para a viagem e a nova batalha. Acordamos no dia seguinte e após termos almoçado cedo, por volta das onze horas da manhã, seguimos viagem. Eu dirigia a Kombi, naquele dia. Depois de mais ou menos umas sete horas de viagem, sem nenhum problema, conseguimos chegar à São Benedito. Montamos imediatamente o instrumental no clube. Nessas ocasiões todo mundo tinha que virar bigu, pois este sozinho não dava conta do recado a tempo. Muitos equipamentos para desmontar, instalar, fios e cabos para ligar, testar o som dos amplificadores, afinar guitarras etc. Quando tudo estava pronto saímos para tomar um banho e jantar, também de forma rápida, para iniciarmos o baile no horário previsto.

Ao retornar para o clube, tudo estava certinho com os instrumentos e a festa inteira transcorreu sem anormalidades. Ao final, a desmontagem de tudo e a viagem de volta. Todo mundo cansado, dormindo, e eu com atenção redobrada, ao volante. Daquela vez passei mais de trinta horas “ligado direto”, sem dormir.

Hoje reconheço que todos nós passamos por um verdadeiro perigo, pelo fato de voltar dirigindo depois de uma noite toda acordado. Meu anjo da guarda estava ao meu lado, mais uma vez ...

BRIGAS E AGITAÇÃO POR PERTO

Alguns clubes de Fortaleza nos anos 60/70 sofreram muito pelas ações ocasionadas por causa de turmas de bairros e suas famosas brigas. Era o que  se chamava de juventude transviada ou as “gangs” da época. Ainda bem que foram mínimas as ocorrências referentes a conflitos, de qualquer natureza, seguramente uma minoria insignificante se comparadas ao grande número de funções musicais realizadas pelo conjunto Big Brasa.

Todos os conjuntos tinham que conviver com esse risco e saber como se comportar adequadamente nas situações de conflito que poderiam ocorrer nos clubes ou fora deles. O Big Brasa sempre se saiu bem em todas as ocasiões de perigo, graças a Deus. Uma das regras fundamentais para um grupo musical era a de não interromper a festa quando uma confusão tivesse início ou uma briga estivesse ocorrendo. Aprendemos isso através da experiência a nós transmitida por colegas de profissão veteranos, acostumados com o que poderia acontecer durante uma função musical, quase sempre brigas por excesso de bebida.

Por que esse procedimento de não parar com a música? Pelo simples fato de que uma parada da música poderia despertar a atenção de quem possivelmente não estivesse nem vendo aquela  confusão, agravando o conflito. E com a música em andamento os seguranças ou a turma do “deixa disso” poderiam acalmar a situação com mais rapidez. 

Por que parou, parou por que? Não é assim que diz aquela música?

-      As brigas de turmas no Maguari

Havia por exemplo as “famosas” turmas da Aldeota e da Treze de Maio, cujos confrontos, via-de-regra, ocorriam no Maguari, clube localizado na Treze de Maio. Presenciamos uma dessas confusões, quando tocávamos uma tertúlia de férias em julho de 1969. O Big Brasa tinha iniciado a festinha e tudo ia indo muito bem, a rapaziada se divertindo normalmente até que começou a chegar a turma da Aldeota. De cima do palco a visão sempre foi privilegiada, se bem que, por outro lado, poderíamos ser facilmente alvos potenciais de tudo e de todos, quando se tratava de brigas. De repente, quando um dos rapazes da turma da Aldeota atravessava o salão - muito bem encerado - com toda a pose, escorregou e levou uma tremenda queda. O que seria um fato normal transformou-se por conta de uma vaia que ele levou da turma da Treze de Maio. Daí para o começo da briga foi rápido. Quando menos espero vejo um dos caras levantar uma cadeira (quem conheceu o Maguari sabe o tipo de suas cadeiras, de madeira e bem pesadas) e atingir seu adversário bem na testa. Foi uma só “cacetada” e o cara ficou estatelado no chão. O que se viu depois foram cenas de vandalismo e de destruição. Mesas, cadeiras, garrafas e copos voando de lado a lado, no confronto entre as turmas. Por alguns instantes continuamos a tocar, mas depois, com o aumento do tumulto instintivamente alguém do conjunto sinalizou para que todos se protegessem de eventuais “copos perdidos”. Fiquei observando aquilo tudo de um canto do palco, por trás de uma das caixas de som. Logo em seguida o Edson Girão achou por bem anunciar ao microfone, com voz de locutor de transmissões de lutas de boxe, para fazer graça:

- Primeiro assalto! Como se fosse uma luta real.

Para que ele disse isso. Logo um dos brigões jogou um copo em nossa direção. Por sorte ele bateu no prato da bateria, quebrando-se e espalhando cacos de vidro por todos os lados. Imediatamente desligamos o sistema de som e o Edson deve ter reconhecido sua tremenda mancada e o perigo de sua brincadeira. Essa tertúlia não teve prosseguimento, pela anarquia ocasionada pela briga.

Ao final, quando estávamos saindo do clube, vi um dos envolvidos na briga sendo carregado, na calçada, com o rosto  todo cortado por uma garrafada.

-      Tiros no “CRA”

Em outra ocasião, no Clube Recreativo da Aerolândia, o “CRA”, no momento em que o Big Brasa estava chegando para dar continuidade a um dos festivais de três conjuntos, houve uma briga muito grande. Os intervalos longos, para troca de conjuntos, muitas vezes concorriam para que essas confusões acontecessem. Estávamos ainda fora do clube quando ouvimos nitidamente um primeiro estampido, seguido de mais uns dois ou três tiros. Soubemos que um dos presentes, bêbado, por um motivo fútil, sacou de sua arma e efetuou vários disparos no meio do salão, atingindo na perna um rapaz que não tinha nada a ver com a história.   

-      Susto em Guaiúba - um “38” ao lado...

Fomos algumas vezes convidados a tocar em Guaiúba. Todas as funções sempre animadas e sem ocorrências anormais. Em uma dessas vezes, porém, houve uma confusão perto do local em que o conjunto se apresentava. Não tinha palco e ficávamos perto dos dançantes, no mesmo nível. Em determinado momento eu olhei a confusão e vi um cara com um revólver enorme na mão, segurado por outro sujeito, que o impedia de atirar.

Fiquei olhando aquela arma apontada para cima, acho que por alguns segundos, até corrermos todos para nos abrigar mais para trás. Não houve o disparo e tudo acabou bem. 

UMA RECOMPENSA MERECIDA

Em 1972 enfrentamos a maior jornada de trabalho no final do ano. Para dar uma idéia da procura pelo conjunto, no mês de outubro o Big Brasa já tinha contratos assinados para quase todo o mês de dezembro. Quase chegamos a preencher totalmente nossa agenda. Isso pelo fato do grupo estar atravessando uma excelente fase e muito bem divulgado, tanto em Fortaleza quanto no interior cearense.

Foram ao todo 28 bailes, uma grande maratona de festas. Nesse mês de dezembro nós tocamos ininterruptamente quase o mês inteiro, “que nem cantiga de grilo”, como diz o matuto. Um trabalho árduo e cansativo, mas que todos desempenhavam com facilidade, em razão principalmente do gosto pela música. O dinheiro que ganhávamos era considerado por todos nós apenas como uma conseqüência daquele trabalho. Em todos esses bailes, sem exceção, posso afirmar que o Big Brasa apresentou-se muito bem. O repertório, o nível técnico-profissional dos participantes e o alto astral do grupo foram fatores determinantes do sucesso obtido. 

Nesse período tivemos até que contratar mais bigus e um motorista para nos ajudar, de forma que eu pudesse estar completamente livre para retornar para casa tão logo as festas acabassem, sem o trabalho de dirigir transportando equipamentos. Uma das preocupações de meus pais era com minha saúde, pelo desgaste sofrido com as noites seguidas de sono perdido, sem a necessária reposição no dia seguinte. Após cada baile, quando chegava em casa eu dormia até a tarde do dia seguinte, sendo acordado algumas vezes para me alimentar. 

Quando acordava, começava imediatamente a trabalhar para a próximo baile, revisando todos os cabos, plugs e demais acessórios que pudessem ter sido danificados. Volta e meia eu tinha que fazer algum conserto, para deixar novamente tudo em ordem . O Sérgio quase sempre me ajudava nessa tarefa.

Ao final dessa temporada toda a equipe do Big Brasa, inclusive bigus e motoristas, chegou a faturar uma quantia significativa para nossos padrões, bem acima da média, valendo a pena o esforço. Tivemos um fim de ano extremamente movimentado, onde todo mundo participou de forma plena, de modo a poder cumprir todos os nossos compromissos e receber uma recompensa merecida!   

OS SHOWS COM O EDNARDO

Em diversas oportunidades acompanhamos o Ednardo, compositor de inúmeras músicas belíssimas, dentre elas Beira-Mar e Pavão Misterioso, esta última tema de novela exibida pela Rede Globo. Ednardo é um dos componentes do chamado “Pessoal do Ceará”, composto também pelo Belchior, Rodger, Tetty e Jorge Mello. O Big Brasa teve a oportunidade de acompanhar esse pessoal todo, quer na televisão ou em apresentações em clubes ou boates de Fortaleza. Com o Ednardo estivemos em dois Festivais Nordestinos de Música Popular, realizados em Recife, Pernambuco, dos quais falaremos mais tarde.

Depois que o Ednardo seguiu para uma temporada em São Paulo e conseguiu gravar, retornou para Fortaleza para fazer o lançamento de seu primeiro disco e para realizar alguns shows. Fez contato conosco no sentido de acompanhá-lo e mais uma vez o Big Brasa topou a parada, que seria o ensaio para a realização de sete apresentações. Três delas em Fortaleza, no Teatro José de Alencar e Ginásio Paulo Sarasate, duas em São Luís do Maranhão e duas em Teresina, essas últimas nos teatros locais.

Começamos os ensaios em nosso “QG”. Muito trabalho, porque tínhamos que deixar vinte e cinco músicas preparadas para as exibições. E os arranjos foram muito caprichados. O Ednardo sempre foi bem detalhista em seu trabalho e eu gostava de produzir as introduções das músicas, arranjos e encadeamentos harmônicos para que pudesse improvisar e usar todos os recursos de efeitos de que dispunha. Passamos mais ou menos uma semana ensaiando o dia inteiro, serviço cansativo e por demais desgastante. O importante é que tudo ficou bem arranjado. Copiei em pauta musical todas as introduções e outras passagens para que não houvesse o perigo do esquecimento. O Adalberto tocava bateria e às vezes órgão. O Cláudio Pereira contrabaixo e eu guitarra, viola e flauta doce. O Ednardo, além de cantar suas músicas, usava em algumas delas umas percussões para produzir maior efeito nos arranjos e tocava viola ou violão. Toda a produção do show, ao final, ficou excelente.

Preparamos cerca de 30 músicas para as apresentações. Os músicos eram o Cláudio (contrabaixo), Edi (bateria), Adalberto (órgão) e eu, que tocava guitarra, viola e flauta doce. O repertório era todo anotado, as introduções e arranjos em partituras para que não houvesse esquecimento.

Em todas as ocasiões, nas casas de espetáculo ou teatros, nós tínhamos que instalar todo o instrumental com bastante antecedência, passar algumas músicas ou introduções, esperar que as equipes técnicas fizessem a marcação de luzes, posições, microfones e outros detalhes.

Lembro que em um show realizado em São Luís, logo depois da primeira música minha estante caiu do palco e voou a papelada toda, caindo bem na frente da primeira fila da platéia. Por sorte um dos espectadores apanhou a estante e me entregou rapidamente, de modo que deu tempo para eu organizar as partituras na seqüência para a próxima música. Fiquei apreensivo naqueles instantes, porque dependia muito das partituras para que todos os detalhes dos arranjos pudessem ser executados. Ainda bem que a luz não estava em mim e pouca gente deve ter notado esse pequeno incidente.

Foi uma temporada realmente muito proveitosa. Todos adquirimos mais experiência ao trabalhar musicalmente em teatros. A acústica, a platéia, as luzes, a própria disposição do instrumental no palco, tudo era diferente do que se costuma fazer normalmente em um baile.

O ATRASO EM PACOTI – QUE “FRIA” ...

A maioria das vezes em que o Big Brasa foi contratado para tocar no interior do estado, aos sábados, durante o período em que o conjunto participou do programa Show do Mercantil, nós tínhamos que fazer um bom planejamento para não perder tempo, e chegar no destino antes da hora marcada, com tempo suficiente para instalar o instrumental e testá-lo, pelo menos. O conjunto tinha um “esquema” preparado para essas situações.

Naquela noite o Big Brasa iria tocar em Pacoti, cidade serrana do interior do Ceará. À tarde o conjunto participou do programa Show do Mercantil e mais ou menos às 18:30h, um pouco antes de seu encerramento, conforme tínhamos acertado com a produção do programa, desmontamos nosso equipamento e os bigus levaram todo o material para os transportes. Enquanto isso, nós fizemos um rápido lanche no restaurante “Jerbô”, que ficava na esquina da Avenida Antônio Sales, pertinho da TV Ceará, e nos mandamos para Pacoti em dois carros. Eu dirigia a Kombi e o Fernando “Galba” a Rural. 

No percurso, tudo transcorria muito bem. O pessoal descansava um pouco, se preparando para mais uma noite de muito embalo. Acontece que em virtude do pouco conhecimento da estrada, noite muito escura e principalmente pela falta de sinalização, chegando à Serra de Guaramiranga, eu e o Galba nos perdemos, não encontrando a entrada para Pacoti. Ficamos rodando por algum tempo, mais perdidos do que cachorros em dia de festa. A medida em que o tempo passava, nossa preocupação aumentava.  Por sorte, encontramos com um transeunte, que nos forneceu a informação necessária para que encontrássemos o  caminho.

Quando finalmente chegamos à cidade, quase meia-noite ou um pouco mais que isso, o quadro era desolador. Muita gente na rua, rapazes e moças parcialmente desarrumados, conversando em grupos e muito desanimados pelo quase certo cancelamento da festa em razão da falta do conjunto. Um verdadeiro fracasso, seria, se realmente tivéssemos faltado.

Enfim paramos na porta do clube, sendo imediatamente cercados pelos contratantes e populares. Explicações sobre o atraso foram dadas e bem aceitas, tendo em vista que prometemos - e cumprimos - prorrogar a festa pelo tempo necessário para cobrir nosso atraso. Pudemos notar, que rapidamente o pessoal se mobilizou, com o maior entusiasmo. E a festa foi realizada, dentro de um clima de muita animação. Naquela noite, tocamos até quase de manhã.

Durante o baile, em razão do intenso frio, tivemos problemas para manter a bateria afinada, visto que o couro dos tambores amolecia e ficava praticamente sem som. Interrompemos a festa, mais de uma vez, para levar os tambores da bateria, até perto do fogão do bar, a fim de que aquecessem novamente. Esse tipo de problema com os couros da bateria, algum tempo depois foi solucionado, com o surgimento das peles de “nylon”, que vieram para substituir o couro. Na hora do lanche, no intervalo, as situações quase rotineiras: quase não tinha nada reservado para o conjunto. Uma galinha praticamente congelada, pelo frio da serra, refrigerantes e nada mais. O pessoal responsável pelo bar, querendo faturar alto vendia tudo, sem a menor preocupação de reservar o lanche para o conjunto. Nessas horas, o que fazer? Assim mesmo a batalha continuava.

No decorrer da festa, um senhor me fez um pedido musical. Lembro que a música solicitada não constava do nosso repertório. Então, no intervalo, eu pessoalmente justifiquei o não atendimento do tal pedido. Na continuação do baile, entretanto,  lhe oferecemos uma seqüência de sambas, pela qual ficou muito satisfeito e agradecido pela atenção. Ficou me tratando, até o fim da festa por “educado”.

Com o baile terminado e o dia amanhecendo, esse mesmo senhor nos convidou para conhecer sua casa e tomar um café. Por ser uma proposta de uma pessoa para nós desconhecida, consultei todo o grupo e, depois de desmontar e arrumar todo o equipamento nos transportes, resolvemos aceitar aquele convite. A primeira surpresa que tivemos foi com um automóvel de luxo que ele dirigia. Durante o trajeto, alguns membros do conjunto foram juntos com ele, que dizia estar muito satisfeito conosco, com a festa, e em tom animado e de brincadeira, afirmava que sua casa estava disponível para tudo aquilo que quiséssemos, “menos mulher”, porque só tinha uma e essa era a dele.

Ele se dirigiu para Guaramiranga, no topo da serra. Ficamos sabendo de quem se tratava. Era o Dr. Sílvio Leal, médico de conceito muito elevado em Fortaleza, que todos os finais de semana se desligava de seus afazeres e procurava repouso e tranqüilidade naquelas paragens.

Ao chegar em seu sítio, encontramos uma verdadeira maravilha de paisagem, uma estrutura fantástica, tudo muito bem cuidado, jardins floridos, uma barragem artificial, e tudo sob um clima frio, agradável, com um pouco de neblina no horizonte. E o Dr. Sílvio Leal, com toda simplicidade, nos mostrou, detalhadamente, todas as dependências de sua morada de campo. A casa, em três níveis, construída em estilo colonial americano, possuía vários dormitórios, todos com móveis de madeira, funcionais e artisticamente trabalhados, um bar completo, salão de jogos, guarda-roupa com vestuário adequado para frio, uma despensa repleta de mantimentos e de produtos importados e até mesmo uma belíssima lareira. Fiquei realmente impressionado, pois só tinha visto casas daquele tipo em filmes. Depois de conhecermos tudo, ele nos levou para uma das varandas, onde nos sentamos para conversar. Tomamos um café, completo, ocasião em que ele nos pediu também para ficar para o almoço. Em seguida tocamos um pouco de violão e o Mardônio cantou algumas músicas. O Dr. Sílvio nos confessou que estava muito saudoso, em razão da viagem de sua esposa e de uma filha para o exterior, e que nossa presença o tinha deixado muito feliz.

