A Messejana das quermesses

e serenatas

 

 

 

As quermesses para quem não sabe eram parques de diversões improvisados com todo o tipo de brinquedo (às vezes nem todos), um leilão e uma irradiadora lançando ao ar mensagens e músicas, a grande precursora das rádios comunitárias por exemplo.

 

Elas pontuavam as festividades tradicionais, na medida em que eram um pólo obrigatório de interação para a comunidade local. Na quermesse se passeava, paquerava, conversava, brincava, era um autêntico ritual de sadia convivência, com suas mensagens musicais, e até seus personagens folclóricos como o leiloeiro Geraldo Portela figura conhecida em Messejana pela sua risada escandalosa amplificada pelo microfone da irradiadora quando ele arrematava as prendas do leilão.

 

A Messejana dessa época, tipo início dos anos 60 tinha  uma configuração de costumes bem peculiar. Vamos voltar no túnel do tempo e dar um passeio pela Messejana desses tempos mais tranqüilos e inocentes.

 

Para começar aonde hoje é o Bar, Restaurante e Casa de Shows Tremendão, era a Boate das Canoas, e defronte havia o Ginásio Presidente Vargas. Logo adiante no velho prédio vizinho à Panificadora Nogueira, ficava o Cine Messejana, posteriormente chamado de Cine Juventus.

 

As suas sessões diárias começavam às sete horas da noite e terminavam geralmente às nove o que na época já era considerado bem tarde, pois às dez horas Messejana inteira já dormia, excetuando é claro, os boêmios, mas falaremos disso depois.

 

As cadeiras na calçada com as reuniões noturnas, geralmente eram recolhidas às nove horas, e se sabia desse horário pelas pessoas que viam do cinema pela rua principal, a Padre Pedro de Alencar. “ Acabou o cinema, vamos dormir,” pronto, essa frase era o toque de recolher.

 

A programação do Cine Messejana consistia de muitos filmes brasileiros do estilo comédia. As tais chanchadas com nomes como a dupla cômica Oscarito e Grande Otelo, Ankito, Zé Trindade, um baiano mulherengo com cara de malandro e de marido que traía a mulher, Cyll Farney, e Anselmo Duarte, os galãs desse filmes, e as atrizes Eliana e Adelaide Chiozzo, essa última muito bonita e uma exímia acordeonista.

 

Os enredos dessas chanchadas que obtiveram muito sucesso nos anos 50 eram simples e inocente, com cenas cômicas e trapalhadas, uma ou outra briga, um romance bem puritano e muita música, principalmente marchinhas de carnaval.

 

O outro lado da programação do velho cinema consistia dos filmes de ação geralmente faroestes, os famosos filmes de cowboy, filmes de guerra, e muitos seriados, que eram séries como episódios curtos dentro do esquema mocinho briga com bandido e se mete em situações de perigo. Os filmes eram em preto e branco na sua maioria, e quando aparecia um filme colorido, era novidade.

 

Numa era ainda sem televisão,  quando esse veículo ainda engatinhava, ou era um luxo de poucos, o cinema era a grande diversão e quase obrigatório ponto de encontro.

 

AS IRRADIADORAS

 

Na Praça Tristão de Alencar, a pracinha da igreja da matriz, havia duas irradiadoras, que para quem não sabe, eram cones que amplificavam o som de locuções e mensagens para a Messejana inteira, tamanha a potência dessas difusoras estilizadas do período.

 

A União Recreativa José de Alencar – URJA

 

Havia uma irradiadora no clube da União Recreativa José de Alencar, que era o clube do time do Messejana Esporte Clube, que logo de manhã cedo, animava a pracinha, com seus mambos, boleros, marchas, e baiões, todos geralmente executados a partir de discos de cera de 78 rotações, posteriormente substituídos pelos LPs de 33 rotações e um terço.

 

O clube era simples, com um salão de dança e uma quadra aberta de voleibol, onde por sinal cantei com o Conjunto Musical Big Brasa pela primeira vez a música dos Beatles “Penny Lane” no início de 1968.

 

A outra irradiadora ficava no topo da igreja da matriz, e essa acordava Messejana inteira logo de manhã cedo, com o vigário Padre Francisco Pereira chamando os fiéis para a missa, e executando músicas sacras e instrumentais de cunho mais erudito, o que proporcionava um despertar bem suave, diga-se de passagem.

 

Quando o Padre Pereira tirava o ar a sua irradiadora, a URJA botava a sua no ar logo depois da missa, de modo que a Praça de Messejana se tornava um cenário de música, brisa e mangueirais o dia inteiro.

 

No período das quermesses então, no final de ano, por ocasião da festa da padroeira de Messejana, Nossa Senhora da Conceição, a pracinha ganhava mais uma irradiadora, a da quermesse geralmente instalada na pracinha defronte a lagoa. Aí as irradiadoras ocupavam três turnos, e Messejana respirava música o dia inteiro.

 

CADEIRAS NA CALÇADA E SERENATAS

 

Como se vivia a era do rádio, com suas novelas, e programas musicais, uma vez o aparelho desligado, era a deixa para as famílias se reunirem nas calçadas para conversar e observar o ambiente, de modo que a rua ficava cheia de grupinhos, um defronte cada casa com suas cadeiras e conversas bem amenas.

 

As irradiadoras faziam a trilha sonora desses encontros, onde por vezes surgiam namoros, já que os rapazes ficavam sentados no patamar da igreja a conversar até altas horas, e a olhar as amigas que passavam, talvez potenciais namoradas.

 

As serenatas estavam na ordem do dia, já que as noites eram além de serenas, o reinado absoluto dos boêmios que se aventuravam a cantar madrugada afora na janelas das suas musas.

 

Como as casas eram de muro baixo, e os portões fáceis de abrir, elas se tornavam bem mais acolhedoras e convidativas para uma seresta, de modo que o grande lance era ensaiar na pracinha, ou no patamar da igreja, para mais tarde se cantar não só para as namoradas, ou pretendentes a tal, mas para as amigas também.

 

Por sinal, uma dessas serenatas foi interrompida de modo pitoresco pela presença de um jumento romântico e sexualmente excitado pela maviosidade poética do nosso canto.

 

Dela participavam Luiz Antônio Alencar, este que vos escreve, alguns membros do Big Brasa, Hugo Pompeu e Roberto Tavares, um grupo de amigos bem chegados. Quando eu cantava a canção “Yesterday” dos Beatles com o violão emitindo as bordoadas típicas de um samba canção, bem ao seu estilo, um jumento se quedou enternecido a pastar tranqüilo, como se a serenata fosse para ele. Súbito, o ilustre quadrúpede começou a responder ao nosso cantar, numa perfeita interação músico-genital, o que deu ensejo a uma gargalhada geral e a pronta interrupção da serenata.

 

Eu ainda acho que toda vida que tocarmos violão juntos, é bom verificar se tem algum jumento por perto e ainda tem mais.  Sempre que eu escuto “Yesterday” só me lembro “daquilo” e do jumento beatlemaníaco.

 

Luiz Antônio Alencar - Eterno Big Brasa, músico e jornalista.

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