A inclusão através da arte

 

 

 

A inclusão através da arte: a experiência do grupo “Estrelas Silenciosas” da Escola Estadual Vicente Machado Menezes.

 

RESUMO: A Arte é um campo que possibilita descobertas, tornando-se um grande meio de inclusão social, pois por meio dela pode-se proporcionar o respeito e a valorização da diversidade e da singularidade de cada ser humano. Acreditando nisso, as cinco professoras da Educação Especial da Escola Estadual Vicente Machado Menezes, da cidade de Itabaiana, perceberam a necessidade de elaborar o projeto: Inclusarte na Educação: Grupo “Estrelas Silenciosas”, formado por vinte e três alunos surdos e seis alunos ouvintes da escola. Por meio do projeto se desenvolve atividades culturais através da dança e da música, proporcionando ao educando surdo a aquisição de conhecimentos necessários para sua formação integral. É um trabalho de conscientização e de inclusão do surdo no meio social, levando-os a serem reconhecidos dentro de sua própria identidade, vendo-os como pessoas capazes, diferentes e não deficientes.

 

INTRODUÇÃO

 

Atualmente, muitos alunos especiais têm superado limites por intermédio da Arte. Sendo ela um campo que possibilita descobertas, torna-se um grande meio de inclusão social, pois através dela pode-se proporcionar o respeito e a valorização da diversidade e da singularidade de cada ser humano. De acordo com BRASIL (2002, p.14):

 

O ensino da Arte oferece possibilidades relevantes na busca de caminhos efetivos para que todos os alunos, sobretudo aqueles com necessidades especiais, possam vivenciar expressões, contribuindo para a construção do conhecimento e o exercício pleno da cidadania, sem discriminações.

 

Dentro dessas possibilidades relevantes, pode-se citar que o ensino da arte desenvolve os cinco sentidos do ser humano e ao exercitá-los, a capacidade tátil, visual, corporal e auditiva é ampliada. A exploração desses sentidos é de fundamental importância para pessoa surda que tem uma língua de modalidade visual-espacial, a LIBRAS-Língua Brasileira de Sinais, necessitando, desta forma, da utilização do corpo, em especial da face e das mãos, para se comunicar com os ouvintes.

 

Então, é de fundamental importância realizar atividades que venham a desenvolver nos alunos surdos uma melhor exploração ao ver, ao tocar e, principalmente, ao se expressar utilizando o corpo. Assim, através da arte a escola pode proporcionar aos alunos um maior desenvolvimento cognitivo. Até porque, ela tem um papel fundamental na formação integral do indivíduo e deve, assim, diversificar suas atividades para valorizar o talento do aluno despertando nele o interesse pela prática da arte como forma de incentivo, a fim de minimizar atos de indisciplina e conseqüentemente a evasão escolar.

 

E por acreditar nisso, as professoras da Educação Especial da Escola Estadual Vicente Machado Menezes da cidade de Itabaiana, perceberam a necessidade de investir em atividades significativas, além das realizadas no cotidiano da sala de aula. Tais atividades visavam elevar a auto-estima dos alunos, bem como valorizar o potencial de cada um. Assim, elaboraram e realizam o projeto: Inclusarte na Educação: Grupo “Estrelas Silenciosas”, formado por alunos surdos e ouvintes da escola, que compartilham de um trabalho coletivo e, consequentemente, inclusivo.

 

Inicialmente, a formação deste grupo surgiu por iniciativa da professora Edna Maria que sentiu a necessidade de explorar as habilidades artísticas dos educandos de forma diversificada e integrada às atividades pedagógicas. Desta forma, em conjunto com as outras professoras envolvidas na educação de discentes surdos, planejaram atividades voltadas a explorar o potencial dos alunos, estimulando-os a prática da arte, com o intuito de minimizar, assim, a indisciplina, a ociosidade e a evasão escolar.

 

Em virtude dessa integração surge, em dezembro de 2001, o coral “Estrelas Silenciosas”, em sua primeira apresentação na própria escola a convite dos integrantes da Associação dos Universitários de Itabaiana (AUI). Em novembro de 2003, uma nova experiência foi vivida com a dança, deixando de ter a denominação de coral para Grupo “Estrelas Silenciosas”. Em poucos anos, o projeto já apresentou vários frutos, pois o grupo participou de vários eventos a convite de universidades, escolas, entidades particulares e outros, conquistando, assim, um espaço de destaque no âmbito educacional e social.