Enquanto isso, um de seus moradores, bem defronte à casa, fez uma demonstração da quantidade de peixes que existia naquela barragem, jogando uma rede de pesca, que em poucos segundos voltou repleta de peixes. o Carló ficou tão entusiasmado que pôs um anzol na água, mesmo sem isca, e conseguiu fisgar um peixe... Nessa manhã, enquanto nosso grupo descansava um pouco e se divertia, resta dizer que o Fernando Galba nos chamava insistentemente para ir embora, pois segundo ele teria que fazer uma “corrida” com sua rural ainda naquele dia. Ao perceber esse fato, o Dr. Sílvio o chamou e muito discretamente lhe deu uma pequena gorjeta, de leve, para acalmá-lo... Depois dessa providência o Galba se transformou em um grande puxa-saco. Parou de reclamar, chegou-se para perto de nosso grupo e ficava nos ouvindo, prestando bastante atenção. Cada vez que o Dr. Sílvio começava a falar alguma coisa, ele entrava no meio de nós, batia palmas e dizia para todo mundo:

- Calma, calma, pessoal, deixem o doutor falar!

E outras frases similares, típicas de um “puxa-saco” militante.

Almoçamos muito cedo, mais ou menos às 10 horas, e logo em seguida retornamos para Fortaleza. Todos ficamos muito agradecidos pela recepção oferecida pelo Dr. Sílvio Leal, que nos proporcionou bons momentos em seu maravilhoso sítio, o qual ficou por nós conhecido como o “paraíso na terra”.

Posteriormente, fui chamado para tocar teclado em uma recepção em sua casa de Fortaleza, oportunidade em que recebi um excelente tratamento. Fiquei admirado com a suntuosidade de todos os ambientes, até mesmo com as torneiras dos lavabos, que douradas pareciam banhadas à ouro. Coisas finas, de gente que tem muita grana, sabe gastá-la e aproveitar bem a vida...

BARRADOS NO BAILE ???

Certa vez, o Pablo Sebastian (pianista e cantor estrangeiro, acho que argentino) veio fazer uma apresentação no Show do Mercantil, acompanhado pelo Big Brasa. Naquela noite ele iria se apresentar também no Náutico Atlético Cearense, que estava comemorando aniversário do clube com uma grande festa. Como o Big Brasa acompanhou o Pablo “na medida certa”, ele gostou muito do conjunto e convidou-nos a participar, juntamente com ele, do show que iria realizar no aniversário do Náutico.

Show do Mercantil terminado nos preparamos para a tal apresentação no Náutico. Lá chegando, pouco antes do horário previsto, com roupas esportivas, conforme usávamos sempre - tênis, jeans - fomos barrados por um diretor, na entrada principal do clube, porque não estávamos de smoking, traje determinado pelo Náutico para aquela ocasião. Naquele momento, eu disse pronta e secamente para ele que aquilo não seria problema para nós. Completei, afirmando para aquele senhor  que o Big Brasa não queria entrar no Náutico, mas, sim, tinha sido convidado para participar do show, acompanhando o Pablo Sebastian, e que em vista do impasse esperaria apenas uns dez minutos em frente ao clube, tempo para que alguma coisa pudesse ser resolvida para depois ir embora. Nos minutos seguintes logo apareceu o Augusto Borges, com cara de espanto. Ao informar-se da situação chegou-se a nós e disse-me que o conjunto poderia entrar da maneira que estávamos vestidos mesmo, sem nenhum problema. Soubemos mais tarde que o Pablo Sebastian, disse ao seu empresário e ao Augusto Borges, que só faria aquela apresentação se fosse acompanhado pelo Big Brasa.

Tiramos literalmente o Náutico do sério naquela noite, o que para nós, foi espetacular! O Conjunto entrando no clube, desfilando devagarinho com calças jeans, tênis, e todo mundo admirado, nos olhando. A verdade é que mesmo se quiséssemos seguir as normas daquele baile não poderíamos, visto que o conjunto não possuía “smokings”, por não ser do seu gosto e estilo. O Náutico era mesmo - e acho que ainda é - um saco.

Outra vez estávamos tocando em uma tertúlia de férias, no Náutico, e estava combinado que haveria um desfile de moda na piscina em determinado momento. Tudo bem, iniciamos a tertúlia normalmente. Mais ou menos uma hora depois apareceu um diretor, que mandou o Big Brasa parar de tocar, porque o desfile iria ter início. O salão estava quase cheio, música jovem, gente nova, muita animação. Aí a turma logicamente parou de dançar e “chiando”, sem gostar da interrupção. Alguns minutos se passaram, com o conjunto parado, quando surgiu um outro diretor, para raivosamente reclamar:

- Por que o conjunto parou? Quem foi que mandou parar a música?

E eu respondi que tinha sido o primeiro, ao que ele retrucou:

- Podem continuar tocando, que o desfile não vai ser agora. E saiu.

Então nós continuamos. Quando a festa estava animando novamente, o primeiro diretor apareceu e, irritado, mais uma vez mandou parar a festa, alegando que o desfile iria começar (de novo...). Paramos, e a cena se repetiu. Para completar, o outro diretor subiu ao palco e, com um copo de uísque na mão, aparentemente meio “chumbado”, reclamou de novo. Àquela altura, realmente eu perdi o controle, porque estava de saco cheio com aqueles caras. E não me contive, dizendo:

- Rapaz, eu quero saber é quem manda nesta merda aqui. Resolvam vocês se é para tocar ou não, depois venham aqui para nos avisar. Não pode é continuar com essa bagunça que está.

Com essa o cara ficou realmente p. da vida e disse que, se dependesse dele, nunca mais tocaríamos no Náutico. Grande coisa... Tudo ficou naquilo mesmo e tocamos por lá as vezes em que fomos contratados, que não foram poucas. Pelo visto o tal confuso diretor não tinha tanta influência assim no clube... 

O Náutico, na minha opinião, sempre foi clubezinho cheio de frescuras. Uma vez inventaram por lá uma festa, na qual um decorador estrangeiro colocou umas moças para dançar na frente do conjunto, que ficava escondido por trás de uma empanada. O pessoal só via a silhueta dos músicos. Coisa de gringo idiota...

O DIA EM QUE FUMEI AO “CONTRÁRIO”

Tem aquelas coisas bobas que acontecem conosco, mas quem as sofre não esquece jamais. Esta foi uma delas. O Big Brasa seguia completo, em direção à Cascavel, para tocar um baile. Mais ou menos às nove horas da noite e eu pilotando um tremendo Fusca “azul pavão”, aquele mesmo que chegou a “bater” o motor duas vezes comigo e quase me acaba de tanto gastar dinheiro.

Seguíamos conversando animadamente, apesar da minha atenção na estrada, por estar uma noite muito escura. Dirigia sempre olhando para a frente. Em certo momento, pedi ao Edi, que estava no banco traseiro, para acender um cigarro para mim. Aguardando o cigarro aceso, continuei olhando para a frente da estrada. E com o braço direito voltado para trás do carro, ouvi o Edi dizer:

- Toma, Beiró.

Ávido, segurei então o cigarro entre os dedos, trouxe a mão em direção à boca e imediatamente dei aquela tragada. Puxei fundo mesmo. Só que, quando o cigarro encostou em minha boca já foi queimando tudo, pois estava virado ao contrário. Foi um Deus nos acuda. Tive dificuldades para estacionar, queimei um pouco os lábios, a língua e a minha camisa. Aquilo poderia ter resultado em um acidente. Na hora ninguém entendeu o que estava acontecendo. Depois, todo mundo riu muito. Descemos do carro e eu fui lavar a boca, com a língua queimada e aquele gosto horrível de pólvora queimada. Passei a noite inteira com a língua ardendo sem parar. Aquilo me serviu como um aviso. Daí por diante nunca mais fumei brasa de cigarro ...   

UM POR TODOS, TODOS POR UM ...

Na primeira temporada do Big Brasa em Teresina, em 1968, o conjunto foi bem divulgado na cidade e iríamos tocar em dois bailes, nos principais clubes locais. Em uma tarde, depois dos preparativos rotineiros para as apresentações, como estávamos de folga resolvemos dar uma saída pelas redondezas da casa do tio Raldir, que gentilmente tinha nos hospedado. Passeamos até a Praça Pedro II,  por lá ficando algum tempo.

Durante nosso retorno, todo o pessoal do conjunto andava agrupado pela mesma calçada. Perto de chegarmos uma turma que estava jogando bola em um terreno murado se postou em cima do muro e ficou olhando para nós. Um deles, muito gaiato, disse um insulto qualquer para o Dummar, que foi um dos últimos a passar. Naquele momento não percebemos nada. Mas ao chegar, o Dummar, meio nervoso e muito pálido, nos contou o que tinha ocorrido. Foi o suficiente para toda a turma se agitar. O Adalberto, como de costume, foi o primeiro a ficar “enfezado”. O bicho ficou doido, contagiando todo mundo. Com o ímpeto natural da juventude, decidimos sair para um possível enfrentamento, prontos o que desse e viesse, imaginem só. Como estávamos em desvantagem numérica, por “brilhante” idéia minha, pegamos uns armadores de rede, para servir de soco inglês, uma arma violentíssima, no caso de haver luta corpo a corpo.

E retornamos ao ponto onde aquele pessoal tinha insultado o Dummar. O Adalberto, vermelho como um pimentão, anarquizou todo mundo na frente deles, chamou os piores (ou melhores) nomes que conheço para aquela ocasião, dizendo que de “um por um” poderiam vir todos, que ele daria conta sozinho. Os caras ficaram completamente amedrontados e afrouxaram no ato. Atribuo isso ao fator surpresa. O resultado é que eles “abriram”, para nossa sorte. Não tiveram a coragem nem de descer do muro e se aproximar, porque se não o estrago teria sido feio. Ainda bem ...

VIAJANDO NO “PEITO E NA RAÇA”

O Big Brasa teve a coragem, o que muitos podem chamar até mesmo de loucura, de sair de Fortaleza e viajar até Balsas, Carolina e São Luís, no Maranhão, com quatro guitarras e sem contrabaixo. Verdadeiro heroísmo, mas que atualmente seria inaceitável. Naquela época não tínhamos ainda experiência, noção musical e a tecnologia. Tudo estava começando para nós e, por isso, temos que aceitar o fato numa boa, porque na verdade muita gente não sentia falta nenhuma do instrumento. Era tudo novidade e a sensação eram as guitarras. Com certeza, até hoje em dia tem muita gente que não tem sensibilidade musical para perceber a falta que um contrabaixo faz em um conjunto.

Apesar das insatisfatórias condições instrumentais do conjunto, naquela temporada, havia emoção e muito entusiasmo por parte de todos. Por causa disso e também da novidade que levamos para aquela cidade, o Big Brasa até hoje é lembrado por quem participou de seus bailes, como o melhor conjunto musical que por lá atuou. Boas e inesquecíveis lembranças, comprovando que a primeira impressão é a que fica...

VERDADEIRA OBRA DE ARTE E PACIÊNCIA

Sobre o repertório, tenho que acrescentar a execução de um valioso trabalho executado para o Big Brasa por minha mãe, a Dona Zisile, como o pessoal a chamava. Como o conjunto tinha dificuldades em organizar e arquivar as letras das músicas, para tê-las sempre à mão, ela se dispôs a copiar todas as letras, inclusive aquelas em inglês, para um caderno. E assim o fez. Dezenas de músicas, todas copiadas com uma letra excelente e com uma boa vontade incrível. Só vendo.

Essas letras tiveram muita utilidade. Eu ainda tenho, guardado em casa, o tal caderno. Muita gente quando via esse repertório se admirava. A obra, portanto, foi muito apreciada pelo ser valor.

CARNAVAL NA MARRA? A GENTE QUASE SE ENRASCA...

Mais uma daquelas situações difíceis, os chamados “rabos-de-foguetes”,  ou imprensados, pelos quais nós passamos algumas vezes. O Big Brasa tinha sido contratado pela AABB, de Iguatu, para animar um baile de “reveillon”. Ficamos muito entusiasmados com a viagem, mas não nos preparamos devidamente para o evento, pois apenas ensaiamos várias marchas e alguns frevos, mas com um detalhe: o conjunto não tinha instrumento de sopro. As músicas teriam que ser executadas através de solos de guitarra e cantadas. E como agravante, também, não tínhamos um cantor acostumado com carnaval, que agüentasse a parada, como se diz. Mas todo mundo continuava inocentemente na maior animação, com os preparativos e ensaios para o que seria um “grande baile”. O pior ainda estava para acontecer e, por total falta de experiência, não sabíamos. E muito menos os contratantes, pois nada perguntaram sobre esse “pequenos detalhes”.

Chegando naquela cidade fomos recebidos pela diretoria da AABB, que nos proporcionou um verdadeiro banquete na sede do clube. Mesa farta, tudo do bom e do melhor, uma mordomia danada. Depois da lauta refeição, iniciamos a montagem de nosso instrumental no palco, que em nada nos favorecia, em razão de ficar no mesmo nível do salão de dança. Isso certamente dificultaria muito a distribuição sonora do conjunto para todo o clube, pois as pessoas que estivessem em nossa frente bloqueariam de certa forma as caixas de som.

E começou o baile. O Big Brasa iniciou a festa com seu repertório normal e seguiu assim até a meia-noite, quando após de um pequeno intervalo começou a tocar músicas carnavalescas. Muita gente no clube. O tempo foi passando e “engolindo” nosso pequeno repertório, que acabava rapidamente.

Nossa preocupação inicial com o problema da distribuição de som tinha razão de ser. Além da presença de um grande número de pessoas no salão, havia aquelas que se postavam paradas na área em frente ao conjunto e às caixas de som, obstruindo sua propagação ideal pelo clube. E assim, com o repertório carnavalesco se acabando, nosso ânimo foi diminuindo e a tensão aumentando, porque ainda faltava muito para a festa acabar. Para completar, alguns dos presentes começaram a pedir mais animação para o conjunto e algumas músicas que não sabíamos tocar. Mas não tinha como atender o público, porque nosso volume de som era pequeno, o repertório também, a distribuição das caixas estava prejudicada pelo seu posicionamento e o conjunto não tinha os “metais”.

E a coisa foi piorando -  um sufoco dos diabos. Até o Mestre Alberto, que estava no palco muito apreensivo, mas mesmo assim não parava de incentivar o conjunto, de repente pegou o microfone e começou a cantar uma música antiga de carnaval. Imaginem só que verdadeiro aperreio.

Para encurtar a história e dar uma dimensão exata do que aconteceu naquela noite, um dos garçons, que tocava piston nas horas vagas, deve ter ficado com pena de nossa situação e perguntou se queríamos que ele fosse buscar em casa seu instrumento. Nós aceitamos a ajuda, imediatamente. Ele foi pegar seu piston e logo retornou ao clube. Esse garçom nos prestou uma ajuda muito importante para que conseguíssemos terminar a festa. Ao final desse pesadelo, pelo menos ficou a experiência de que tínhamos que estar realmente preparados para eventos daquela natureza. Experiência essa que muito nos ajudou no futuro.


ERRO DE CÁLCULO EM QUIXERAMOBIM

O Big Brasa, no final de 1970, foi contratado para animar um baile de término de curso no interior do Ceará. Viajamos normalmente, pela BR-116, passando pela localidade conhecida por “Triângulo”, depois por Quixadá, para chegarmos ao município de Quixeramobim. O término de curso iria se realizar no principal clube daquela cidade. No local da festa muita movimentação, preparativos por parte do clube e a moçada da cidade aguardando a chegada do conjunto. Enfim, a expectativa do pessoal por aquela festa era grande....  

Tratamos logo de providenciar toda a instalação do equipamento, conforme de costume. O palco do clube, bem amplo e com uma altura razoável, certamente nos proporcionaria uma boa distribuição de som, além do que nossa visão da pista de dança era muito boa.

Em nosso repertório tínhamos valsas muito bonitas e bem ensaiadas, para essas ocasiões. Dentre elas Contos dos Bosques de Viena, Vozes da Primavera e a Valsa da Despedida, as mais solicitadas. Acertamos os detalhes com um dos diretores do clube, sobre o horário que seriam tocadas. Ficou combinado que o Big Brasa começaria a festa normalmente e dentro de uma meia hora chamaria os concludentes para dançar a primeira valsa. E iniciamos o tal baile.

O clube estava muito bem decorado, os presentes bem vestidos, com destaque para os concludentes e seus padrinhos e madrinhas, estes com vestimentas muito caprichadas.  Logo que o conjunto iniciou o baile, o pessoal começou a dançar e o salão superlotou. Algumas garotas perguntaram se podiam subir ao palco para dançar ao lado do conjunto. Respondi, sorrindo:

- Claro que sim, podem e devem.

E elas se juntaram ao envolvente e pesado som do Big Brasa. Muita animação era sempre ótimo para nós, porque quando as coisas estavam assim significavam um baile fácil de tocar - e o tempo passava mais rápido, também. Por volta das 22:30 horas nós interrompemos a música para anunciar a primeira valsa, fazendo uma breve parada a fim de que todos os concludentes se reunissem no salão.

Olhando aqueles casais de cima do palco, um a um, descontraidamente, enquanto aguardávamos todos chegarem, notei que um dos padrinhos, um cara bastante   alto, estava visivelmente “melado”, com o andar trôpego e os olhos meio trocados. Aquele jeitão de quem “tomou todas”. Achei graça ao notar o tal elemento e o mostrei, discretamente, para todo nosso pessoal. Mas até aquele momento tudo estava bem, nada de anormalidades.

E começou a valsa. O salão repleto de pares elegantes enquanto que a platéia, nas mesas em redor do salão, observava tudo aquilo com muita atenção. Fotógrafos circulavam para lá e para cá, tentando as melhores poses dos casais.

