José de Alencar em sua casa e
em nossa cultura

 

  

 

As lembranças e alguns objetos do escritor cearense José de Alencar ainda estão à espera de quem os visite na casa onde viveu na Messejana.

 

Remontemos ao tempo do 1º Império, em 1826, quando o padre José Martiniano de Alencar - seminarista rebelde da Revolução de 1817 e republicano ardoroso da Confederação do Equador - adquire o Sítio Alagadiço Novo e aí se instala, com a mulher, sua prima Ana Josefina, exercendo paroquiato, em Messejana, de 1827 a 1829. Neste último ano, nasce seu primogênito, o futuro escritor José de Alencar, a 1º de maio. Até os nove anos de idade, o menino Cazuza, vive no até hoje encantador Sítio Alagadiço Novo, com seus irmãos Leonel e Tristão, que os outros - Maria, Bárbara, Joaquina, Argentina e Carlos-, já nascem após a mudança da família para a Corte.

 

Enquanto os primeiros filhos crescem em meio à natureza pródiga do Sítio, José Martiniano retoma a política, é nomeado presidente da Província do Ceará, instala a Assembléia Constituinte do Ceará e inicia-se na indústria de rapadura e aguardente, depois de construir engenho de cana-de-açúcar em seu Sítio. Com a queda do Gabinete Liberal, na Corte, deixa a presidência da Província e recolhe-se por pouco tempo ao Alagadiço Novo. Logo seu espírito inquieto o leva a empreender viagem à Corte. Em "Como e por que sou romancista", Alencar relembra "tão fagueiras recordações da infância, ali nos mesmos sítios onde nascera" e seu deslumbramento com a paisagem dos sertões que contemplara "com olhos de menino [...], ao atravessar essas regiões em jornada do Ceará à Bahia", de onde seguira por mar ao Rio de Janeiro.

 

Paremos em outra estação do tempo, a 5 de dezembro de 1883, e leiamos texto de Machado, publicado na Revista Literária, em que o grande admirador do romancista escreveria linhas emblemáticas quanto à permanência de Alencar na literatura:

 

Cada ano que passa é uma expansão da glória de José de Alencar [...] ele é um dos que fulguram a mais e mais, sem tumulto, mas com segurança../São assim as glórias definitivas./Na história do romance e na do teatro, para não sair das letras, José de Alencar escreveu as páginas que todos lemos, e que há de ler a geração futura./O futuro nunca se engana.

 

Nos dias de hoje, passados 180 anos do nascimento e 132 da morte de José de Alencar, quando o futuro imaginado por Machado torna-se presente, é possível constatar que a obra do escritor cearense continua viva na literatura e na cultura brasileiras e que o sempre percuciente Machado tinha razão em vaticinar as "glórias definitivas" do autor de Iracema.

 

Na terra de nascimento de Alencar, a memória do escritor consolida-se não só pela ação de instituições universitárias e culturais, como por monumentos de arquitetura e de arte - a estátua do escritor, inaugurada em 1929, em praça com seu nome, as esculturas de Iracema espalhadas pela cidade, o Theatro José de Alencar com tantas referências à obra alencariana - e, sobretudo, pela vontade criadora de artistas e escritores que vêm pintando, desenhando, esculpindo, cantando, compondo músicas, escrevendo, filmando, enfim, imortalizando a obra de Alencar através de outras obras de arte; pelos próprios leitores de Alencar, que constroem um imaginário povoado por suas histórias e seus personagens, mantendo-os vivos através do uso de expressões alencarianos na linguagem, da atribuição de nomes constantes em sua obra a pessoas e até a cidades...

 

De forma muito especial, a UFC vincula seu nome ao do escritor cearense, como guardiã da casa natal de José de Alencar e do Sítio Alagadiço Novo. Patrimônio de memória da vida do futuro Senador Alencar e da primeira infância do escritor José de Alencar, o Sítio Alagadiço Novo é adquirido pela UFC, durante gestão do reitor Antonio Martins Filho, que, nas comemorações dos dez anos de criação da UFC, em 24 de junho de 1965, abre o Parque Alagadiço Novo (com a casa remanescente da construção arquitetônica da residência da família Alencar, as ruínas do engenho, o velho açude restaurado e o belo bosque que envolve a casa) à visitação pública assim como inaugura o edifício-sede, destinado a abrigar a administração e os Programas Culturais da Casa.