 

O objetivo geral do referido projeto é desenvolver atividades culturais através da dança e da música, proporcionando ao aluno surdo a aquisição de conhecimentos a respeito da cultura brasileira e o desenvolvimento da expressão gestual e corporal necessário para uma boa comunicação. Os objetivos específicos são: elevar a auto-estima do aluno; divulgar a LIBRAS- Língua Brasileira de Sinais como instrumento de comunicação da comunidade surda; ampliar o conhecimento da LIBRAS e Língua Portuguesa através do estudo das interpretações musicais; estimular  as potencialidades artísticas dos alunos; promover a interdisciplinaridade através dos conteúdos das músicas trabalhados em sala de aula; despertar a criatividade e desenvolver o trabalho coletivo incutindo o sentido à disciplina e à responsabilidade.

 

O DESENVOLVIMENTO DO PROJETO

 

A respeito da Arte os parâmetros curriculares nacionais nos falam que:

 

Desde o início da história da humanidade a arte esteve presente em praticamente todas as formações culturais. E, através de diferentes manifestações artísticas como a dança, a música, o teatro e dentre outras que sentimos e expressamos o que pensamos a respeito do mundo. (BRASIL, 1997, p. 21)

 

Ele estabelece quatro grandes áreas no ensino de Arte, dentre elas está a dança e a música. A respeito da dança, a revista “Nova Escola” (s/d. p. 38) enfatiza que:

 

Por meio da dança o aluno experimenta um meio de expressão diferente da palavra. Ao “falar” com o corpo, ele abre a possibilidade de conhecer a si mesmo de outra maneira e melhorar a sua auto-estima. O simples prazer de movimentar o corpo alivia o estresse diário e as tensões escolares. Para isso, é importante que o corpo não seja tratado como instrumento, mas como forma de comunicação.

 

Desta forma, a dança é uma maneira de comunicação que expressa compreensões individuais e sociais do mundo, como pensa Maria Fux: “A experiência do corpo é descobrir o ritmo interno por meio do qual se pode mobilizar a via de comunicação que há em seu interior”. (apud BRASIL, 2002. p. 21).

 

Assim, a dança possibilita ao educando trabalhar o ritmo musical, o movimento corporal, noções de espaço, entre outros. O trabalho com a dança, na área da educação, promove o conhecimento de cada pessoa sobre si mesma, no contato com o outro e com o grupo. Para o aluno surdo é de grande relevância propiciar momentos que permitam se auto-conhecer, para, assim, valorizar sua identidade cultural, elevando a auto-estima.

 

Em relação à música, sabemos que ela está presente na cultura de todos os povos e em todos os grupos sociais. Portanto, é essencial utilizá-la no meio escolar, pois através dela pode-se trabalhar com a linguagem sonora verbal e não verbal, utilizando os códigos lingüísticos do ritmo, do som, da letra e da melodia. Além disso, a música contribui para o bem estar do indivíduo, como afirma BRASIL (2002. p. 26):

 

A Música proporciona um desenvolvimento pleno do ser humano. Ela amplia o campo do conhecimento possibilitando a intercomunicação e convivência na diversidade, por meio das diferentes sonoridades, mobilizando o corpo, sentimentos, afetividade, imaginação e expressividade.

 

Mesmo sem a possibilidade de ouvir, os alunos surdos sentem as vibrações sonoras e é necessário que se trabalhe isso com eles para que compreendam como se produz o som. É importante, também, levá-los ao conhecimento das letras musicais, para que possam ter noção dos diferentes tipos de músicas e dos diversos ritmos. Ao estudar a letra de uma canção, os educandos ampliam seus conhecimentos em relação à estrutura da Língua Portuguesa e fazendo a interpretação para LIBRAS, pesquisam e estudam os sinais próprios de sua língua.

 

Desta forma, a seleção dos cânticos que são apresentados pelo grupo “Estrelas Silenciosas” segue um critério rigoroso, pois a letra deve despertar nos alunos a auto-crítica, levando-os a atitudes reflexivas através de mensagens em vistas aos valores humanos. Após a seleção, a música é interpretada em LIBRAS pelas professoras e por duas instrutoras surdas. Em seguida, a interpretação é apresentada aos alunos do grupo que dão as últimas sugestões.

 

Para o grupo de dança e para o coral, as canções são selecionadas valorizando as diferentes manifestações culturais, previamente selecionadas de acordo com o calendário cultural, como por exemplo, músicas juninas, folclóricas, natalinas etc.