Dava até para desconfiar, de tanta organização, de tudo certo até demais. Aí é que mora o perigo, segundo a Lei de Murphy... Nesses casos sempre tem uma desmancha-prazer. Aquela noite era a vez do tal sujeito, que estava muito “chumbado”. Ele começou a dançar e quase não acertava o passo, cambaleante. E a valsa seguia de forma normal, ao contrário da cabeça daquele cara, visto que começava a girar em alta rotação com os rodopios que tentava fazer com a valsa, sempre perdendo o centro de gravidade. E nós todos olhando para o cara e esperando um desfecho negativo qualquer. Como ele era bem mais alto do que seu par, de vez em quando abraçava a jovem concludente, de maneira que ela não pudesse ver seu rosto e notar os enjôos que estava sentindo. E fazia um trejeito, como se estivesse golfando, ou mesmo prestes a vomitar. E assim continuou por algumas vezes, sob o olhar atento de todo o nosso pessoal. E seu mal-estar foi aumentando, ao passo da valsa. Em cada volta que fazia, víamos que a situação dele ia piorando.

Mais alguns segundos fatais e ocorreu o lamentável desastre. O coitado, vendo-se na iminência de vomitar, sem dar tempo de desvencilhar-se daquela jovem, abraçou-a fortemente, de modo que pudesse vomitar por cima de seu ombro tranqüilamente e tudo cairia apenas no chão. Ele pensou assim mas a coisa saiu completamente errada.

Por um erro gravíssimo de cálculo, abriu aquela bocarra e soltou um jato tipo “spray” por cima do ombro da mocinha, com tudo aquilo que tinha armazenado em seu estômago naquele dia. A meladeira foi horrível, atingindo de raspão todo o vestido de seu par, que ficou completamente borrado de cima a baixo. Os casais em volta afastaram-se rapidamente para se livrar daquele banho de suco gástrico misturado à cachaça e a tudo o que tem direito. A moça, completamente assustada com a cena, largou seu “belo” padrinho, começou a chorar e correu desesperadamente até a perdermos de vista. Não retornou mais ao baile. O cara foi levado para algum local, bem distante, para que se livrasse de uma “prensa” por parte dos pais da concludente.

Durante tudo isso o conjunto não parou a valsa, o que nessas ocasiões sempre foi a maneira correta de agir, para não chamar mais a atenção sobre o ocorrido. Assistimos tudo de camarote. Noite “inesquecível” para aquela garota e fato imperdoável para aquele irresponsável. 


OLHA O BUMBUM DELE AÍ, GENTE !!!

Tem alguns fatos que não podem deixar de ser contados. Esse é um deles, e aconteceu várias vezes, nas voltas de festas do interior do Estado.

No regresso das festas para casa, quase sempre todo o pessoal estava muito cansado e dormia logo. Alguns comentários sobre o baile, uma brincadeira ou outra e era o suficiente para todo mundo “apagar” de sono. Mas quando o dia começava a amanhecer, parávamos no primeiro restaurante de  beira de estrada ou em um posto de gasolina para tomar um café. O pessoal descia, lavava o rosto e se alimentava um pouco. Depois disso a turma ficava novamente esperta e era nessa hora que o Lucius começava a preparar sua brincadeirinha.

De surpresa, quando nosso transporte passava em alguns lugarejos ou cruzava com alguns pedestres que iam ou vinham da feira, ele rapidamente descia as calças e colocava a bunda toda para fora do carro. Gozação geral. E o pessoal do conjunto ajudava, ao gritar para os pedestres apontando aquele bumbum:

- Olha a bunda dele aí, gente! ... E a gente quase morria de rir da cara de espanto daqueles transeuntes, que nunca esperavam ver um “desfile de bumbum”, passando na estrada com tamanha rapidez. Eu sempre avisava para o Lucius, que ele tivesse bastante cuidado, dizendo:

- Rapaz, imagine só se vier alguém na estrada, voltando de uma pescaria, e lhe jogar um anzol?

E ele nem ligava. Mas em uma dessas vezes ele quase se lasca. Quando estava com tudo para fora, nossa Kombi passou em frente a um posto da Polícia Rodoviária Federal. Ainda bem que, por sorte geral, os patrulheiros deviam estar cansados, dormindo e não viram a cena.

Outra “ligeira” transgressão que ele costumava cometer, se dava na volta dos bailes em Fortaleza, na época em que a Avenida Duque de Caxias não tinha canteiros divisórios, nem “gelo baiano”. De madrugada, como o tráfego era diminuto ou quase nulo, passava com seu Gordini da mão para a contramão, desviando das mangueiras ali existentes, em uma verdadeira prova de destreza ao volante. Dava para notar que naquele tempo já existiam os inspiradores do novo Código de Trânsito...

PARTICIPAÇÃO EM GINCANAS – UMA VITÓRIA E UM EMPATE

Por algumas vezes participei de gincanas, como músico, a convite de equipes de estudantes. Lembro-me, de modo especial, de duas delas.

A primeira, que teve a apresentação final das equipes na sede do próprio colégio, com acirrada disputa entre duas equipes. Eu tinha chegado de uma festa no interior e ainda estava dormindo, quando o pessoal de uma das equipes veio me convidar para participar da última tarefa, muito importante pela contagem de pontos a ela atribuída. A minha mãe relutou um pouco em me acordar, explicando o cansaço da noite anterior, a viagem de volta, além de outro compromisso que o Big Brasa teria para aquele dia. Mas, pela insistência daquela turma, ela me acordou e eu tive mesmo que ir, apesar da enorme preguiça e sono. Tomei um banho rapidamente, um café e segui com o pessoal. A tarefa das duas equipes era conseguir um cara que tocasse o maior número de instrumentos musicais. Na realidade eu não sabia nem direito o que iria encontrar pela frente.

Chegando ao tal colégio, a rapaziada toda com aquela animação, clima de disputa entre as equipes, fomos diretos para o palco para fazer a apresentação. A gincana até aquela altura estava empatada e os pontos finais seriam decididos com essa tarefa, um músico que tocasse o maior número de instrumentos. Lá chegando, encontrei-me com o Paulo, pistonista excelente que o conjunto “Brasa Seis” possuía. Ele ia ser meu forte concorrente, pela outra equipe. O Paulo apresentou-se primeiro, executando uma das músicas clássicas para piston, com muita categoria. Um sopro forte, técnica, um solo de improviso, enfim, uma demonstração espetacular. Foi muito aplaudido pela turma toda.

Ao chegar a hora de minha apresentação, comecei tocando guitarra. Fiz alguns improvisos, até procurando o difícil recurso de aproveitar as microfonias entre os captadores e o amplificador para enriquecer os efeitos, além de tirar vários sons utilizando os pedais; depois toquei bateria, fazendo batidas variadas de iê-iê-iê, com pequenas variações e muitos “breques” para impressionar o pessoal, em seguida toquei um pouco de cavaquinho, de bandolim, de flauta doce, de violão, de contrabaixo e de outros teclados como piano, acordeon e escaleta. A medida em que ia mudando de instrumento a platéia aplaudia bastante e mais se entusiasmava. Ao final de não sei quantos instrumentos, foi o suficiente para que os jurados votassem, tendo por unanimidade considerado vencedora a “minha” equipe. Não desmerecendo o Paulo do piston, como o chamávamos, nossa equipe mereceu a vitória, porque interpretou de maneira correta a tarefa: “músico que tocasse um maior número de instrumentos”.  Recebi muitos agradecimentos por parte da equipe vencedora, o que, sem dúvida, foi por demais gratificante para mim.

Em outra oportunidade participei de uma gincana que fazia parte do quadro “Colégio contra Colégio”, apresentado pelo Show do Mercantil. A tarefa não especificava nada de música e sim, dizia que as equipes teriam que apresentar uma curiosidade, uma atração.  Para o vencedor o programa oferecia uma lembrança da gincana e um pequeno prêmio em dinheiro.

Apresentei-me por um dos colégios, tocando vários trechos de músicas nos seguintes instrumentos: guitarra, violão, cavaquinho, bandolim, contrabaixo, órgão eletrônico, piano, escaleta, acordeon, flauta doce, saxofone, piston e bateria e, por malandragem também algumas percussões, como tarol, surdo e tamborim.

Faço questão de dizer que no saxofone e no piston eu apenas conseguia executar uma música em cada um deles, com muito sacrifício, pois, no caso do piston, não tinha “embocadura” e nem sopro e para o saxofone faltava resistência, o que o músico adquire apenas com muita prática. Mas ao final foram contados, para efeito dessa participação, 14 instrumentos.

Meu concorrente, pela outra equipe, apresentou como atração um aparelho de rádio, que ele tinha montado em uma pequena caixa de madeira. O tal rádio nem chegou a ser ligado, sendo apenas exibido para os jurados e a platéia. Com essa montagem, interessante, mas que pelo seu grau de dificuldade não daria para competir com um músico, naquelas condições, ele conseguiu “arrancar” um empate do corpo de jurados, o que eu considerei um resultado muito injusto. Assim, dividimos o prêmio, mas como minha equipe estava na frente, foi a vencedora da gincana. Novamente alegria geral dos estudantes, aplausos da turma e grande animação ao final do programa. Essa minha exibição repercutiu de forma significativa, de forma a que depois de muito tempo o pessoal me reconhecer, na rua ou nos clubes e comentar sobre o assunto, tecendo elogios a minha performance. 

QUEM JÁ VIU MACACO ENJEITAR BANANA?

Na verdade, macaco enjeitar banana eu nunca vi, nem tive notícia. Mas o Big Brasa já fez um diretor de clube, do bairro Varjota, em Fortaleza, ficar muito admirado, chegando mesmo a nos dizer que tinha sido a primeira vez que aquilo acontecia com ele. Faço questão de registrar esse pequeno fato, talvez insignificante para muitos, mas não para mim, e pelo que poderá representar para as gerações futuras a título de exemplo. O caso foi assim.

Tocávamos uma festinha comum, de clube de subúrbio, em um sábado à noite. Quando chegou a hora do intervalo, toda a nossa turma se agrupou em uma mesa reservada  para o lanche do conjunto, como sempre o fazíamos. Conversa vai, conversa vem, e chegou o garçom com os sanduíches e refrigerantes e os colocou sobre a mesa. Mais atrás, vinha um diretor do clube, que na maior satisfação, mais alegre do que pinto na lama, afastou o que tinha no meio da mesa e colocou um litro de rum, dizendo:

- Olhem aqui pessoal, podem tomar tudo que a festa está boa demais!

Disse referindo-se ao rum que trouxera. Eu fiquei meio sem jeito para responder, em vista da animação daquele diretor, pensando que estaria fazendo um grande benefício para nós, tentando nos agradar com aquela bebida, de graça. Mas olhei para ele e, após agradecer a gentileza, disse que nós não bebíamos e que ele podia levar de volta aquele litro de rum. Tal foi a surpresa de sua parte, que esse fato foi motivo de comentários entre toda a diretoria do clube, que posteriormente fez um elogio à nossa conduta.

DINHEIRO QUE “FAZIA LAMA”

Às vezes o músico se dá muito bem, conseguindo faturar até mesmo mais do que o combinado.  Vejam só esse lance.

Contratado por um médico para tocar em uma recepção, que faria em sua casa, para comemorar seu aniversário, levei como bigu o Sérgio, que me acompanhava nessas ocasiões, funções musicais extras, como casamentos e aniversários, para as quais eu utilizava apenas o órgão. Tive que cobrar um preço mais alto que o normal, pela hora, tendo em vista que o tal médico, categoricamente, disse que só desejava uma hora e nada mais. Tudo bem. Iniciei às oito horas da noite, conforme acertado. Na residência, que ficava perto da Praia do Futuro, muito boa por sinal, não havia chegado ninguém. Só uns dois ou três garçons e o pessoal da casa fazendo os preparativos. Essa hora passou rapidamente e não chegou ninguém. O médico, com toda gentileza, perguntou se eu poderia tocar mais uma hora. Afirmei que sim e continuei. Tocava algumas músicas, parava um pouco, tomava um refrigerante e comia salgadinhos e doces. Logo a outra hora se passou e só alguns “gatos pingados” tinham chegado ao ambiente. E a história foi se repetindo. Mais uma hora e o pessoal começou a chegar. Mais convidados e a recepção foi animando, naturalmente depois de alguns uísques do pessoal.

Enfim, toquei até as três e meia da manhã. Só parei porque estava verdadeiramente cansado, saturado de tanta música. E também por questão de consciência, alertei ao aniversariante que se continuasse a tocar o pessoal só sairia dali de manhã... E ele prontamente aceitou minha sugestão, a de encerrar a música ao vivo. Ao final recebi o pagamento em espécie, logicamente por todas as horas e ao preço previamente acertado. Nessa noite fiz questão de gratificar o Sérgio com uma quantia maior que a de sempre.

Fiquei muito satisfeito com o resultado daquela noite de trabalho. Queria logo voltar para casa e contar o fato para a Aliete. Ao chegar, assim que abriu a porta, eu brinquei com ela, jogando todo o dinheiro para cima e deixando-o inteiramente espalhado pela sala de nossa casa. Ganhei nessa função mais ou menos o equivalente ao meu ordenado de um mês na TV Educativa. Foi bom ou não foi?

A INAUGURAÇÃO DO GINÁSIO PAULO SARASATE

A inauguração do Ginásio Paulo Sarasate obteve grande repercussão em Fortaleza, sendo amplamente divulgada através da imprensa. O Augusto Borges, apresentador do Show do Mercantil, através de sua empresa, a Borges Publicidade, conseguiu que seu programa fosse realizado no próprio ginásio, no dia da inauguração.

Para o Big Brasa foi motivo de muita expectativa, pela novidade de tocarmos em um ginásio coberto em um evento tão importante como aquele. Durante a semana, por mais de uma vez, estivemos no local para conhecer os equipamentos (da marca Quasár) e participar dos testes de som do ginásio.

No sábado, dia da inauguração, chegamos bem cedo ao ginásio para montar nosso instrumental e fazer um rápido ensaio com os cantores cearenses que  iriam se apresentar. Dentre eles a Maria Zenáide, a qual, com seus 12 anos, encantou o público pela bonita voz que possuía. E também o nosso amigo, cantor e compositor Belchior, que apresentou uma canção magnífica, de sua autoria. 

É muito difícil, para um conjunto musical, se apresentar em um ginásio coberto, que não foi construído para eventos musicais. Por sua acústica, os sons se misturam e retornam de várias partes, num eco que confunde cada músico e atrapalha o ritmo e o andamento. Um dos macetes que descobri, era o de me posicionar meio de lado, com a guitarra, de maneira que facilmente pudesse visualizar o pedal da bateria, para acertar a marcação e os compassos. Desse modo conseguia manter o ritmo. Para resolver parcialmente esse problema tivemos, em outra oportunidade, que montar um palco com tapadeiras ao fundo, além de utilizar um bom sistema de caixas acústicas, para retorno do som.

TRÊS PNEUS, ASSIM É AZAR DEMAIS...

O Big Brasa estava retornando de mais uma noite de trabalho, por volta das 4:30 horas da manhã. Tinha sido um baile no Clube de Regatas da Barra do Ceará. A turma nessa ocasião era composta pelo Adalberto, Carló, Severino, Luiz Antônio (Peninha) e eu. Nosso transporte era a famosa rural do Fernando “Galba”. Durante o percurso, muita brincadeira, pois tudo tinha saído às mil maravilhas, e estávamos bem dispostos ainda aquela hora. O Peninha imitava o “Zé Bonitinho”, fazendo suas palhaçadas e o Adalberto tirava um sarro com o “Galba”, dizendo que aquela rural estava velha demais e sempre pedindo para que ele andasse mais rápido. E ele sorria bastante, mas não se alterava nem um pouco com nossas brincadeiras.

À altura da Cidade dos Funcionários, a alegria foi suspensa, pois a rural furou um pneu. Na hora, o “Seu” Fernando, disse, com toda a categoria, que só andava prevenido, e como estava com os pneus um pouco ruins, tinha dois estepes. Entretanto começou a ficar chateado daí, porque iria atrasar seu serviço, visto que ele teria que fazer uma outra viagem até o Regatas, ainda naquela madrugada, para trazer o equipamento do conjunto.

Descemos da rural, ele trocou o pneu e reiniciamos o regresso rumo a “Messejana City”, como a chamávamos. Assim que o Galba ligou o motor da rural e o carro partiu, o Adalberto, que estava sentado no banco de trás, azarou:

- Vai furar o pneu de novo...

Ao que o Galba respondeu, sorrindo, meio sem graça:

- Nem diga isso, só se for muita “zebra” mesmo.

Não esperou quase nada. Pouco mais de dois quilômetros, quase na frente da sede da sede do DNER, baixou outro pneu da rural e aí começou a gozação geral. Nesse momento o Adalberto falou de novo:

- Eu não disse que ia furar? E o Galba respondeu, querendo demonstrar muita calma, apesar de tudo:

- Não tem problema, meu amigo, de jeito nenhum. Eu tenho outro pneu de reserva, não sou motorista “peba” não. Fique calmo que eu logo resolvo isso... 

E trocou novamente o pneu. À essa altura, a turma já estava sem graça, querendo chegar em casa, e o sono dominando todo mundo. Assim que o pneu foi trocado, o Galba mais uma vez reiniciou sua jornada. Logo, o Adalberto voltou a jogar praga no Galba:

- Ainda vai baixar outro pneu, na certa!

Depois desse último pneu furado o “Seu” Fernando só fazia sorrir, sem graça, cansado, e também devia estar louco de raiva do Adalberto, pelas pragas jogadas por ele. A rural continuou, pela antiga BR-116, e finalmente chegou à pracinha de Messejana. Na curva em frente à Igreja, o Seu Fernando parou em frente à casa do Peninha, para que ele descesse. Foi a conta. Ouvimos um chiado bem alto e novamente outro pneu começou a murchar. Foi o fim da picada. Todo mundo desceu da rural e ficou enchendo a paciência do Galba, para valer. Desta vez, infelizmente, não houve saída para ele, pois teve que tirar aquele pneu furado, juntá-lo com os outros, para procurar uma borracharia. Ficou literalmente “no prego”. Não sei realmente quando, nem a que horas ele terminou sua missão, porque voltamos a pé para casa, andando uns quatro quarteirões. Haja pneu e azar, deve ter pensado o Galba...

ANÃOZINHO FILHO DE UMA ÉGUA !

