Cangaço e Cangaceiros
De acordo com folcloristas, cangaço vem da palavra canga, o conjunto de arreios usados para amarrar o boi ao carro – é provável que o termo tenha sido utilizado porque os bandoleiros usavam espingardas a tiracolo ou com correias cruzadas no peito, lembrando o boi no jugo. Já em 1834, são registradas as primeiras descrições dos bandos que ficaram conhecidos por cangaceiros: chapéu de couro, clavinotes, cartucheiras de pele de onça pintada, longas facas enterçadas, batendo nas pernas, praticamente a mesma indumentária de Lampião.
Virginio Fortunato vulgo Moderno (no centro) era cunhado de Lampião e liderou seu próprio grupo. Era casado com Durvinha, com quem teve dois filhos.
imagem - http://blogdomendesemendes.blogspot.com.br
Bandidos errantes sempre existiram por todo o país, desde o período Colonial – grupos de assaltantes de estradas que intranquilizavam os viajantes e eram sistematicamente combatidos pelas autoridades. O cangaço, contudo, foi um fenômeno típico da região Nordeste. A expressão designava os grupos armados sob a liderança de um chefe, que se mantinham nômades e autônomos, vivendo de assaltos e saques e não se ligando permanentemente a nenhuma liderança politica ou latifundiário.
No furo das balas ou no corte das lâminas, vários foram o poder das armas. Serviram a cangaceiros, e coronéis do sertão, a pistoleiros e policiais. Acervo do Museu do Ceará (foto Fátima Garcia)
Há quem veja os cangaceiros como espécies de Robin Hood dos sertões, tirando dos ricos e dando aos pobres. Bandoleiros como Antônio Silvino, que se autoproclamava o “governador dos sertões”, quando assaltava uma localidade, na maioria das vezes dava um passeio de braços dados com o prefeito ou o delegado de polícia, fazendo depois a bolsa, ou seja, coletava dinheiro entre os proprietários e comerciantes, ficando com a quantia da qual necessitavam e distribuindo o restante entre os populares.
Os cangaceiros obtinham apoio também pela coação e medo. Para os populares e coronéis as únicas alternativas eram ajudar os bandoleiros, ou então sofrer perseguições. Os bandos do cangaço eram extremamente brutais com quem os traía ou ajudava os inimigos. A simples suspeita já bastava para os atos de crueldade. Puniam não só os faltosos, mas também a família destes e até mesmo o povoado onde por acaso residisse.
O Punhal que pertenceu a Virgulino Ferreira, O Lampião, hoje faz parte do acervo do Museu do Ceará (foto Fátima Garcia)
punhais que pertenceram a cangaceiros, recuperados pelas volantes. Acervo do Museu do Ceará (foto Fátima Garcia)
Os cangaceiros eram mestres em sangrar pessoas, enfiando-lhes longos punhais entre a clavícula e o pescoço. Marcavam mulheres com ferro quente, arrancavam os olhos, cortavam línguas, orelhas, castravam homens, violências iguais às cometidas pelos policiais e as volantes. Estes, na ânsia de saber o rumo dos cangaceiros, realizavam crimes hediondos contra a população rural. Muitos policiais, no entanto, chegavam a vender armas e munição para cangaceiros ou se corrompiam, protegendo ou facilitando suas fugas. Sobre o comandante da expedição que matou Lampião em 1938, capitão João Bezerra, pesavam acusações desse tipo.
Cartaz do governo oferecendo 50 contos de reis de recompensa pela captura de Lampião. Uma pequena fortuna, na época. imagem do Blog do Nogueira disponível em - http://marcosnogueira-2.blogspot.com.br/2011/01/os-cangaceiros-de-verdade.html)
Os grupos de cangaceiros eram, em geral, pequenos, com três a dez homens no máximo, embora houvesse bandos maiores, como o do próprio Lampião, que chegou a reunir 100 componentes. Os grupos eram conhecidos pelo nome do chefe. Este selecionava os homens que entrariam no bando, armava-os, atribuía-lhes apelido e determinava as normas de comportamento. A palavra do chefe era inquestionável, sendo ele chamado de patrão. O chefe monopolizava os contatos com os coronéis, coiteiros, e fornecedores, era quem ficava com a maior parte dos recursos produzidos nas ações criminosas.
Entrando para o cangaço, o individuo dificilmente saía dele vivo. Mesmo o que se entregava, acabava morto por desafetos, parentes de suas vítimas ou pelos antigos companheiros, os quais temiam que os segredos do grupo fossem revelados. Quando capturados os cangaceiros eram sumariamente fuzilados, só conduzia-se para a cadeia um ou outro nome mais conhecido, como aconteceu com jararaca – José Leite Santana – baleado e preso no dia seguinte ao assalto malogrado à cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Depois de prestar minucioso depoimento, é levado para o cemitério e ali morto pela polícia.
Os cangaceiros não deixavam que a polícia avaliasse o resultado dos combates. Conduziam os mortos ou, na impossibilidade, cortavam-lhes as cabeças, dificultando a identificação. Quando assassinados pela polícia, esta igualmente decapitava os mortos, para comprovar o fato e receber as recompensas pagas pelas autoridades.
Foi o que ocorreu com o bando de Lampião. As cabeças do rei do cangaço e de mais onze companheiros foram colocadas em latas de querosene, cheias de sal grosso para conservá-las. Os corpos foram atirados num riacho seco. Mumificadas, as cabeças ficaram expostas no museu Nina Rodrigues, de Salvador, até 1969, quando familiares conseguiram autorização para fazer o sepultamento.
Dadá e Corisco.
Corisco sequestrou Sérgia Ribeiro da Silva, a Dadá, quando ela tinha apenas treze anos. Usou da força bruta para que a moça permanecesse com ele, e mais tarde o ódio se transformou em um grande afeto. Corisco ensinou Dadá a ler, escrever e usar armas, e permaneceu com ela até no dia de sua morte. Os dois tiveram sete filhos, mas apenas três deles sobreviveram.
Após a morte de Lampião em Angicos, em 1938, Corisco – Cristiano Gomes da Silva Clero – que não se encontrava naquela localidade e ocasião, assumiu a tarefa de vingar a morte do ex-chefe e amigo. Matou várias pessoas suspeitas de terem traído Virgulino Ferreira. Corisco chegou a enviar cinco cabeças num saco para o prefeito de Piranhas-AL. No ano de 1940, Corisco foi ferido e morto pela polícia – a sua mulher Dadá, sobreviveu, perdendo uma perna – A morte do Diabo Louro simbolicamente significou o fim do cangaço.
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Fátima Garcia
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