Na foto abaixo o grupo “Estrelas Silenciosas” está apresentando uma coreografia da música “Vou Levar Você”, interpretada por Zezé de Camargo e Luciano, que aborda a diversidade musical do país: forró, frevo, carnaval, catira, country etc. Essa apresentação foi realizada em Aracaju, no dia 26 de agosto de 2005, na III Mostra de Potencialidades de Alunos com Necessidades Especiais, realizada pela Secretaria de Estado da Educação de Sergipe.

 

 

Figura 1: Apresentação do grupo “Estrelas Silenciosas” da coreografia da música “Vou levar você”, no Shopping Riomar, (Foto: Mônica de Góis Silva Barbosa. Acervo da Sala de Recursos da Escola Estadual Vicente Machado Menezes)

 

Quando inicia o ano letivo, a primeira tarefa do grupo é organizar os alunos para as atividades da dança e do coral. A seleção e permanência dos participantes do grupo seguem critérios e normas estabelecidas no tocante à assiduidade, à responsabilidade, ao respeito e à ideologia do grupo, associados ao desenvolvimento técnico através de aulas teóricas e práticas onde irão demonstrar suas potencialidades. Os ensaios são feitos quinzenalmente, em horário específico, contrário ao horário de estudo dos alunos. Próximos às apresentações os ensaios tornam-se semanais. Há um grande cuidado para que as atividades do grupo não venham a prejudicar o desenvolvimento escolar dos alunos.

 

Deve-se ressaltar que, no momento, o grupo é formado por alunos da Escola Estadual Vicente Machado Menezes, sendo, dezoito alunos surdos da Sala de Recursos, cinco alunos de Classe Especial que são orientados pelas cinco professoras da educação especial. Além disso, o grupo conta com a participação de seis alunos ouvintes. Assim, é possível propiciar um ambiente mais inclusivo, à medida que possibilita em uma mesma equipe trabalhar com as diferenças.

 

E é essa mensagem de inclusão e combate à discriminação que é levada através das apresentações efetuadas pelo grupo em eventos escolares locais, estaduais e sócio-culturais. Algumas apresentações já são pré-estabelecidas no início do ano e outras são agendadas de acordo com convites que são feitos.

Na foto abaixo podemos observar um desses momentos. O coral está se apresentando em um evento realizado pela escola , no dia 26 de setembro de 2007, em homenagem ao dia nacional do surdo.

 

 

Figura 2: Apresentação do coral do grupo “Estrelas Silenciosas” interpretando a  música “Farol (Foto: Mônica de Góis Silva Barbosa. Acervo da Sala de Recursos da Escola Estadual Vicente Machado Menezes)

 

Para realização do projeto os recursos humanos utilizados são: alunos surdos e ouvintes, professores da educação especial, equipe diretiva e colaboradores do grupo. Nos primeiros anos do projeto, o grupo contou com o trabalho voluntário de dois coreógrafos.  Os recursos materiais são aparelhos de som, uniforme (camisas do grupo, luvas etc.), figurinos, CDs, objetos para cenários e, em alguns momentos, um veículo.

 

O desenvolvimento das atividades anuais começa com o início do ano letivo, tendo recesso no mês de julho devido ao período de férias. Assim, o cronograma dos compromissos realizados pelo grupo fica organizado anualmente da seguinte forma:

 

A avaliação do trabalho realizado pelo grupo é feita de forma processual e contínua. Há cada atividade realizada, que inclui ensaios e apresentações para um determinado evento, é feita avaliação e monitoramento pelas professoras. É registrado em agenda todo processo de desempenho do grupo através de observação direta e indireta.

 

Os alunos são avaliados levando em conta os seguintes critérios: responsabilidade, assiduidade, pontualidade, respeito ao próximo, bom comportamento nos ensaios e eventos e bom rendimento escolar. Após as apresentações é solicitada dos alunos uma auto-avaliação para que analisem sua atuação e percebam se é necessário melhorias. Além disso, quando não cumprem com os compromissos, as professoras conversam com o grupo ou, se necessário, individualmente.

 

O rendimento escolar dos discentes envolvidos é analisado após cada etapa das provas escolares e através de conversas com professores das turmas inclusivas, a fim de verificar o desempenho escolar de cada um.

 

No encerramento das atividades anuais é promovido um encontro avaliativo, analisando os aspectos positivos e negativos, visando com isso à minimização dos entraves e a melhoria do potencial artístico de todos e, conseqüentemente, do ensino-aprendizagem.