Certa vez, o Big Brasa foi contratado para tocar uma festa junina em uma localidade chamada Horizonte, a 38 quilômetros de Fortaleza, na BR-116. O conjunto tinha repertório suficiente para esse tipo de festa. Tudo estava legal menos eu, que tinha pegado uma gripe daquelas, fortíssima, com direito a muita coriza... Nada agradável portanto, mas nossa vida sempre foi assim. Trabalho era trabalho e não adiantava reclamar. E assim seguimos para Horizonte, em um sábado, depois de nos apresentar no programa Show do Mercantil.

O local onde o Big Brasa iria se apresentar era um pátio de um colégio, em frente a uma pequena quadra cimentada, muito limpa e bem varrida, mas com as mesas em volta, na areia. Tudo muito simples, do jeito que eu gosto. Boa organização, a quadra toda enfeitada de bandeirinhas típicas de festa junina, venda de churrasquinhos de “carne de gato”, aqueles depósitos de isopor cheios de cerveja e o pessoal todo muito animado para a festança.

Começamos a tocar. O forró “no mundo” e a turma dançando sem parar, uma maravilha! Mas à proporção que a festa ia animando, a poeira também ia subindo, trazida para a quadra pelos dançantes. Era um poeiral lascado. Conforme disse, nessa noite eu estava muito gripado, com o nariz escorrendo bastante feito uma cachoeira. Molhava um lenço atrás do outro. Minha “técnica” era a de colocar os lenços molhados para enxugar, atrás do amplificador de minha guitarra. Em pouco tempo eles ficavam prontos para uso de novo. E tome mais forró, e o João Ribeiro tome a espirrar... Com o tempo a situação começou a piorar, fiquei com os olhos ardendo muito, o nariz “em chamas”, tudo muito ruim. Era difícil manter o mesmo nível de controle do grupo naquela situação, no que se refere ao roteiro das músicas, pela falta de concentração de minha parte em virtude daquela “agonia” no nariz.

Horas depois, notamos um pequeno tumulto no meio da quadra de dança, possivelmente uma briga qualquer. Observamos mais atentamente e notamos que dois soldados de polícia estavam levando um anão para fora da quadra. Sabem por que? Soubemos depois que aquele safado tinha colocado pimenta em pó, no bolso, e saído espalhando-a pelo salão, apenas por pura brincadeira. Aquela pimenta, com a poeira subindo, fazia um efeito tremendo. Via-se todo mundo reclamar de coceira por toda a parte. Uma verdadeira “beleza”. Foi uma bela sacanagem, mas o tal anãozinho deve ter pago bem caro por ela.

UM BIGU QUASE “EM CANA”

Nas movimentadas tardes e noites de sábado, invariavelmente eu me deparava com alguns acidentes de trânsito, durante o trajeto de nossa casa para os clubes, e principalmente na volta das funções musicais, pelas madrugadas.

Carros virados, polícia no local e, dependendo do horário, aglomerações, eram ocorrências comuns. A antiga BR-116 era muito estreita e de mão-dupla, o que aumentava substancialmente o perigo de batidas e de atropelamentos, em especial, no trecho da Aerolândia, o mais perigoso, pelo tráfego intenso de automóveis, caminhões, ônibus, carroças, bicicletas e pedestres, atravessando a pista a qualquer momento. 

Em uma das noites de sábado, o Big Brasa tinha sido contratado para tocar em um clube de subúrbio de Fortaleza, no fim da Avenida Leste-Oeste. Eu saí de casa por volta das 20:00h, acompanhado pelo Sérgio, bigu, de modo a chegar ao clube um pouco mais cedo, para ligar e testar os equipamentos. Meu carro era um corcel vermelho, de duas portas, muito legal.

Na avenida D. Manoel, ao chegar à altura da Santos Dumont, parei no cruzamento para aguardar o sinal, que estava fechado. Alguns segundos e sentimos uma batida, de leve, na traseira de nosso carro. Olhei pelo espelho retrovisor e vi uma camionete, com três caras no banco da frente, sorrindo para nós. Naquela hora, tive um ímpeto de descer para tomar satisfação. Enquanto raciocinava, os caras deram nova batida, empurrando ligeiramente o corcel para a frente, no sentido claro e evidente de nos provocar. Mas o sinal abriu e eu, felizmente, pude arrancar e seguir, de maneira a deixar aqueles caras para trás. Naquele noite, mais uma vez tive bom senso para avaliar, e não aceitei aquela nítida provocação. Mas havia algo para acontecer, aquele noite ainda nos reservava uma surpresa...

Ao chegar ao clube, efetuamos nosso trabalho de montagem e testes de equipamentos, como de rotina, e às 22:00h a festa teve início. Depois de duas horas de baile, o Sérgio aproximou-se e disse que estava com muita dor de cabeça, pedindo as chaves do carro para ir dormir. Como nós tínhamos montado aquele carro na semana anterior, após uma pintura, ele sabia que somente a porta do motorista estava abrindo, mesmo enganchando um pouco, a outra estava com defeito. Mesmo assim eu avisei para ele, sobre um jeito especial para abrir a tal porta. Continuei tocando normalmente e o Sérgio saiu do clube, desaparecendo entre a multidão. Cerca de dez minutos depois, aparece o Sérgio, p... da vida, agarrado pelos braços por dois soldados da Polícia Militar, tentando falar algo para mim. Ao me aproximar, ainda com a guitarra, ouvi ele dizer, quase chorando e com muita raiva:

- Beiró, esses caras estão querendo me prender, não acreditaram que eu trabalho no conjunto!

E em vão, tentava se soltar dos policiais...

Naquele momento eu entendi o que se passava. Expliquei ao pessoal da polícia que o Sérgio realmente era nosso bigu, e tão logo esclarecida a situação ele prontamente foi solto. O que aconteceu realmente, era que uma patrulha móvel passava pelo estacionamento do clube, quando avistou um cara - o Sérgio -  tentando abrir a porta de um carro, provavelmente para tentar “puxá-lo”, como se diz na gíria policial.

Ao ser abordado pelos soldados o Sérgio não portava nenhum documento pessoal, muito menos os documentos do carro, que estavam em minha posse. Uma “atitude suspeita”, conforme é mencionada em um manual de orientação dos policiais militares. Portanto, não acreditaram naquela história dele, de dor de cabeça, e resolveram confirmá-la, entrando no clube e falando pessoalmente comigo. Na oportunidade, eu cheguei mesmo até a agradecer aos policiais pela prontidão daquele “serviço prestado”. 

O Sérgio, por via das dúvidas, não quis mais sair do clube, permanecendo conosco, no palco, até o final da animada festa.

CURTIÇÕES EM MOSSORÓ

Estive em Mossoró, no Rio Grande do Norte, por várias vezes. Uma parte delas com o Big Brasa, em eventos patrocinados pela TV Ceará, oportunidade em que viajamos em ônibus de turismo, especial, com toda a equipe de produção, diretores e artistas e demais participantes do programa Show do Mercantil.

Nessas viagens o grupo aproveitava bem e se divertia bastante, porque tínhamos hospedagem, alimentação e transporte tudo de graça. Além disso a preocupação com a organização dos eventos e contratos não era nossa e sim dos diretores da televisão. Ficávamos com a obrigação apenas de tocar nos horários determinados, e com o resto do tempo livre para passear.

Nos hotéis, tratamento especial, afinal de contas era uma equipe de artistas cearenses que lá estava. Na cidade, pessoal bastante hospitaleiro e amigo. Uma das atrações de Mossoró são suas águas termais. Nas torneiras comuns, temos água morna, uma beleza. E nas piscinas, como as que eu conheci na Escola de Agronomia, onde o Carló fez sua faculdade, a água vinha de poços artesianos, saindo a uma temperatura aproximada entre 50 a 60 graus centígrados. Quando uma piscina acabava de encher, não tinha quem conseguisse tomar banho, porque a água ficava quente, “pelando” mesmo. 

Mas nós também tivemos temperatura alta, quando tocamos em uma das boates locais, o “point” daquela época na cidade. O Big Brasa atravessava uma fase magnífica. Músicas atualizadas de todo tipo. Equipamento bom, contava ainda com uma percussão extra – as tumbadoras, ou atabaques – e sons de pedais para minha guitarra, principalmente o “wah-wah” e a distorção, com seus efeitos belíssimos nas improvisações. Nessa boate havia um sistema de som para voz excelente, queima de incenso, e ainda contava com um jogo de luzes e de efeitos chamados psicodélicos, verbete que segundo o Aurélio, “diz-se de decoração, roupas, objetos etc., de cores muito vivas, e totalmente fora dos padrões costumeiros.” Enfim foram verdadeiros “embalos de sábado à noite”, com presença jovem acentuada e muita animação.

Voltamos à Mossoró outras vezes, sem o Big Brasa, na companhia do Silvino, cantor do conjunto, e do Gustavo Silva, o “Gustavinho”, grande amigo nosso que fazia parte do corpo de jurados do Show do Mercantil. Foram muitas aventuras, sendo que uma delas foi resolvida às 4:00 horas da madrugada, quando o Big Brasa estava terminando uma festa no Clube dos Diários e o Gustavinho chegou na frente do palco, ainda muito disposto, apesar de estar no final de uma festa, e disse:

- Beiró, eu estou saindo para Mossoró daqui a pouco. Quer ir também?

Respondi que sim, no ato. Combinei com ele que iria para casa só para pegar uma roupa e que ele passasse por lá. Tudo certo e viajamos mesmo ao amanhecer do dia, no Gordini do Gustavinho, que tinha um motor Renault, muito bom. Uma barra, para agüentar o sono nas primeira horas. Mas foi tudo cem por cento. Chegamos em Mossoró, passamos o restante do dia passeando e à noite fomos para um boate, onde recebidos como artistas da televisão cearense, passamos muito bem, obrigado...

Por último, o Big Brasa esteve novamente em Mossoró para, desta vez, animar o baile de formatura da turma do Carló. Nessa vez eu tive que fazer duas viagens em um só dia para lá, em nossa camionete Chevrolet, “turbinada”, para levar o equipamento e em seguida o pessoal todo. Esse baile foi super animado, principalmente pela presença do Carló, que era chamado apenas de “Big”, junto com seus amigos de turma, que gostaram de nosso grupo e se divertiram a valer.

PRESENTE DE GREGO

Os shows que fizemos em Teresina, com o Ednardo, foram excelentes. A platéia gostou muito, o grupo estava bem ensaiado e tudo correu bem. Desta vez eu tinha seguido para Teresina de ônibus, sexta-feira à noite, para que chegasse a tempo, pois os shows seriam realizados no sábado e no domingo, no teatro. Naquele tempo eu trabalhava na TV Educativa a semana inteira.

O teatro estava com um palco bem montado, o Big Brasa com seu instrumental distribuído de forma excelente, boa produção, jogo de luzes com marcações perfeitas, boa qualidade de som, tudo muito legal.

Durante as apresentações, um cara, vestido com trajes indianos, com uma túnica esquisita, ficava circulando entre os corredores, pela frente do palco, sempre com varetinhas de incenso, que perfumavam o ambiente e até ajudavam a criar uma atmosfera mística para o show. 

Nos dois shows esta “figura” esteve presente, deleitando-se com as músicas, com as luzes e todos seus efeitos, enquanto curtia e espalhava o incenso pelo público. Fim dos espetáculos, volta para hotel e aquelas coisas de rotina. Na segunda-feira pela manhã, quando eu estava na estação rodoviária, esperando o ônibus para Fortaleza, de repente me deparei com o tal cara, que me cumprimentou pelos improvisos de viola e de guitarra feitos na noite anterior. Gentileza dele. No final daquele rápido contato, aquela figura estranha disse que tinha um presente para mim. E entregou-me um pacote, um pouco menor que uma caixa de sapatos, dizendo que aquilo era para que eu “viajasse” com a música pelo espaço sideral, em um mundo de sonhos, luzes e cores e uma porção de coisas mais que ele falou. Eu “saquei” logo aquele lance. Um punhado de maconha. Imediatamente devolvi o pacote para ele, e agradeci pelo presente, mas disse que não queria recebê-lo. Como ele insistiu, eu tive que ser mais ríspido, até meio grosseiro, dizendo a ele que, por favor, se afastasse de mim. Na verdade, foi o que costumamos chamar de “presente de grego”!   

As drogas estavam por toda a parte. Eu não tinha a consciência disso, a princípio. Algumas vezes, durante os intervalos dos bailes, cheguei a receber gratuitamente caixas ou vidrinhos cheios de “bolinhas”, as anfetaminas, substância que era usada como estimulante. Ao mostrar para meu pai, ele ficava indignado e comentava:

- “É um verdadeiro absurdo. Um indivíduo desses não é capaz de oferecer um lanche, um copo de leite ou uma refeição para um músico. No entanto, com a maior facilidade, de graça, oferece aquilo que não presta, como bebidas e drogas”.

Pura verdade, mas graças a Deus conseguimos trilhar nosso caminho, no mundo da música, quase sempre perto desse perigo, mas conseguindo evitá-lo.

IMAGENS PERDIDAS DE UM FESTIVAL DE ROCK...

              Em 1971, o Big Brasa participou de um festival de rock, realizado no auditório da Universidade Federal do Ceará. Preparamos algumas músicas, escolhidas cuidadosamente, de modo a causar o maior impacto possível, pois sabíamos que o evento seria muito bem divulgado, e que boa parte de nosso público, sem dúvida, tomaria conhecimento da nossa atuação. Dentre as músicas, um blue, no melhor estilo de Jimmi Hendrix, com um tema especialmente criado por nós, cuja harmonia possibilitava improvisações para a guitarra-solo, do jeito que eu mais gostava. Além de estar naquele tempo com uma guitarra excelente, contava ainda com a ajuda de uma “distorção” e de um pedal tipo “wah-wah”, ambos de boa qualidade.

Para esse festival, eu estava muito bem preparado tecnicamente, pois estudava horas e horas a fio, exercitando escalas e mais escalas, para aumentar a agilidade em minha guitarra branca, tipo “Gibson”. Essa guitarra, por mim reformada, possuía um som da melhor qualidade, do qual falei anteriormente. Passei a semana inteira dedicando todo o meu tempo disponível, revendo os arranjos, com o pessoal do conjunto, no sentido de que o Big Brasa fizesse uma apresentação marcante.

Depois dessa expectativa, chegou o momento de mostrarmos nosso trabalho. O ambiente no auditório da UFC estava amplamente favorável para nós. Mesa de luzes, com “canhão”, um sistema de som razoável, amplificadores de boa potência e qualidade, e muita gente para ver o show.

O Big Brasa foi o último grupo a se apresentar, dos quatro conjuntos participantes. Os organizadores do festival fizeram essa escolha de propósito, creio eu, pois conheciam nosso “potencial de fogo”, naquele momento, para fechar com chave de ouro aquela apresentação. Estávamos nesse período, realmente, com um “time” que jogava muito bem, todo mundo sabia o que fazer, portanto, tudo muito ensaiado e afinado.

Ao chegar a nossa vez, subimos ao palco, ligamos nossos equipamentos e “sentamos o porrete”, como se diz na gíria. No primeiro tema apresentado, os aplausos e a vibração da galera foram enormes, o que aumentou de forma significativa nosso entusiasmo.

Antes de iniciarmos a segunda música, chegou a equipe de filmagem do “Canal 10”, a Televisão Verdes Mares, da Rede Globo. Naquele tempo, as televisões ainda não tinham câmeras gravadoras de videoteipe, e os eventos eram filmados. As imagens, portanto, só passavam na televisão no dia seguinte, após a revelação e todo o processo de edição dos filmes da véspera.

Tivemos muita sorte até nisso, porque, durante a nossa segunda música, um blue, com bastantes improvisações de guitarra, praticamente tudo foi filmado, com detalhes para a bateria e principalmente para os solos de guitarra. Naquele dia, eu realmente estava inspirado. Via aquelas luzes e câmeras em minha frente, as quais, associadas aos efeitos existentes e ao vibrante som produzido por nossos instrumentos, faziam que eu me sentisse verdadeiramente em outra dimensão. Torna-se difícil, para mim, descrever esse tipo de sensação através da escrita. Só a conhece, quem teve a oportunidade de tocar um rock pesado ou um blue, de improvisar, de cantar ou de estar entre amplificadores muito potentes. É por aí...

Esperamos, com toda a ansiedade, para assistir o jornal da Verdes Mares do dia seguinte. E valeu a pena. O repórter, após ter noticiado o festival, em matéria bem produzida, apresentou um longo trecho do filme em que o Big Brasa aparecia. Todo mundo lá em casa vibrou junto comigo. Na rua e nos clubes, nas semanas seguintes, a repercussão foi extraordinária. Meses depois, tentei conseguir esse filme, na TV Verdes Mares, mas não obtive sucesso. Fiz o possível com o setor de filmagens para localizar aquele pequeno filme, mas o pessoal alegava não mais encontrá-lo. Hoje, essas imagens teriam para mim um valor inestimável.


 SOLIDARIEDADE À TODA PROVA

Há tempos de alegria e tempos de tristeza. Horas para sorrir e horas para chorar. Este fato, ocorrido com um participante do Big Brasa, meu primo e amigo Adalberto, merece registro, por ser exemplo de como Deus está presente em nossas vidas.

O Adalberto sempre gostou muito de corridas de automóveis. Quando podia marcava presença no autódromo do Euzébio, para ver a Fórmula Ford e outras corridas de campeonatos regionais. Em uma tarde de domingo, eu, o Adalberto e o Carló, fomos assistir a uma dessas provas automobilísticas. Muita gente de Messejana por lá, aglomeração na entrada e movimentação intensa de pessoas para ver os carros de corrida antes da prova ter início. Como eu não tinha nenhum interesse específico, nem tanta empolgação assim por corridas, fiquei circulando por toda aquela área, vendo um pouco de cada uma das curvas e apreciando a movimentação. Se é que existia algum controle ou supervisão de segurança do autódromo, no que se refere à entrada de pessoas nas áreas consideradas perigosas, esse sistema deveria ser muito deficiente. 