 

É nítida, pois, a intenção de preservar o patrimônio e desenvolver atividades culturais, sobretudo voltadas à divulgação de Alencar e de sua obra. Com o tempo e a contribuição de vários reitores da instituição, a Casa passa a contar com acervos museológicos - artísticos, antropológicos, arqueológicos, históricos e literários -além do Centro de Treinamento Martins Filho.

 

De 2004 a 2007, sob responsabilidade do Instituto de Cultura e Arte-ICA, criado por iniciativa do Reitor René Barreira para congregar e revitalizar os equipamentos, projetos e atividades culturais da universidade, empreende-se a reorganização e revitalização da Casa de José de Alencar (e, especialmente, de seus acervos: Pinacoteca Floriano Teixeira, Coleção Braga Montenegro, Coleção Arthur Ramos, Coleção Mª Luiza Ramos e outras coleções de rendas), assim como acrescenta-se a Sala Iracema, com desenhos de Descartes Gadelha, a Coleção Arqueológica, com a intenção de englobar todos os acervos no Museu e Biblioteca Casa de José de Alencar. Em 2004, o ICA promove o I Simpósio Nacional Casa de José de Alencar como marco inicial da campanha pela revitalização dos estudos alencarianos nesse patrimônio da UFC e de todos os brasileiros.

 

Em 2005, graças à verba de emenda individual parlamentar destinada ao ICA pelo Dep. João Alfredo Teles, é realizada reforma no edifício-sede, indispensável a seu funcionamento. Ainda no mesmo ano, o ICA publica, pelas Edições UFC e com apoio do Governo Estadual-Secult, a edição comemorativa dos 140 anos da publicação de Iracema. A edição bilíngüe, organizada por Angela Gutiérrez e Sânzio de Azevedo, consta de versão revisada do romance no original; tradução francesa, ilustrações, sonetos, estudos críticos. Essa edição é lançada na CJA, na Bienal do Livro do Ceará, na Academia Brasileira de Letras e na Maison de l'Amérique Latine, em Paris. Em 2006, graças ao apoio do IPHAN, o ICA reabre a Casa Histórica, não só recuperada como acrescida de 13 painéis, elaborados por pesquisadores do ICA/CJA, sobre a família Alencar, o Sítio e a obra do romancista cearense.

 

Em novembro do mesmo ano, o ICA promove o II Simpósio Nacional Casa de José de Alencar, com apoio do MinC, congregando respeitados nomes da intelectualidade brasileira e promovendo lançamento de vários publicações, entre elas, os Anais do I Simpósio, assim como divulgação da obra alencariana para a comunidade, estudantes e professores, em ação revitalizadora da CJA como entidade voltada para a cultura e a pesquisa, sem esquecer seu potencial de turismo e lazer cultural. Na gestão Ícaro Moreira, em 2007 e 2008, vinculada ao gabinete do Reitor, a CJA continua a construir forte entrelaçamento com a comunidade e os estudiosos, através da implantação de projetos e atividades cadastrados na Pró-Reitoria de Extensão: Projetos Cazuza I e II (escolas e comunidade), Comunicando Alencar e outras estórias (com preparação de site e divulgação da Casa), CJA e Estudos Alencarianos (para alunos de Letras), Seminário de Integração das Atividades Culturais da CJA, Natal em Maio de Alencar, entre outros. Organiza, consolida e implanta acervos, através do Programa Bolsa CJA, e inicia o Núcleo de Estudos Alencarianos (em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Letras da UFC), caracterizando a Casa como centro de referência sobre Alencar, o que se comprova pelo crescente número de monografias e dissertações alencarianas.

 

Como pólo turístico, são dados os passos iniciais para a revitalização do parque e a retomada do restaurante temático (recuperação das suas instalações). Tais projetos não nascem de geração espontânea, nem se concretizam em dias ou meses. A Universidade, como instância crítica e como instância de preservação da memória, não tem deveres só com o presente imediato, seu horizonte é mais amplo e deve abranger a continuidade do tempo que costumamos chamar de futuro. Assim, desde que iniciamos a campanha pela revitalização da Casa de José de Alencar, sabemos que plantamos o futuro. Dizemos, pois, com Machado: "a posteridade é aquela jandaia que não deixa o coqueiro, e que [...] repete e repetirá o nome da linda tabajara e do seu imortal autor. Nem tudo passa sobre a terra."

 

 

Ângela Gutierrez, professora do curso de Letras da UFC. – Fonte O POVO 



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