Vida noturna no centro de Fortaleza

 

 

 

Os Anos Dourados

 

No início da década de 60, era possível ficar conversando na Praça do Ferreira até altas horas. Violência e assalto só se via nas revistas em quadrinhos, no cinema e na incipiente TV Ceará Canal 2, a única emissora de televisão na época com programação limitada a algumas horas do horário noturno, e diga-se de passagem, possuir televisor era um luxo de poucos.

 

Tomemos por base um sábado à noite, pois na época a sexta-feira ainda não era bem inserida nos roteiros recreativos noturnos. O centro de Fortaleza era rico em cinemas, bares e boates na época, boates leia-se cabarés meio chiques, que eram sutilmente denominados casas de recurso e casas de tolerância. O esquema era o seguinte- geralmente o centro era cheio de cinemas como já se disse com nomes que ficaram na memória de quem viveu àqueles anos tranqüilos - São Luiz, Moderno, Majestic, Diogo, Jangada, Samburá, Cine Art, que tinham sempre uma última sessão às nove da noite, terminando por volta de dez e meia, onze horas.

 

Nesse horário, moça de família não ficava no meio da rua, de modo que o público da última sessão era geralmente masculino, a não ser que a jovem estivesse acompanhada de familiares geralmente como escolta do namorado, e, bem, terminada a sessão tinha que tocar direto pra casa. Assim a maioria dos frequentadores da últimas sessões eram homens, que ou moravam pelo centro mesmo, ou pegariam o último ônibus para casa, ou então iriam perambular pelo centro, com direito a ficar conversando nos bancos da Praça do Ferreira até a hora que quisesse.

 

Naquela época, Fortaleza ainda era uma cidade meio provinciana com cerca de 500 mil habitantes, e o comércio ocupava um espaço bem privilegiado no centro, de modo que não havia ainda a autonomia dos bairros. Vai comprar alguma coisa? É só ir ao centro, era a regra de então. A área central acolhia também residências, valendo salientar um detalhe- se podia andar tranquilamente qualquer hora da noite, já que ninguém mexia com ninguém.

 

A Praça do Ferreira tinha uma estrutura bem aconchegante com árvores, luzes amarelas, a Coluna da Hora e o Abrigo Central, uma espécie de avô dos atuais shoppings,uma área coberta que reunia cafés, lojinhas e barzinhos, que geralmente recebiam os boêmios que resolviam começar a noite,ou então um ou outro frequentador das últimas sessões dos cinemas, que lá iam pegar um lanche, ou uma merenda, como se falava na época. O abrigo foi derrubado nos anos 60, como último reduto da memória de uma Fortaleza ainda com um gostinho de cidade do interior.

 

Quem queria esticar a noite, ou ia para os barzinhos, ou então para as boates com nomes arquivados na memória de quem as freqüentou - Fascinação, Oitenta, Graça, Gaguinha, não necessariamente para pegar uma mulher, mas para ouvir música ao vivo, tomar uma cuba-libre, rum com coca cola, em suma- fazer uma horinha. Na hora que quisesse, era só ir andando sossegadamente para a casa, caso morasse ali por perto, e caso encontrasse alguém na rua, essa mesma pessoa era motivo de conforto e companhia. A noite de Fortaleza inspirava poesia, devaneios boêmios e muita paz, atributos tangidos pela brisa vinda do mar e aconchegados pelo silêncio infinito através do qual o pensamento ouve todas as vozes. Quem não viveu essa realidade mágica, sente saudades de um tempo que não viveu.

 

 

Luiz Antônio Alencar, Peninha- Eterno Big Brasa, músico e jornalista.

 

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