Quando a corrida estava perto do final, eu conversava com alguns colegas perto das arquibancadas, em frente a reta da chegada. Nos instantes finais ouvi alguém anunciar o vencedor. Mas, olhando para a pista, a uma distância de uns trinta metros, via muitos carros ainda passando, velozmente, para completar as voltas ou para decidir um segundo lugar, não sei bem. De repente, observei um grupo de três pessoas tentando atravessar a pista, mesmo com alguns carros ainda em movimento. Uma frenagem brusca. À minha esquerda notei que duas daquelas pessoas conseguiram voltar atrás. O terceiro cara, que estava fotografando um dos carros já estacionados em um dos “boxes”, foi violentamente colhido por um carro branco, que desenvolvia grande velocidade. Pude acompanhar a trajetória daquele corpo por uns quinze metros, até vê-lo cair no chão. O rapaz atropelado tentou levantar-se na mesma hora, sem no entanto conseguir. Nesse momento houve um tumulto geral. Ao mesmo tempo em que várias pessoas corriam para ver o acidente, outras saíam apressadamente do autódromo. Eu estava entre os que saíam, quando ouvi um colega me dizer algo assim:

- João Ribeiro, o “Carló” foi atropelado lá dentro, você viu?

Fiquei muito assustado e não sabia direito o que fazer. A muito custo entrei novamente no autódromo, mas não achei ninguém que me informasse detalhes sobre o acidente. Soube apenas que patrulheiros da Polícia Rodoviária Federal tinham levado o acidentado para um hospital.

Muito apreensivo, providenciei minha volta para Messejana, conseguindo carona em uma “pick-up”, juntamente com o Célio Freitas, nosso vizinho e amigo. Chegando em casa obtive a confirmação, por intermédio de meus pais, de que o acidente tinha acontecido com o Adalberto e não com o Carló. Ambos eram muito parecidos e muitas pessoas os confundiam.

Prontamente o Adalberto foi atendido em uma unidade hospitalar de emergência. Neste momento é que se faz necessário destacar a importante providência divina, tendo em vista que o médico de plantão que o atendeu decidiu amputar a sua perna, tendo chegado até mesmo a marcar a hora da operação para a tarde daquele mesmo dia. O “milagre” ocorreu por conta de um atraso desse médico, que nos possibilitou consultar outro profissional, o Dr. Afrânio, excelente médico ortopedista, que discordou totalmente do primeiro diagnóstico e, após devidamente autorizado pelo Mestre Alberto, tratou do Adalberto de forma impecável, curando-o integralmente.

Após a notícia desse acidente ter sido divulgada através de emissoras de rádio, houve solidariedade geral por parte de músicos de diversos conjuntos de Fortaleza, e de populares que conheciam o Big Brasa, que de imediato se prontificaram a fazer doações de sangue.

Durante alguns meses o Adalberto ficou ausente do conjunto, por força do ocorrido. Nesse período, entretanto, recebeu constantes visitas de amigos e fãs, que muito se preocuparam com seu pleno restabelecimento. Garotas chegavam a todo instante levando cartões com mensagens e bilhetinhos.

As manifestações de solidariedade permaneceram por todo o tempo em que esteve internado, sendo um dos fatores positivos para sua plena recuperação. Às vezes a movimentação era tão grande que chegava a interferir no hospital. Seu tratamento foi muito bem sucedido, não lhe deixando nenhuma seqüela. E ele, com muita força de vontade e sacrifício, logo que pôde retornou ao palco, ainda com a perna engessada. 

Após sua saída do hospital, onde passou alguns meses internado, o Adalberto fez questão de assistir a primeira corrida que houve no autódromo. E esteve lá, de perto, para conferir tudo. Mas desta vez, nada de fotografias!

O REVEZAMENTO “PERFEITO”

Nos períodos de carnaval e “reveillon”, o Big Brasa contratava músicos adicionais, de instrumentos de sopro. Na quase totalidade das vezes as contratações foram bem sucedidas, o pessoal desempenhou bem as funções, sem problemas. Entretanto, toda regra tem uma exceção...

Uma delas foi em um “reveillon”, no qual o conjunto foi contratado para animar um baile no Iate Clube de Fortaleza. Eu não tinha nenhum instrumentista de sopro em mente e tive que me deslocar até a Praça do Ferreira, para o “ponto dos músicos”, local onde a rapaziada toda se encontrava. Empresários, para agenciar contratos e músicos diversos.

Não gostava muito daquele “ponto”, primeiramente porque não tinha tempo e em segundo lugar porque o pessoal se ocupava demais em falar dos outros, o que nunca foi o meu forte. Mas fiz contatos com três músicos da banda de música da Base Aérea. Os instrumentos: sax, piston e trombone de vara. Estaria cem por cento, pensava eu. Convidei-os para um ensaio e eles desconversaram, dizendo que não seria necessário porque tinham muita prática, as músicas todas estavam nos álbuns e não haveria problema. Achei que sim, em vista da idade e da aparência dos caras, de profissionais experientes...

No dia do baile iniciamos bem. Até a meia-noite, o conjunto executou seu repertório normal, enquanto os instrumentistas de fora aguardavam, bebendo cerveja... Péssimo sinal, mas já naquela hora não daria para fazer nada.

Após um rápido intervalo, passado o ano, depois da meia-noite entraram os “metais”. Começamos tocando uns três frevos bem animados e algumas marchas. Durante uns trinta minutos tudo bem. Mas depois começou o que eu achei uma verdadeira palhaçada. Ao invés desses três músicos permanecerem no palco, fazendo arranjos e tocando em conjunto, ficava um só, enquanto outro descia do palco e bebia cerveja lentamente, nos olhando com a maior calma. Enquanto isso, o terceiro estava no banheiro, fazendo xixi. Isso durou quase até o final do baile, apesar de minhas insistentes reclamações aos três irresponsáveis. 

Mas no final, o negócio piorou mais ainda: um deles, o trombonista, que estava de “cara cheia”, cismou de ficar embaixo do palco e enquanto nós, logicamente em cima do palco, tocávamos uma música, ele simplesmente virava o trombone para nosso lado e tocava outra música, ou fazia pequenas frases musicais completamente diferentes da música em andamento. Foi preciso eu descer do palco e firmemente ordenar que ele parasse de tocar.

Para completar, após o baile, mesmo a contragosto, fui efetuar o pagamento aos caras para logo me livrar deles. Enquanto tirava o dinheiro, contava e pagava, perdi 500 mil, não sei como. Procuramos em volta do palco, por onde eu tinha andado, sem sucesso. Alguém, na entrada desse Ano Novo se deu bem às minhas custas...

Naquela noite, houve o que se pode chamar de “revezamento perfeito”: um tocando, outro bebendo e o terceiro mijando...


UM INESQUECÍVEL DUELO MUSICAL

Certa ocasião, em um sábado  à tarde, quando cheguei à TV Ceará para o programa Show do Mercantil, encontrei três pessoas instalando um equipamento em uma lateral do palco, perto do local onde o Big Brasa ficava durante todo o programa. Aquele pessoal, acabara de ligar um amplificador e um órgão eletrônico. Eu observava discretamente o grupo, enquanto ligava também nosso instrumental, preparando-o para dar um ligeiro ensaio com os calouros e cantores da terra, ou seja, uma “rápida passada” nas músicas, como a gente dizia.

Logo que terminaram sua montagem, um deles, bem lentamente, com toda a calma, sentou-se ao órgão e começou a tocar. Primeiro, testou alguns timbres, com diversas mudanças de registros, enquanto empregava uma harmonia bem estruturada. Percebi, de imediato, que aquele tecladista era muito bom. Enquanto ele continuava a tocar, executando uma seqüência harmônica, ou seja, um tema super favorável à improvisações, liguei minha guitarra e comecei a acompanhá-lo. De início, eu fiz apenas algumas notas e produzi efeitos sonoros rápidos, inclusive utilizando a alavanca da guitarra, combinando com a harmonia e o ritmo do órgão. O tecladista, por seu lado, começou a se empolgar e deu vazão à criatividade. E, nesse clima, descontraído e gostoso, sem parar, tocamos por uns dez ou quinze minutos. Encerramos aquele tema improvisado de forma muito legal, parecendo que tínhamos ensaiado por muito tempo. Na realidade, nem nos conhecíamos e nada tinha sido programado. 

Nessa hora, cheguei perto daquele tecladista para cumprimentá-lo. E só então pude perceber que era deficiente visual. Aquela “fera”, chamava-se Sérgio Sá, um excelente músico e compositor, parente do radialista Colombo Sá, de Fortaleza, e que iria se apresentar, também naquela tarde, no Show do Mercantil. 

O “Serginho”, como era chamado, gostou demais do som que tiramos, elogiou os meus improvisos e me deu um grande abraço. Conversamos bastante, tentando marcar um novo encontro musical, para que aquela sessão pudesse ser repetida. Nunca esqueci esses bons momentos.

Foi um duelo musical que não teve vencido, nem vencedor, visto que nós, ganhamos a sincera admiração de um músico pelo outro.

ENSINAR O PULO DO GATO, NUNCA!

O Edson Girão sempre foi um excelente músico, particularmente no que se refere à harmonia das músicas. Muito detalhista e possuidor de um “ouvido” muito bom, conseguia aprender todos os acordes de uma música, de qualquer estilo. Nos ensaios por vezes se tornava maçante, por ser meticuloso demais. Podia demorar, mas só ficava satisfeito quando executava o encadeamento harmônico perfeito da música, ou para os leigos, o acompanhamento certinho. E nos mostrava em sua guitarra, com muita satisfação, os acordes mais difíceis de serem percebidos e que ele tirava “de letra”. Quando não conseguia perceber um detalhe harmônico ele ficava visivelmente irritado, dizendo que estava “faltando alguma coisa”. E persistia na busca da perfeição harmônica, sendo que no momento que conseguia descobrir o tal acorde, imediatamente se preocupava em ensiná-lo para  nós, na primeira oportunidade que tivesse.  

Enquanto muitos conjuntos musicais aprendiam as músicas de maior sucesso no momento “na marra” para logo incluí-las no repertório, mesmo que não estivessem cem por cento corretas, o Edson chegava mesmo até a discutir nos ensaios, no intuito de fazer prevalecer o seu ponto de vista – o de executar as músicas com as harmonias corretas, com o qual concordo plenamente.

Quase sempre, de modo particular em cidades do interior do Estado, os músicos locais compareciam aos bailes tocados pelo Big Brasa ou mesmo por outro conjunto da capital para aprenderem “macetes”, harmonias novas, conhecer um ou outro equipamento mais moderno, enfim, para aprender mais.

Nós conhecíamos de imediato quando componentes de algum grupo musical se posicionavam em frente ou ao lado do palco, discretamente, para nos observar. Pelo interesse demonstrado, atitudes e gestos, sabíamos que eram colegas que estavam ali para aprender mais um pouco mais ou até mesmo, quem sabe, para “tesourar” o Big Brasa por qualquer falha cometida durante a função. Na verdade, dificilmente um grupo se preocupava tanto assim com a harmonia correta das músicas como o Big Brasa. Acho que pelas dificuldades encontradas, pelo trabalho difícil e cansativo de escutar uma música várias vezes até perceber um ou outro detalhe, o Edson considerava suas descobertas como um “segredo de Estado”, portanto merecedor de toda a proteção necessária. Muito justo!

Em algumas dessas oportunidades presenciei o Edson verdadeiramente cercado por músicos, que no salão ou ao lado do palco, nem piscavam para não perder um acorde ou outro mais difícil de ser feito. Mas por esperteza, na hora exata em que ia inserir o tal acorde, ele virava um pouco o corpo de lado de maneira a esconder dos espiões os acordes desejados, preservando assim seu trabalho. Podiam copiar tudo, menos o “pulo do gato”...

OS CHATOS DE GALOCHA E OS “BICÕES”

Quem alguma vez participou de conjuntos musicais os conhece bem. O Big Brasa identificou, ao longo de sua existência, vários deles...

Os “chatos”, eram aqueles indivíduos que estavam presentes em quase todas as apresentações do conjunto. Se fosse apenas a presença deles, não haveria problema. A atuação desses caras é que nos incomodava. Apesar de tudo gostavam do Big Brasa, motivo pelo qual não faltavam nenhuma festa por ele tocada. Normalmente, quando o grupo estava montando ou testando os equipamentos, um chato aparecia, com aquele ar de quem está “por dentro” de tudo. Sempre que o Edi, nosso baterista, via algum deles se aproximar do palco, logo me avisava, sorrindo:

- Beiró, lá vem ele de novo ...

E começava a achar graça, já contando com as perguntas bobas daquele elemento, e também com as nossas respostas, mais cretinas ainda, na tentativa de bloquear seu papo e encurtar a conversa.

Os chatos, sempre examinavam nosso equipamento, atentamente, na tentativa de notar alguma novidade que fosse motivo de comentário. Se não encontravam nada, perguntavam sobre o repertório, se tínhamos incluído essa ou aquela música, a que horas o conjunto ia começar, quantos intervalos faríamos, dentre outros detalhes. E ficavam nos rodeando, fazendo com que nosso bigus tivessem o cuidado para que nenhum cabo fosse pisado ou quebrado por eles, coisas assim.

A história volta e meia se repetia, eis a questão. Enquanto nós estávamos ocupados, e com a atenção voltada para nosso trabalho, eles nos perturbavam com as mesmas perguntas.

Durante a festa, os chatos gostavam de subir ao palco e falar com alguém do conjunto, somente para “aparecer”. Por vezes, criticavam outros conjuntos, enquanto nos elogiavam para fazer média. Por questão de ética, nunca entramos nesse tipo de conversa.

Os “bicões”, por sua vez, atuavam de maneira diferente. Seu “modus operandi”, era o de aproveitar o momento da entrada de participantes do conjunto no clube, para misturar-se entre eles e entrar de graça na festa. Faziam questão até de ajudar a carregar os equipamentos, para atingir seu objetivo. Chegavam mesmo a tomar um estojo de guitarra, um amplificador ou qualquer acessório de um bigu, enquanto descarregavam o material, para com eles entrar no clube. Depois disso, desapareciam.

Outros tipos de bicões, eram aqueles que apareciam apenas na hora do intervalo, quando o conjunto estava se servindo de um lanche. Jogavam alguma conversa fiada fora e depois, de forma sutil, nos surrupiavam um sanduíche ou um refrigerante. Como o lanche para o conjunto muitas vezes vinha na quantidade certa, o aparecimento de um bicão poderia significar falta de lanche para alguém.  

A SOCIEDADE COM “OS FARAÓS”

O conjunto “Os Faraós” foi um dos grupos de rock de muito sucesso que existiu em Fortaleza. Formado por quatro irmãos, Luisinho, Sebastião, Vicente e Antônio, tinha uma marca registrada: repertório quase que totalmente direcionado para músicas em inglês. Não tocava um samba nem para fazer remédio, como se diz popularmente. Sempre muito bem ensaiado, possuía um vocal muito bom e apurava seus arranjos de forma a ficarem idênticos aos originais. Seu líder era o habilidoso guitarrista-solo Luisinho, também  possuidor de uma magnífica voz. O som dos “Faraós” era inconfundível. O meu pai sempre disse que gostava mais dos Faraós do que dos Beatles.

 E justificava sua afirmação para o Luisinho, dizendo que ouvia os Beatles com a razão e os Faraós com o coração.

Contingências da vida. Não foi bem uma sociedade, com contrato escrito e demais características. Passei a integrar o conjunto “Os Faraós”, como tecladista, alguns meses após o Big Brasa ter encerrado suas atividades. Nessa época os “Faraós” também estavam um pouco desmobilizados e as condições do mercado de trabalho não eram muito favoráveis, pela existência de uma grande quantidade de conjuntos em Fortaleza naquele período, além das inúmeras discotecas que invadiram a cidade com som mecânico, tomando o campo de trabalho dos músicos. Eles se encontravam sem parte do instrumental e eu com todo o material do Big Brasa. Foi uma junção perfeita, pois o grupo “Os Faraós” passou a contar com a minha modesta participação como tecladista, mas que certamente veio mudar a sonoridade característica do conjunto e enriquecer musicalmente o grupo, também pelo fato do teclado aumentar as possibilidades de arranjos e de estilo de repertório.     

Nos primeiros ensaios, fizemos todas as devidas adaptações de nosso instrumental. Alguns amplificadores do Big Brasa, somados com as excelentes caixas de som Bussfle fabricadas pelos próprios “Faraós”, acessórios de toda ordem e o conjunto ficou pronto. Havia muita empolgação no ar e ânimo por parte de todos, visto que o “Big Brasa” e “Os Faraós” não se consideravam rivais e juntos, por várias vezes participaram de diversas promoções de grande sucesso em Fortaleza. Cada um tinha o seu público e o seu estilo definido.

Foram inúmeros os bailes e shows que participei nessa temporada com “Os Faraós”, entre os anos de 1973 e 1977. No palco sempre muita potência de som, volume alto, jogo de luzes e efeitos diversos que eram experimentados a cada tempo. Havia uma mesa de luz e de efeitos, por exemplo, que comandava inclusive a explosão das chamadas “bombas de fumaça”, criadas por nós, de fabricação caseira. Essas bombas eram caixas retangulares de madeira com fusíveis de pedaços de fio, nas quais colocávamos, a princípio, somente pequena quantidade de pólvora. O problema era quando o Castorino exagerava nas porções de pólvora e a “chibatada” era grande. Nas seqüências mais animadas de rocks ou nas músicas que antecediam os intervalos as bombas de fumaça eram disparadas. A pólvora queimava e subia rapidamente se espalhando por todo o palco e encobrindo totalmente os integrantes do conjunto. Produzia um efeito visual excelente, mas em compensação o cheiro da pólvora era de amargar. Resolvemos esse problema mais adiante, misturando incenso à pólvora. A luminosidade dos disparos também ficou mais clara e bonita. Chegamos até a utilizar extintores de incêndio para produzir efeitos em meio a tudo.