Os resultados obtidos através da realização do projeto: Inclusarte na Educação: Grupo “Estrelas Silenciosas” é de grande relevância para o grupo de alunos surdos. Dentre esses resultados pode-se destacar um maior conhecimento da LIBRAS, à medida que ensaiam, sempre surgem palavras que os alunos desconhecem o sinal. A partir daí, esses sinais desconhecidos são pesquisados e aprendidos pelos discentes. Ao mesmo tempo em que ampliam o conhecimento em sua língua, ao se deparar com as letras das músicas em Língua Portuguesa, precisam estudá-la e, assim, conhecem novas estruturas próprias do português. Portanto, aprendem também a Língua Portuguesa.

 

Outro resultado alcançado é o aumento da auto-estima dos educandos. Isso é notado durante ensaios e, principalmente, após as apresentações diante de conversas informais. Essa auto-estima os leva a valorizar seu potencial artístico e a desenvolver sua criatividade diante das atividades que lhe são propostas, visto que passam a acreditar na sua capacidade.

 

Deve-se também destacar que é de grande importância a divulgação da LIBRAS através das apresentações do coral. Nota-se que a sociedade ainda não reconhece a língua de sinais como língua da comunidade surda. Assim, é uma forma de divulgação para que as pessoas reconheçam e aceitem-na no meio social, sem discriminação.  Portanto, é um trabalho de conscientização e de inclusão do surdo na sociedade, levando-os a serem reconhecidos dentro de sua própria identidade, vendo-os como pessoas capazes, diferentes e não deficientes.

 

O desenvolvimento facial e corporal dos alunos, que é bastante exercitado para que as apresentações não se tornem mecânicas e sem nenhum sentido para eles, também é um importante resultado que pode ser percebido. Dessa forma, os alunos aprendem a demonstrar suas emoções através das mãos, da face e do corpo. Isso é de grande relevância para eles que necessitam de suas expressões faciais e corporais ao utilizar sua língua.

Foi observada também a ampliação do entendimento da diversidade cultural dos integrantes, pois ao conhecer um repertório de músicas e danças diferentes, conseguiram se perceber como pertencentes a uma cultura brasileira bastante diversificada.

 

Além disso, o desenvolvimento do projeto exige dos participantes senso de responsabilidade e compromisso diante das atividades que lhe são propostas. Então, eles são conscientizados de que devem assumir para sua vida pessoal e profissional essas duas qualidades essenciais. 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Possibilitar a inclusão de alunos com necessidades especiais é um grande desafio. Contudo, através da realização de projetos como Inclusarte na educação: Grupo “Estrelas Silenciosas”, passos são dados para que seja possível viver em um ambiente escolar e social mais inclusivo.

 

Obstáculos surgem a cada momento, desafios aparecem a cada decisão tomada. Entretanto, com as sementes que são plantadas e as folhas que desabrocham, mesmo diante das provações que existem, torna-se gratificante para educadores que atuam na educação especial colher os frutos e apreciá-los. Torna-se também prazeroso para alunos que vibram ao sentir que estão verdadeiramente incluídos e bem acolhidos há cada apresentação que realizam.

 

Utilizar as mãos criando verdadeiras coreografias é uma verdadeira arte. E é através dela, dançando ou interpretando músicas, que os educandos surdos tentam conscientizar as pessoas de que eles têm uma língua que deve ser reconhecida como tal e uma identidade própria que deve ser aceita sem preconceitos na sociedade. Então, o trabalho com a arte no meio educacional e na educação especial é de suma importância, pois ficou evidenciado com a realização do projeto, durante esses anos, que é possível incluir alunos surdos através da arte.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Estratégias e orientações sobre artes: Respondendo com Arte às necessidades especiais. Brasília: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial, 2002.

 

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. 1ª a 4ª série. v. 6. Brasília: MEC/SEF, 1997.

 

COLL, César; TEBEROSKY, Ana.  Aprendendo Arte. Rio de Janeiro: Ática, 2000.

 

GABRYELLE, Tayanne. A conquista da Arte. Educação Artística. São Paulo: Editora do Brasil, 1996.

 

REVISTA NOVA ESCOLA. Parâmetros Curriculares Nacionais. Fáceis de entender de 5ª a 8ª série. (Edição Especial da revista). São Paulo: Fundação Victor Civita, s/d. 67 p.

 

 

 

Sobre a colaboração – Nota do Portal Messejana

 

Projeto enviado por Vânia Silva Santos, professora da Sala de Recursos, formada em LETRAS pela Universidade Federal de Sergipe e pós-graduada em Educação Inclusiva. Atualmente trabalha em sala de recursos com alunos surdos que estão estudando em salas inclusivas. Na Universidade tem um coral de surdos é o grupo “ESTRELAS SILENCIOSAS” de Itabaiana, município de Sergipe.

 





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