Quanto às luzes, chegamos a utilizar até oito lâmpadas estroboscópicas distribuídas pelo palco, mais dezesseis refletores coloridos. Em algumas oportunidades usamos também gelo seco, para produzir aquela cortina de fumaça branca que ficava espalhada por todo o ambiente. Dia a dia criávamos mais novidades e o pessoal gostava muito. A mistura desses efeitos com o pesadíssimo som que tirávamos era sensacional e às vezes impressionante.

Nós tínhamos muito cuidado na preparação dos efeitos, principalmente das bombas de fumaça, para que não houvesse acidentes. Mas sempre tem aqueles que não se preocupavam muito com o perigo. Uma noite em Maranguape, antes de acionar duas bombas de fumaça e extintores eu avistei um cara encostado no palco, de costas para o conjunto. Larguei imediatamente os teclados e fui alertá-lo no sentido de que ele estava muito próximo das bombas e que aquilo ali iria “explodir” para cima. Como o conjunto estava tocando a pleno vapor, e o som do instrumental muito alto, tive que gesticular bastante, apontando para os dispositivos, para que ele me entendesse. Mas o elemento nem ligou, permanecendo na mesma posição. Como não tinha outro jeito e tudo estava posicionado corretamente, no momento determinado o nosso bigu detonou duas bombas de fumaça e eu acionei os extintores. Tudo isso ao mesmo tempo. Foi uma cortina de fogo tão grande atrás desse cara que ele se assustou e afastou-se, meio chamuscado, “fedendo a cão”. Nós quase morremos de achar graça do susto que ele levou. Depois disso fizemos intervalo, no qual soubemos que o dito cujo estava reclamando por que o conjunto tinha queimado um pouco sua camisa nova. Que pena... Falta de aviso não foi.

Em outra oportunidade, no Clube Vila União, soubemos que um garçom tinha corrido em direção ao bar, gritando para todos que o palco estava pegando fogo, porque viu fumaça saindo por cima do teto. O aviso quase causou pânico generalizado, se não tivesse sido desmentido a tempo. Foi a maior gozação em cima do rapaz, via-se logo que ele ainda não conhecia nossos “efeitos especiais”.

Nossos maiores embalos sem dúvida foram realizados no Memphis Club, de Antônio Bezerra. Eram festas animadíssimas, descontraídas, o público gostava demais do conjunto e vibrava com o nosso som e efeitos apresentados. Apesar da responsabilidade pelos contratos nessa época ser do Luisinho, eu sempre me preocupava muito com tudo. Inclusive com a montagem do instrumental. O meu amigo Sérgio Alves, anteriormente bigu do Big Brasa, passou a nos acompanhar e muito nos ajudou também nesse período. Fazia tudo com boa vontade, mesmo sabendo que para desmontar toda a fiação no final de cada baile, mais de duzentos metros de fios e cabos tinham que ser dobrados e guardados, além das pesadíssimas caixas de som, amplificadores e acessórios diversos. Guardo ótimas recordações desse período em que integrei “Os Faraós”. Nossa convivência e relacionamento foram excelentes. Sempre admirei muito o Luisinho como solista e como cantor e sentia que a recíproca era verdadeira, no que se refere a minha participação no conjunto como tecladista. 

OS PRINCIPAIS CONJUNTOS MUSICAIS DE FORTALEZA

       Durante os chamados “Anos Dourados”, Fortaleza chegou a ter um número muito grande de conjuntos musicais. A febre do iê-iê-iê incentivava praticamente toda a juventude e assim houve uma proliferação desses grupos. Quase uma centena deles. Entretanto, como em toda arte, a qualidade prevalecia sobre a quantidade, e apenas alguns deles sobreviveram por mais tempo.

              Dentre os melhores e mais conhecidos conjuntos musicais desse período, estavam: Alberto Mota, Big Brasa, Brasa Seis, Ivanildo e seu conjunto, Os Belgas, The Crazy, The Dangerous, Os Desafinados, Os Dissonantes, Os Faraós, Os Milionários, Os Quem, Os Rataplans, Os Tremendões e Paulo de Tarso e seu Conjunto.

Esses grupos musicais efetivamente marcaram época em Fortaleza e no interior cearense, atuando com destaque em seus melhores clubes. 

Especial registro quanto ao conjunto “Os Rataplans”, de meus amigos César Barreto e Barretinho, que teve sua formação oficial a partir de 1966 e que muito nos inspirou no início do Big Brasa. Vale destacar, de modo especial, suas primeiras guitarras, de fabricação caseira, confeccionadas pelo Adilson e que nós também chegamos a utilizá-las por um bom período. Os Rataplans participaram do primeiro aniversário do Big Brasa, apresentando-se de forma brilhante, com todo o malabarismo e animação de seu baterista Camelo e o pesadíssimo som tirado pelo Barretinho, César e Adilson.

Por outro lado é imprescindível também destacar o conjunto musical “Os Belgas”, que fez muito sucesso em Fortaleza nos Anos Dourados. Formado pelo Eudes, Edson, Ricardo e Júlio, era possuidor de um vocal muito afinado e de ótimos instrumentistas, além de ser muito bem ensaiado e possuir um  excelente repertório. Minha homenagem especial ao amigo Júlio, exímio guitarrista-solo do conjunto, e também apreciador incondicional dos Beatles, como eu.

MÚSICA - UM DOM DE DEUS

Por circunstâncias da vida, aos 28 anos de idade, vivendo totalmente dedicado à música,  tive que mudar radicalmente de profissão, para uma área de atividade totalmente diversa da que eu atuava. Prestei um concurso público realizado em âmbito nacional para o cargo de Analista de Informações. Ao ser chamado, assumi de imediato o cargo de Analista de Informações do Ministério do Trabalho, sendo lotado na Assessoria de Segurança e  Informações da Delegacia Regional do Trabalho, no Ceará. Isto significou para mim poder trabalhar efetivamente para o bem do Brasil e participar de uma estrutura de Inteligência muito importante para a Nação.

Por me envolver integralmente para o bom desempenho nessa atividade, tive praticamente que deixar a música. Pelo meu temperamento, como não podia exercer as duas profissões ao mesmo tempo, em virtude dos horários não compatíveis, dentre outros fatores, me senti um pouco frustrado e decidi até mesmo vender todos os meus instrumentos musicais, para que pudesse esquecer mais facilmente. Não sobrou em casa nem um violão, para marcar presença. O impacto inicial, com a falta da música, foi marcante, mas foi diminuindo pouco a pouco, compensado talvez pelo orgulho do nosso emprego, em servir à pátria de uma forma tão importante, conforme considero. Mas no íntimo a música nunca deixou de estar presente.

Lutei e me esforcei ao máximo para aprender a nova profissão e assim, ser um bom Analista de Informações. Minha dedicação foi extrema. Voltei a ler muito, como nos tempos de infância, só que desta vez para adquirir embasamento mais profundo, de modo particular sobre múltiplos aspectos da conjuntura regional e nacional. O tempo foi passando e eu consegui chegar ao topo da nova carreira, com cursos de formação e de aperfeiçoamento em alto nível  na Atividade de Inteligência. A diferença entre as duas profissões era significativa. Se como músico eu desejava e necessitava aparecer, fazer sucesso em todos os segmentos possíveis, como Analista de Informações tinha que manter um comportamento reservado, peculiar à natureza dos serviços executados.

Alguns anos mais tarde encontrei-me com a Ana Maria Porto “Nininha”, nossa amiga de Messejana, professora de música e regente, à qual me passou um tremendo “carão”. Após ter comentado meu afastamento da música e de eu ter lhe explicado os reais motivos, disse ela, sorrindo e apontando o dedo para mim:

- Olhe, você recebeu um dom de Deus e não está aproveitando como Ele deseja. Você ainda vai pagar caro por isso!  

Aquilo que a Nininha disse me fez refletir muito sobre o assunto. Comentei com a Aliete, em casa, e depois de alguns dias resolvi comprar novamente um violão para “voltar a forma”. E assim foi o recomeço. Após a aquisição desse violão, comprei um órgão eletrônico, amplificador, microfone e... voltou tudo de novo, com a diferença de que a música, dali por diante, teria que ser amadoristicamente. E minha vida ficou mais completa em decorrência dessa atitude. A Nininha estava certa e a ela eu agradeço o comentário a mim dirigido. A música é efetivamente um dom de Deus que não pode ser desprezado. E assim tenho feito, dentro de minhas limitações, procurando utilizar a música como forma de lazer e de entretenimento sadio para mim, para nossa família, amigos e colegas. Hoje em dia toda a nossa família gosta demais de música e meus filhos Alberto Neto e Cristiane sempre que têm algum tempo cantam e tocam violão e teclados.

O MEU GRADUAL RETORNO À MÚSICA

             Após o meu desligamento da sociedade com “Os Faraós” em virtude de meu ingresso no serviço público, passei alguns anos totalmente afastado do meio musical, conforme falei anteriormente, mas sempre sentindo aquele desejo reprimido, uma vontade interior de tocar novamente. Pouco a pouco as experiências de retorno à música começaram a ocorrer. Primeiramente formei um grupo musical, sem grandes pretensões e sem compromissos profissionais, com três grandes amigos, Roberto Faria da Silva (Beto Carioca), sua esposa Rinah Melo e nossa amiga Laury. Usava a princípio um órgão Yamaha PSR 70, muito bom, e um sintetizador DX7. Começamos a ensaiar e aprontamos um repertório de alta qualidade. Nos apresentamos em diversas oportunidades em encontros de amigos e chegamos até mesmo a realizar algumas funções remuneradas. Evoluímos tanto no instrumental e no repertório quanto tecnicamente. O pessoal ficava cada vez mais afinado e aprendia rapidamente os macetes profissionais. 

Em outra fase fui convidado por meu amigo César Barreto a participar do Projeto Luiz Assunção, que consistia em apresentações públicas nas principais praças de Fortaleza, sob patrocínio da Prefeitura Municipal. Foi uma experiência rica, pelo contato direto com o público e repertório mais popular. Conheci outros músicos, que acompanhavam o César, de estilos diferentes, mas todos de ótima qualidade. Nesse período eu utilizava uma viola de doze cordas, de propriedade do César, que possuía uma sonoridade espetacular.

O César sempre brincava comigo, dizendo que tinha conseguido me colocar “na vida” novamente, referindo-se à vida de músico profissional, com todas as suas dificuldades. Sobre o César Barreto, é importante dizer que na época em que integrava “Os Rataplans”, conjunto famoso em sua época, ele conseguia estudar para o vestibular dentro de casa, no meio de vários ensaios simultâneos. Um músico treinando bateria, outro tocando guitarra e ele lendo suas apostilas calmamente. Hoje em dia é Técnico do Tribunal de Contas do Estado e professor universitário. No entanto nunca abandonou o gosto pela música.

Com o César estive também fazendo um programa de televisão na TV Educativa e realizamos alguns shows pelo interior do Ceará, um deles em Crateús e outro em Campina Grande, na Paraíba. Além disso tive a oportunidade de alguns créditos como tecladista e guitarrista, nas gravações de dois discos por ele produzidos.

Mais à frente tive um reencontro com o Airton França, depois de alguns anos em que não nos víamos. Ele ficou muito entusiasmado com a idéia de começarmos novamente a tocar, por pura diversão, e combinamos fazer uma dupla. Primeiramente o Airton comprou um piston novinho em folha, com surdina e tudo. Recuperou a embocadura bem depressa e logo começou a solar de novo as antigas músicas do Herbert Albert. Alguns meses mais tarde decidimos ir a Manaus, onde eu adquiri um teclado mais moderno e ele comprou um violão importado, tipo Ovation. Continuávamos ensaiando. O que nos surpreendeu foi a rapidez com que o Airton desenvolveu suas harmonias ao violão. Estudava por cifras e comprava tudo quanto era revista que contivesse músicas novas. Na época que ele apenas era pistonista do Big Brasa não cantava quase nada, fazendo participações vocais muito rápidas. Em nossa recente dupla, o Airton cantava muito bem todo o repertório, particularmente as músicas do Fagner.

Ensaiávamos umas três vezes por semana, com bastante afinco, nos finais de tarde. De repente ele apareceu com um amplificador novo, para que o som de retorno tivesse melhor qualidade. Comprou também uma pedaleira, com vários pedais de efeitos. Por muitos meses nosso grupo permaneceu firme. E eu também passei a ficar novamente alucinado pela música.

Como o Airton viajava freqüentemente para o Rio de Janeiro, a negócios,  pedi para que ele me trouxesse o novo modelo do sintetizador mais famoso da Yamaha, o DX7-II, instrumento excelente e que até hoje possuo. Com esse teclado adquiri um acessório muito interessante, chamado de Breath Control, que tecnicamente consiste em um aparelhinho com um bocal, interligado ao sintetizador, onde você produz um sopro que é enviado para o gerador de áudio do equipamento, de forma que quando tocamos no teclado o som se assemelha a um instrumento de sopro, de acordo com o timbre ou registro escolhido.

Por último, vale destacar os mais novos recursos musicais trazidos pela Informática, este fascinante mundo que descobrimos há alguns anos, com seus inúmeros programas direcionados para a música. Por curiosidade e satisfação pessoal adquirimos um teclado, marca Roland, específico para o acionamento desses programas. Desde a criação de melodias e harmonias, passando pela sonorização, escolha dos instrumentos, elaboração das partituras, gravação e possibilidade de alteração a qualquer tempo das músicas, tudo podemos conseguir facilmente através do computador e seus softwares musicais. Tal a facilidade de operação e de recursos que um dia consegui produzir rapidamente um playback para a minha filha Cristiane cantar, na época em que ela estudava no Colégio 7 de Setembro.

A COMEMORAÇÃO DOS “VINTE ANOS DE EMBALO”

Para comemorar vinte anos de música tive a idéia de promover uma festa que se denominou “Vinte Anos de Embalo”, com a participação de músicos do Big Brasa e do conjunto “Os Faraós”. A festa, amplamente divulgada através da imprensa local, foi realizada no Balneário Clube de Messejana, no dia 09 de julho de 1988, e obteve pleno sucesso, tanto assim que foi seguida por mais outra, semelhante, poucos meses depois. 

A iniciativa dessa promoção foi muito bem acolhida por todos. O objetivo principal da realização desse evento, para mim, foi o de reencontrar amigos da época, músicos ou não, além de registrar tudo aquilo em áudio e vídeo, pelas facilidades que temos hoje para, de certo modo suprir a ausência de gravações em vídeo dos tempos mais antigos.  

Havia um entusiasmo e, ao mesmo tempo, um sentimento de saudade por parte dos que participaram efetivamente daquela vivência musical. Por outro lado, grande expectativa  e animação dos mais jovens, nossos filhos e seus colegas, que ansiosamente desejavam ver seus pais atuando no palco de novo.

O jornal “O Povo”, em edição de 09 de julho de 1988, na coluna Saudosismo,  publicou uma extensa matéria sobre o evento, sob o título “Os Embalos da década de 60”.

A referida nota afirmava:

“No final dos anos sessenta dois grupos musicais eletrizavam a juventude cearense com suas participações nas festas que animavam nos mais diversos locais. Eram Os Faraós e o Big Brasa., que em suas exibições, além dos sucessos da época, tinham como base um repertório pautado nas composições dos Renato e seus Blue Caps, The Beatles e Rolling Stones. Após duas décadas dessa efervescência alguns dos ex-integrantes dos dois grupos voltam a tocar e cantar juntos, na perspectiva de relembrar momentos dançantes passados e atuais. A primeira de uma série que se intitula “Vinte Anos de Embalo” vai acontecer hoje”...

Nesta reportagem, seguindo-se aos comentários sobre os diversos aspectos musicais daquele período, há um trecho da entrevista concedida por mim ao repórter, na qual afirmei:

“ Foi uma experiência bem vivida. Tocávamos com todos os artistas que se exibiam no programa do Augusto Borges. Eu fazia a seleção dos calouros e por meu crivo passaram entre outros Mardônio, Maria Zenáide e as irmãs Lena e Leda. Esta última se tornou depois a “Miss Lene”. Acompanhamos muitas vezes o Jorge Mello, o Belchior e o Ednardo, com quem chegamos até a defender uma música – Beira-Mar -  num festival em Recife”.

Mais adiante, na mesma nota, procurei traçar um paralelo com as músicas e grupos atuais fazendo a seguinte colocação:

“Hoje em dia falta melodia nas músicas. São meio brutas, onde a harmonia não é lapidada adequadamente. Isso não existia nas músicas do Renato e seus Blue Caps. As composições dos Beatles nem se fala, pois eles usavam mais romantismo e trabalhavam bem melhor os arranjos”. Ao final, a publicação informa que os ingressos para os “Vinte Anos de Embalo” serão limitados e que do show participarão várias pessoas que viveram intensamente nos palcos a época da Jovem Guarda.

Entre eles Edson Girão (voz e guitarra), Luciano Franco (contrabaixo) e João Ribeiro - Beiró (teclados), como os três ex-membros do Big Brasa; Luisinho (guitarra e voz), Sebastião (vocal e contrabaixo), Vicente (guitarra e vocal) e Antônio (bateria) pelos Faraós. Ainda a presença de Roberto Carioca (cantor), Rinah e Laury (cantoras).

A promoção foi um sucesso e obteve ampla repercussão em Fortaleza. Todos os seus objetivos foram plenamente alcançados, dentre eles o principal, ou seja, o de realizar uma confraternização com todos aqueles que participaram daqueles bons tempos.

Outra matéria sobre o evento foi escrita pelo Luiz Antônio e publicada no jornal Tribuna do Ceará, edição de 08 de julho de 1988.

"It was twenty years ago today, Sargent Peppers taught the bend to play." (Foi  há vinte anos atrás que Sargento Pimenta ensinou sua banda a tocar). Com essa frase os Beatles lançavam em abril de 1967, o seu sétimo e mais controvertido LP na Inglaterra, o Sargent Peppers lonely Hearts Club Band, com toda uma revolução sonora e poética.

Em Messejana no mesmo mês surgia, de um grupo de jovens apaixonados por toda e exuberante enxurrada de inovações da época, o Conjunto Musical Big Brasa, bem inscrito dentro dos padrões vigentes da jovem guarda. Composto por João Ribeiro, Carlomagno, João Dummar Filho, Marcos Oriá e Severino Tavares, usando equipamentos feitos aqui mesmo pela banda “Os Rataplans”, que com caixinhas de som primitivas de seis watts de potência, resolveram inaugurar no Ceará  a tal estrada do rock, hoje tão difundida em outros grupos. Tendo como prefixo a música And I Love Her, dos Beatles, o Big Brasa logo passou a introduzir inovações no cenário musical local, que eram privilégios dos grandes centros. Em um curioso paralelismo, as bandas pioneiras e músicos de Heavy Metal, como Rolling Stones, Jimmy Hendrix Experience, Cream, com o Eric Clapton, introduziam efeitos como a distorção, obrigatória em toda banda metaleira, o wah-wah, e outros recursos, e o Big Brasa não deixava por menos: os adotava em seus bailes para  consternação dos mais velhos, com ouvidos “nelsongonçalveanos”, e para a excitação da moçada”. E continuava, referindo-se a um “Coroa muito doido”, dizendo:

“... O mais interessante era que o mentor de toda a história era um senhor de quase cinquenta anos, maçom, de nome Alberto Ribeiro da Silva, que além de dar  uma força e  orientação para a moçada, mandando “sentar o pau no rock”, ainda se deslumbrava com os sucessos dos Beatles, como Help, Hello Good Bye e Boys, ou então com Satisfaction, Jumpin Jack Flash e Under My Thumb, dos Rolling Stones, essa última sua predileta.

Com um vigor de fazer inveja a muito gatão de hoje em dia, ele se entusiasmava quando o rock fervia no palco, incentivando-o como um regente. Roqueiro de cabeça feita, exigia que a turma abrisse o gás, o que a garotada cumpria com muito gosto. Pode-se dizer que este avançado senhor, eternamente jovem, foi uma das peças incentivadoras do rock aqui no Ceará, quando ainda era uma coisa muito “revolucionária”.

“E pasmem - ainda chamava os seus amigos e companheiros de geração que torciam o nariz ante a barulheira de seus pupilos de "caretas e quadrados" e os espinafrava com uma irreverência de fazer inveja ao próprio John Lennon. Nem é preciso dizer que o Big Brasa inteiro adorava o Mestre Alberto, como ele era carinhosamente chamado. Em 1968, no auge do movimento hippie, o Big Brasa aumentou sua tonelagem sonora com equipamentos avançadíssimos para a época, e músicos como o Peninha, Lucius Maia, Adalberto Pereira, Edson Girão, Luciano Franco, Edi, Joãozinho, Lurdinha, passarem a compor o dinâmico plantel do Big Brasa, que  inclusive acompanhou e fez arranjos para os primeiros shows do cantor e compositor Ednardo, bem como inspirou, em primeira instância, o guitarrista Manassés, um dos melhores do mundo, mas que na época, assistia aos solos do João Ribeiro (Beiró) no Maranguape Clube com um brilho de admiração no olhar. Após anos ligado ao Programa Estúdio 2 e ao Show do Mercantil,  na extinta - TV Ceará, o Big Brasa debandou em 1977” .

OS AMIGOS MÚSICOS QUE INTEGRARAM A FAMÍLIA BIG BRASA

-      Os participantes do Big Brasa (em ordem alfabética)

Primeiramente, gostaria de dizer que o Big Brasa sempre manteve sua filosofia de preferir músicos pelas suas qualidades pessoais, de conduta, educação, comportamento e responsabilidade, do que simplesmente por sua maneira de tocar, ou seja, suas habilidades como instrumentista. No início éramos todos estudantes secundaristas, universitários ou pré-universitários.

Isso quer dizer que é preferível você ter uma equipe mediana, mas que cumpra sua missão, do que ter um grupo fantástico, tecnicamente, mas irresponsável no cumprimento de horários, comportamento, entre outros aspectos. Nunca nos arrependemos de ter mantido este sistema. Tivemos sempre uma equipe de pessoas que “jogava para o time”.

Inadmissível se falar em um grupo musical, tecer comentários sobre uma etapa inesquecível de nossa vida, sem mencionar inicialmente aquelas pessoas que estiveram no mesmo barco que nós, desempenhando suas funções com dignidade, esforço, sacrifício e amor pela música.

Abaixo, em ordem alfabética, estão os músicos e colaboradores que tivemos em nossa vida musical, com breves comentários sobre cada um deles.

Adalberto Pereira Lima – guitarrista-base e posteriormente tecladista. Meu primo, amigo e cunhado. Teve seu ingresso no Big Brasa a partir de 1968, quando chegou a Fortaleza, para estudar,  um ano depois de nossa estada em Balsas, na época uma pequena cidade do sul do Maranhão. Preparou-se para ingressar no conjunto, aprendendo violão. Ao chegar, logo assumiu a função de guitarrista-base. Após algum tempo, em vista da necessidade do próprio conjunto em razão da falta de tecladistas, passou a tocar órgão eletrônico, instrumento que aprendeu rapidamente e desempenhou de forma bastante satisfatória.

O Adalberto fez parte da espinha dorsal do conjunto por muito tempo. Além de tocar no conjunto, dirigia com grande habilidade, dividindo comigo a responsabilidade de levar e trazer “numa boa” todo o grupo para as viagens que fazíamos. Passamos por inúmeras situações difíceis, ao volante, mas graças a Deus sempre nos saímos bem.

Hoje em dia é engenheiro agrônomo, reside em Balsas, e exerce atualmente função pública de Chefia no Instituto de Terras do Maranhão (ITERMA). Além disso é também professor de Química e Biologia na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).

Airton França - “Torinha” - pistonista. Chegou ao Big Brasa com bastante experiência musical, visto que tinha integrado outros conjuntos e também estudado música na Banda do Colégio Pia Marta, liderado pelo padre Luiz Rebufinni. Foi apresentado ao conjunto pelo Adalberto, que o conheceu na Universidade Federal do Ceará (UFC). Possuidor de um sopro muito forte, tirava sons legais no piston e tinha ótimo tino musical para os arranjos. A sua atuação agradou tanto à direção do conjunto quanto ao público em todas as apresentações que fez. Foi uma boa companhia para todos nós, particularmente para o Mairton, também pistonista, sobre o qual exercia certa influência. Sempre foi muito responsável e de conduta irrepreensível, jamais criando qualquer espécie de problema para o grupo. Apesar de ter um pouco mais idade do que eu e experiência musical anterior, sempre respeitou o princípio de liderança de minha parte em relação ao grupo. No que se refere a parte musical, trouxe muito enriquecimento para os arranjos, com os duetos de piston com o Mairton. O Airton, além das qualidades acima mencionadas, demonstrou seu reconhecimento pelo convívio com a nossa família e ainda hoje o demonstra quando faz os melhores elogios e trata muito bem os meus pais. Na atualidade é engenheiro civil e empresário.

Amaury Pontes - “Tijibu” - bigu. Exerceu essa função conosco por algum tempo e sempre ajudou bastante o Big Brasa. Muitas vezes chegamos a fazer manutenções completas em nosso equipamento, preparando o material para que tudo desse certo nas tocatas. Mais tarde, enquanto ainda acompanhava o conjunto, conseguiu também empregar-se com o Augusto Borges, apresentador do Show do Mercantil. O Amaury é nosso amigo e vizinho até hoje, em Messejana. Atualmente trabalha como câmera-man na TV Ceará (TVC), antiga TV Educativa.

Armando - cantor. Gente boa, simpático e de fácil relacionamento. Participou do Big Brasa, como cantor, durante um carnaval realizado em Cascavel. Depois passou a integrar  o grupo “Alta Tensão”, que chegou a gravar e a viajar até pelo exterior. Bom profissional, ainda trabalha com seu grupo no Pirata, casa noturna de Fortaleza, conhecida no Brasil inteiro por suas festas animadíssimas às segundas-feiras.  

Carlomagno Pereira Lima - “Carló” – contrabaixista e vocalista do grupo. Meu primo, amigo e cunhado. Iniciou no conjunto tocando guitarra, mas fazendo o papel de contrabaixista, visto que nos primeiros meses o Big Brasa não tinha contrabaixo. O Carló, em um breve período, exerceu também a função de cantor do conjunto. Durante sua permanência, também fez parte da chamada “espinha dorsal” do grupo. Moramos juntos por muito tempo e o considero como mais um irmão. Participamos de diversos momentos da juventude juntos, vivendo praticamente as mesmas emoções. Teve que nos deixar em virtude de ir cursar a faculdade na Escola de Agronomia de Mossoró, no Rio Grande do Norte, onde se formou. Desenvolveu posteriormente projetos agrícolas em Balsas. Há algum tempo assumiu a direção técnica da Televisão Rio Balsas, afiliada da Rede Globo, emissora pertencente ao nosso amigo Francisco Coelho, hoje deputado federal. Nesse período participou de diversos cursos sobre televisão, no eixo Rio-São Paulo tornando-se um expert no assunto. O Carló, além dessas habilidades técnicas para eletrônica, ainda é professor de Matemática e de Física da UEMA. Entretanto, nunca parou com a música. Sempre que pode está com seu violão e sua voz para animar os amigos. Gosta demais de uma seresta, de compor e é um amante da boemia por excelência.      

Castorino - Francisco Jorge da Silva Rodrigues - bigu. Da época da sociedade com o conjunto musical “Os Faraós”. O Castorino era totalmente pirado. Pequenino, usava cabelos bem longos e dançava o tempo todo no palco, fazendo trejeitos e mil palhaçadas. Certa noite, em um baile, levou um tremendo choque na mesa de luz e efeitos quando foi rearmar uma “bomba de fumaça” e a corrente elétrica ainda estava ligada aos contatos. Todos nós achamos muita graça dele. Ele também riu, mas somente depois de ter se recuperado daquela “cacetada”.

Cefas - saxofonista. Natural de Ipaumirim, interior cearense, integrou o conjunto durante algum tempo. A princípio, tinha grande dificuldade para improvisar, e eu tive que ensinar “improvisos” para que ele os fizesse em algumas músicas. Inocentemente, por causa de seu jeitão de matuto, me fez passar pequenos vexames. Um deles, quando puxou bruscamente uma colega nossa pelo braço até que ela parasse, para perguntar:

 - Esse cheiro é teu? Referindo-se ao perfume da garota.

Outra vez, no Clube dos Diários, quando distraidamente, em frente a uma das caixas de som, coçava “aquilo” na frente do palco. E por último, no Clube Líbano, quando tocava “Saxofone por que choras”, bem na frente do palco e durante a música ficou com o nariz entupido. Não contou conversa. Afastou rapidamente o saxofone da boca e tapando uma das narinas com um dedo, soprou fortemente. Naquela hora, o “pombo sem asa” saiu voando velozmente até o chão. Que vergonha... Eu fiquei sem saber para onde olhar, naquele momento. Apesar desses pequenos deslizes, era gente boa, brincalhão e fácil de lidar. Sabia tudo sobre a história da II Guerra Mundial e era fascinado por Hitler. Soube que ainda  hoje é saxofonista em Ipaumirim.

Francisco Alves da Silva – “Chico da Mazé” - bigu. Vizinho nosso, participou das primeiras apresentações do Big Brasa, como pandeirista, e depois foi nosso bigu. Nos ajudou por um período relativamente pequeno. Um dia conseguiu a “proeza” de esquecer o suporte do tarol para uma festa, por não conferir o material acertadamente. Hoje encontra-se em São Paulo.

César Barreto - Guitarrista-base e principal vocalista do excelente conjunto musical “Os Rataplans”, que marcou presença acentuada em Fortaleza nos Anos Dourados. Meu grande amigo pessoal de longas datas, desde a infância, posso afirmar até mesmo que temos vínculos familiares. O César me transmitiu ensinamentos, com sua simplicidade, sobre os primeiros passos na música, a partir da estréia do conjunto Big Brasa. Juntos participamos de diversos eventos musicais, tanto em Fortaleza e no interior cearense, quanto em outros Estados. Além de ser um músico de primeira categoria, o César também é compositor, com quatro ótimos discos gravados. Privilegiado por um elevado “quociente emocional”, mantém bons relacionamentos em diversas áreas de atuação. Tem participação ativa na vida cultural da cidade até hoje, na imprensa escrita, no rádio e também na televisão cearense, além de diversos projetos musicais que desenvolveu em sua carreira. Costumo dizer que o César possui uma memória realmente fantástica, pois consegue armazenar facilmente uma enorme quantidade de letras de músicas, poemas, versos, piadas e histórias de todos os tipos. Mantém em sua residência vários instrumentos e acessórios musicais de qualidade para seus ensaios, gravações e shows. Formou-se em Direito ainda na época do conjunto “Os Rataplans” e há tempos é advogado do Tribunal de Contas do Estado. É também professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Faz tudo isso mas não esquece nem um minuto a música...  

José Cláudio Pereira Viana - contrabaixista. Bom músico e companheiro, sempre aplicado nos ensaios ao aprimorar suas técnicas. Nos acompanhou durante todos os shows da temporada do Ednardo, cantor e compositor cearense, no Maranhão e no Piauí. Ao chegarmos um dia em uma cidade do interior do Estado, após instalarmos primeiramente o equipamento no clube, como era de costume, fomos jantar em uma pensão daquelas bem ruins. O Cláudio, nessa hora, encontrou logo uma barata em cima de uma cama, quando voltava do banho. Mas o pior estava por chegar: na hora do jantar, a dona da pensão colocou cinco pratos feitos para nós, os conhecidos “PF”. No meio da mesa havia uma garrafa de molho de pimenta, e ele perguntou para se aquele molho era forte. Ela respondeu que sim. Ele resolveu “testar” e encharcou seu prato. Lascou-se completamente, do “primeiro ao quinto”, com se diz no jogo do bicho, pois a pimenta era tinindo e ele não teve a menor condição de comer nada, inutilizando assim a sua própria alimentação. Foi uma gozação geral por parte do grupo e ele acabou passando a noite inteira sofrendo, pela falta daquelas calorias. O Cláudio formou-se em Odontologia e desenvolve sua atividades profissionais em Fortaleza. 

Colares - Por algum tempo, nos anos iniciais, foi algumas vezes motorista do Big Brasa, tanto em Fortaleza quanto no interior do Estado. Além disso, indiretamente protegia nossa turma por ser um policial civil. Imprimia respeito pelo seu porte e, mais ainda, por ser um “tira”. Foi o Colares que, por ficar sabendo de meu gosto por armas, informalmente me transmitiu os fundamentos teóricos e as primeiras lições práticas de tiro de defesa com armas curtas.

David - vocalista e ritmista. O David pertencia a nossa turma de amigos de Messejana. Ficou no conjunto durante alguns meses do seu primeiro ano. Antes do Big Brasa ser formado, participava ativamente das alegres serenatas para as nossas paqueras, colegas e namoradas do distrito. Possuía um repertório bem atual e também ajudava a parte rítmica com um pandeirinho. Formou-se em Medicina e reside em São Paulo.

João Dummar Filho - guitarrista e vocalista. O nosso amigo Dummar, também excelente compositor, esteve com o Big Brasa em seu início. Chegou até a viajar para Balsas com o conjunto, naquela inesquecível temporada, e participou de muitos bailes em Fortaleza. Enriqueceu o Big Brasa não só com a sua voz, mas também com sua maneira vibrante de tocar e de cantar. O Dummar se empolgava muito quando cantava, sentindo a música e transmitindo sua vibração para todos os demais. Uma se suas características marcantes era a forte “batida” que fazia ao violão e guitarra. Muito inteligente, simples, possuidor de um carisma especial e apreciador de conversas sobre música, temas espirituais e esotéricos. Além de continuar a compor, escreveu também um livro de poesias. Atualmente, tem como sua atividade principal a Medicina e possui uma clínica em Fortaleza.

Edson Belém - guitarrista. Seu repertório tinha músicas muito animadas. Cantava, entre outras, “Cabelos Longos e Idéias Curtas” de forma especial, com expressões corporais divertidas,  de vez em quando fazia como se estivesse chutando uma bola ou coisa parecida e jogava a perna para o ar.  Apesar do pouco tempo que esteve com o grupo, marcou sua presença. Soube  que ele esteve na França, a serviço, por algum tempo.

Edson Girão Rios - guitarrista-base e vocalista. Grande companheiro e amigo. Excelente e criterioso músico, apreciador e conhecedor de muita harmonia musical, além de possuir um ótimo e variado repertório. Detalhista ao extremo, meticuloso. Se um acorde qualquer não estivesse certo, inserido na hora exata, tínhamos que ensaiar tudo de novo. Às vezes até chegava a exagerar, pensávamos. Isso porque desejava fazer tudo bem feito. Sempre muito zeloso com o seu instrumento, preocupava-se também com a aparência geral de todo o conjunto. O Edson foi um dos participantes do Big Brasa que ficaram mais íntimos lá em casa. Hoje em dia continua atuando com grande destaque na noite cearense.

Edmundo Reis Bessa - Edi - baterista. Carinhosamente apelidado por nós de “Peito de Pombo”.  O Edi foi indicado para o conjunto em face da saída do Severino, por motivos profissionais. Em um dos “festivais”, ou seja, bailes animados por dois ou três conjuntos, muito comuns na época, no Líbano, Diários e outros clubes de Fortaleza, encontramos o Edi tocando com o conjunto musical “Os Monkeys”. Ele estava desmontando sua bateria, vestido com uma camiseta do Flamengo, todo suado, com barba grande e tudo a que tem direito. O meu pai, ao ver aquela figura, totalmente ao contrário do que ele imaginava ser “certo”, perguntou para mim, com jeito de quem comeu e não gostou:

- João Ribeiro, é este o rapaz que você falou? Perguntou, decepcionado. Ao que eu respondi afirmativamente, dizendo:

- É sim, pai, o cara é esse aí mesmo. Toca bateria muito bem e, segundo me disseram, é uma pessoa bastante responsável. Resultado, o Edi veio para o Big Brasa e chegou para ficar. Excelente profissional, respeitador, amigo, “topador” de qualquer parada. Hoje, de vez em quando é citado como exemplo, pelo Mestre Alberto, de que “as aparências enganam”, como diz aquele ditado. Atualmente o Edi é comerciante, professor de Matemática e dirigente de uma Escola de 1º e 2º Graus em Cascavel, Ceará.

Eudes - Francisco Ferreira Filho - baterista. Pertencia ao conjunto “Os Belgas”. Esteve no Big Brasa cumprindo algumas funções em substituição ao nosso baterista, impossibilitado por motivo de força maior. Todas as vezes que se apresentou com o conjunto fez muito sucesso. Chamava realmente a atenção por sua agilidade e malabarismos com o seu instrumento. Excelente profissional, que infelizmente já nos deixou.

Fernando - “Galba” – motorista. Trabalhou conosco muito tempo. Conhecemos o “Seu” Fernando na pracinha de Messejana, onde pegava corridas com sua rural, sempre muito bem cuidada. Era zeloso com nosso material, cumpria sempre à risca os horários determinados, e nos ajudava em tudo que podia. Nas viagens a turma tirava o maior “sarro” dele. Brincava-se demais com o “Galba”, apelido dado pelo Adalberto.   

Fernando  - “Café Copa” - contrabaixista. Revendedor de uma marca de café, dirigia uma Kombi, fazendo suas rotas em bairros de Fortaleza e no interior do Ceará. Daí o seu apelido. Participou do Big Brasa por ocasião de alguns bailes carnavalescos, intermediando um contrato para quatro bailes de carnaval em Cascavel. Versátil, sabia também tocar guitarra e cantar. Era um camarada muito divertido e gozador, brincava com tudo e com todos.

Getúlio Alberto Ribeiro da Silva – meu irmão e mascote do Big Brasa. A presença do Getúlio com seus cabelos grandes, embora ainda criança, tocando um pandeirinho, causava grande admiração por estar entre um grupo de música jovem. Nos primeiros anos de existência do conjunto tinha seu próprio fã-clube. Acompanhou o Big Brasa na temporada de Caxias, Estado do Maranhão, onde fez um sucesso enorme com o público em geral e em diversos bailes realizados em Fortaleza.

João Ribeiro da Silva Neto - Beiró - guitarrista-solo, tecladista e vocalista. Vocalista apenas em back-vocal, com se diz hoje. Desde novo estudei música e dediquei-me à profissão com todo o entusiasmo possível.  Como guitarrista-solo do conjunto sempre procurei “tirar” de meu instrumento todos os sons possíveis. E tentava os sons “impossíveis” com a auxílio de pedais de efeitos diversos. Pelos solos, efeitos e improvisos agressivos, cheguei a ser considerado um dos melhores guitarristas do Norte e Nordeste, segundo comentários da imprensa local sobre o meio artístico e publicação da TV Rádio e Revista. Em um dos shows do cantor Ednardo, no Teatro José de Alencar, lembro que fui muito aplaudido por um dos improvisos na guitarra. Meu objetivo principal foi o profissionalismo: ser um músico correto, tanto com meus companheiros quanto com o público em geral. Sempre busquei o aprimoramento das técnicas musicais, procurando fazer o melhor possível dentro das possibilidades existentes. O que hoje em dia se chama de “Qualidade Total”, cujo princípio é, “fazer certo da primeira vez”, eu, por intuição, procurava empregar no Big Brasa naquela época.

João Sales Filho – “Joãozinho”, oLennon”. Guitarrista, tecladista e cantor. Ingressou no Big Brasa através da indicação de um amigo. Em seu primeiro ensaio facilmente adaptou-se ao grupo. Cantava um repertório variado, sempre com músicas de sucesso. De relacionamento fácil, o Joãozinho integrou-se bem ao nosso grupo musical. Com a aquisição do primeiro órgão eletrônico, interessou-se pelo instrumento e  aprendeu alguns acordes rapidamente, o suficiente para que passasse a tocá-lo. Depois desenvolveu sua harmonia, acompanhando as músicas com bastante desenvoltura.

Lurdinha - vocalista. Participou do conjunto por uns dois anos. Com sua bonita voz pudemos diversificar nosso repertório com mais sambas e forrós. Tinha muita presença em palco, possuía técnica vocal e sabia se apresentar como uma verdadeira cantora profissional. Suas músicas sempre animavam muito os bailes. A Lurdinha fez muito sucesso nas festas tocadas pelo Big Brasa, em Fortaleza e no interior do Estado. Foi a única presença feminina em nosso grupo.

Luciano Franco - contrabaixista. Excelente músico, profissional correto e amigo de todos. Além de tocar contrabaixo,  também é um ótimo tecladista. Sempre muito calmo e alegre, fazia uma harmonia super completa. Por sua ótima percepção, além da marcação baseada nos acordes convencionais, feita no contrabaixo, às vezes conseguia fazer variações espetaculares e alcançar notas incríveis, logo incorporadas aos arranjos musicais do Big Brasa. Participou conosco de muitos bailes e de diversos programas Show do Mercantil, na TV Ceará.

Lucius Maia Araújo - contrabaixista e vocalista. Manteve seus primeiros contatos com o conjunto no Clube Recreio do Funcionário e depois no América Futebol Clube, quando cantou “Taxman”, dos Beatles. Com sua boa voz e inglês fluente não admitia cantar uma música em que uma só palavra estivesse em dúvida. Isto porque naquele tempo as letras das músicas quase sempre tinham que ser copiadas do próprio disco. De gosto musical refinado, escolheu músicas que enriqueceram o repertório do Big Brasa por longo tempo. Tinha muitos discos e neles pesquisava para montar seu repertório.

Luiz Antônio Alencar - O “Peninha” - guitarrista-base e vocalista. Aficionado por música, em especial pelos rocks pesados dos “Rolling Stones” e pela música dos Beatles, dentre outros grupos famosos. Destacou-se no conjunto por seu repertório de músicas em inglês, as quais na maioria das vezes, o Big Brasa as usava nos momentos em que os bailes estavam precisando de maior animação. Muito inteligente, aprendeu inglês ainda cedo. A origem do apelido “Peninha”, evidentemente, foi em virtude de ele ser “um pouco” desastrado com os equipamentos, cabos e tudo mais.

Nas viagens do conjunto sempre tinha uma imitação para fazer, como a daquele personagem da televisão “Zé Bonitinho”. Imitava também até mesmo seus próprios parentes, o que para nossa turma funcionava muito bem.  Gozador ao extremo, chegava a irritar o Getúlio, ao cantarolar uma simples introdução de uma música que ele não gostava.

Seu ingresso no Big Brasa ocorreu durante a realização de um pequeno festival na sede do Messejana, em um domingo à noite, organizado pela paróquia local. Ele cantou Penny Lane e todos ficamos entusiasmados no sentido de que ingressasse no Big Brasa.

Por simples piração, houve um dia em que o Peninha faltou uma festa de término de curso, que o Big Brasa animou no Clube de Regatas. Foi encontrado na mesma noite tocando no Clube Líbano, com outro grupo. Muita vergonha e dificuldade para nós, pois o repertório do Big Brasa estava quase todo nas mãos dele e eu tive que solar praticamente a noite inteira, melancolicamente. Nem é bom lembrar, foi um fracasso. Por esse fato, na semana seguinte quase “decapitamos” o Peninha ...

Em outra ocasião, no Balneário, ficou tão empolgado com a música e com a platéia, que começou a girar seu microfone, segurando-o apenas pelo cabo. Quando eu vi aquela cena, do outro lado do palco, me preparei para o pior, visto que se o cabo ou o plug se rompessem o microfone sairia voando a uns mil por hora e poderia atingir alguém de maneira fatal. Dito e feito. O cabo chegou a quebrar e eu pude ver toda a trajetória daquele pobre microfone, que por pura sorte nossa e das eventuais vítimas, atravessou o palco e chocou-se violentamente no suporte do prato da bateria, que amorteceu o impacto.

Luis Alberto Magalhães - Luisinho - vocalista e guitarrista-solo e líder do excelente conjunto musical “Os Faraós”, formado por quatro irmãos (Vicente, Antônio, Sebastião e o próprio Luis), fez muito sucesso em Fortaleza na mesma época em que existiu o Big Brasa. Participamos juntos (Big Brasa e Faraós) de vários “festivais”, motivos de intensa publicidade e repercussão em Fortaleza.

Com sua excelente voz, o Luisinho conseguia interpretar os maiores sucessos internacionais e nacionais do momento empolgando a todos. O som de sua guitarra-solo era característico, pois eu podia saber perfeitamente quando ele estava tocando, mesmo antes de entrar no clube. Sempre muito assediado por fãs, até a dissolução do seu grupo. Mais tarde um pouco nos unimos por mais ou menos três anos em uma sociedade - “Big Brasa” e “Faraós”, onde eu participava como tecladista, sendo nosso trabalho musical bastante reconhecido pela boa qualidade do repertório, arranjos e principalmente pelos inúmeros equipamentos e efeitos especiais que utilizávamos, sempre impressionando com novidades a todos que nos assistiam. Posteriormente iniciou sua carreira solo, mais uma vez obtendo merecido sucesso em Fortaleza. Atualmente o Luisinho desenvolve seu trabalho musical à frente de um novo grupo musical -“Luisinho Magalhães e Banda”- muito solicitado para os principais eventos musicais da cidade. 

Marcos Oriá - guitarrista-base e vocalista. Participou ativamente do conjunto durante o seu  primeiro ano de existência. Colaborou também na formação de nosso primeiro repertório, sempre com sugestões musicais de bom gosto. Cantava boa parte das músicas. Foi quem desenhou e pintou o nome “BIG BRASA” em nossa primeira bateria. Viajou com o Big Brasa na temporada de Balsas e de Teresina. O Marcos Oriá é formado em Direito.

Mardônio - vocalista. Participou do conjunto em um período por um bom tempo. Bom cantor, apresentava-se sempre muito bem, gostava de aprender logo as músicas de sucesso e tinha postura de um verdadeiro artista. Sempre manteve um bom relacionamento com todo o grupo. Muito brincalhão, com seu cabelo comprido, fazia trejeitos de todos os tipos e às vezes até imitava um “gay”. Isso também em pleno palco, o que fez no Náutico Atlético Cearense, em um baile de formatura, quando em uma pausa na música “Pisa na barata”, tirou o sapato e ficou correndo na frente de todo mundo, desceu até o salão, tentando matar uma barata por ele inventada.  Depois recomeçou a música normalmente. Como sua brincadeira foi um verdadeiro sucesso e a turma curtiu muito, passou a repeti-la em outros clubes. Posteriormente o Mardônio continuou sua carreira artística. Chegou a trabalhar como cantor em diversas casas noturnas de São Paulo e conseguiu gravar alguns discos.

Mairton Vitor dos Santos - pistonista. Excelente instrumentista, contribuiu de forma valiosa para o enriquecimento musical do conjunto. Foi trazido para o Big Brasa por seu amigo Airton França, visto que tinham sido criados juntos e tocado anteriormente em outros grupos e na banda de música do Colégio Pia Marta. Em Cascavel, durante um dos bailes carnavalescos que ali tocamos, ao entrar no clube, pouco antes do horário de iniciarmos a festa, e com uma fantasia completa de palhaço, disse para o porteiro: “O pistonista do conjunto é um verdadeiro palhaço”, ao que  o cara riu muito na hora. Muitas vezes, no retorno dos bailes tocados no interior, para Fortaleza, parávamos em bares ou pequenos restaurantes de beira de estrada para tomar o café da manhã. Ele então, descia do carro com a cara toda amassada, de quem realmente trabalhou a noite inteira, sentava-se ao lado de todos e, enquanto nós tomávamos café com leite, pão, pedia para o garçom, com sua voz rouca e grave:

- Traz uma cervejinha aí, cara.

Então tomava apenas uns poucos goles, como seu café da manhã. Ao final levantava-se para sair, e olhando para o Airton dizia:

- Torinha, paga aí que depois a gente acerta! E voltava para o carro. Todo mundo achava graça e mais ainda o próprio Airton, que mesmo pagando as contas do amigo nunca chegou a esquentar a cabeça com aquilo.

O Mairton atualmente é o líder da banda “Sonhos Dourados”, que marca presença significativa nos principais eventos musicais de Fortaleza.

José Marcílio Mendonça Ferreira - excelente músico e companheiro. Participou de um carnaval com o Big Brasa em Cascavel, como cantor. Como vocalista e instrumentista, por um longo período fez parte do Quinteto Agreste, grupo que conseguiu muito sucesso em Fortaleza durante sua existência. Atualmente o Marcílio é proprietário e coordenador musical de um ótimo e bem sucedido estúdio de gravações digitais de Fortaleza, o “Proaudio Studio”, que possui equipamentos de gravação modernos, de última geração.

Messias - saxofonista. Bom músico, de sopro forte e muita resistência. Participou, como músico contratado, de dois carnavais com o Big Brasa. Em Cascavel, durante um dos últimos bailes, quando chovia muito em toda a cidade e o clube enfrentava um verdadeiro “toró”, nosso pistonista baqueou na parte final da festa. Ele então ao se ver sozinho como instrumentista de sopro, desceu do palco repentinamente e desapareceu na multidão sem avisar nada. Como o baile ainda estava na metade, eu fiquei muito apreensivo, visto que teria que ficar o resto da noite solando as músicas no órgão juntamente com o cantor, nada agradável para uma orquestra de carnaval. Mas para minha surpresa, o Messias retornou instantes depois, aparecendo de repente no palco, todo molhado e somente de calção. Aí eu pensei que ele tinha ficado maluco, mas não. Ele pegou o sax, nele afixou um microfone, e gesticulou para mim no sentido de que dali para a frente seria com ele, ou seja, iria comandar o repertório. E assim foi, o cara se garantiu mesmo. Solo após solo, com muita resistência, ele foi até o final da festa.

Sérgio Alves da Silva - bigu. Nosso vizinho até bem pouco tempo, ainda mora em Messejana e continua nosso amigo. O Sérgio, além de ter sido meu colega de infância, companheiro de jogo de futebol de botão, de campo, e também de um “carteado” nas férias, teve longa permanência no Big Brasa. Esteve presente tanto nas funções realizadas em Fortaleza, quanto no interior do Estado. Aprendeu a controlar e a conferir todo o material do conjunto de maneira que não faltasse nada. Eram muitas caixas de som, amplificadores, cabos e acessórios diversos que não podiam faltar. Por vezes ficamos juntos até o sol raiar, para transportar nosso equipamento para casa.

Inúmeras vezes o Sérgio também me ajudou a reformar e a executar manutenções periódicas nos equipamentos do conjunto, além de me auxiliar em funções musicais diversas em Fortaleza, como casamentos e recepções. Às vezes tinha um problema de deslocar a omoplata e quando isso acontecia, por mau jeito ou muito esforço, tínhamos que colocar o braço dele de volta “na marra”. Foi operador de microfone, câmera-man e atualmente é operador de áudio na TV Educativa, hoje TV Ceará (TVC).

Severino Tavares, “Ziglim” - baterista.  Quando nós ainda estávamos por definir qual seria o nome do conjunto, para que pudéssemos pintá-lo na bateria e fazer nossa estréia no Balneário, em uma conversa entre nós ele disse: “Big Brasa”. O pessoal se entreolhou naquele momento, porque vários nomes já tinham sido sugeridos, mas houve aprovação geral. O Severino ingressou no conjunto no seu início. Desenvolveu suas habilidades na bateria pouco a pouco e com o passar do tempo firmou-se como um baterista que tocava “para o conjunto”, isto é, talvez por não possuir muita técnica, limitava-se a fazer tudo certinho, conforme os ensaios. Uma das dificuldades de um conjunto consiste na passagem de uma música para outra. Convencionamos então um único “breque”, feito pela bateria, que daria a entrada de todas as músicas, variando apenas o andamento, a velocidade. 

Silvino – vocalista. Grande amigo de todos, brincalhão, uma figura simpática e agradável. Em seu repertório sempre diversas músicas animadas. Com seu excelente timbre de voz, gostava das músicas do Tim Maia. Participou de inúmeras apresentações com o Big Brasa, integrando posteriormente o grupo vocal “The Sangue Súgares”, de Fortaleza.

Wilson Silvino de Moura - saxofonista. Participou do Big Brasa em uma boa fase. Gente fina, simples, respeitador e amigo. Com seu saxofone tenor, sabia improvisar e tinha um sopro suave. Executava algumas músicas também como solista. Após ter deixado o conjunto prestou concurso público para a Polícia Federal, onde trabalhou até se aposentar. Há algum tempo, eu vi uma fotografia em um jornal que mostrava alguns agentes federais que tinham feito uma grande apreensão de drogas em Tianguá. Pois o Silvino aparecia nessa foto, empunhando uma submetralhadora, numa posição característica, como se estivesse segurando o seu sax. Liguei para ele no dia seguinte e lhe mandei um recorte da tal foto, comentando o detalhe observado. Na oportunidade me disse que ainda tocava sax e que inclusive estava aperfeiçoando sua prática em teclados.  

Estes foram os músicos e colaboradores que marcaram presença no conjunto Big Brasa e em minha vida musical. Quisera eu possuir fotografias de todos, para aqui deixá-las registradas. Tenho certeza absoluta que todos guardam boas recordações do período que estivemos juntos. Dos bons e até mesmo de algumas momentos difíceis que atravessamos, visto que a nossa união por um objetivo único - a Música - é que fez o Big Brasa brilhar em Fortaleza, deixando esse nome bem guardado na memória de muitas pessoas. Foram inúmeras apresentações onde o grupo inteiro deixou sua marca de competência, de interesse e de responsabilidade pelo trabalho, dignificando e sempre honrando a profissão de músico.

Passados praticamente trinta anos do início desse maravilhoso período, restam as agradáveis lembranças de tudo que ocorreu em nossa vida musical e agradecer a Deus por ter participado destes momentos inesquecíveis.

 

                                            João Ribeiro da Silva Neto - O BIG BRASA E MINHA VIDA MUSICAL (1999) - Lembranças de um período inesquecível