Sobre a data do aniversário de Messejana

 

 

 

 

O texto abaixo, encaminhado ao Portal Messejana, de autoria de Edmar Freitas e Filipe Neto, apresenta divergências com relação a real data de aniversário de Messejana. E segue publicado na íntegra neste Portal com o objetivo de proporcionar à comunidade um outro lado da historia. (Nota do Portal Messejana)

 

“É com muita preocupação e tristeza que, novamente nos deparamos com a difusão de artigo dando conta de que Messejana completou no último dia 08 de março de 2015, 408 anos, sendo que o mesmo texto se refere ao Padre Jesuíta Francisco Pinto como sendo seu fundador, um dos fatos que justificaria ou abrilhantaria um pedido de canonização do referido religioso.

 

Quanto ao pedido para beatificar ou santificar o dito religioso não nos cabe julgar, posto que tal título seja dado, se for o caso, pela Igreja católica, única que pode fazê-lo. Portanto, em relação ao pleito nos cabe assistir e apenas opinar utilizando visão própria sobre o caso se assim for requerido por quem quer que seja.

 

Interessa-nos resolver as questões que envolvem Messejana. Por isso, dirigimo-nos a este veículo pela relação que o mesmo tem com Messejana, bairro o qual fazemos questão de defender e preservar. Sendo assim e, acreditando ser este organismo composto por pessoas probas e inteligentes, passamos a demonstrar que a divulgação da informação dando conta que Messejana tem 408 anos e que a mesma foi fundada pelo Padre Francisco Pinto é fantasiosa, e sua propagação prejudica e manipula maleficamente o entendimento sobre a história do lugar, berço do maior escritor romântico do Brasil, José de Alencar.

 

Ressaltamos que aqui não estamos fazendo julgamento de pessoas ou opiniões. Estamos demonstrando fatos que estão fartamente registrados na historiografia brasileira e cearense.

 

Sendo objetivo, a relação que o Padre Francisco Pinto tem com o Ceará começou no dia 01 de fevereiro de 1607 quando o mesmo chegou ao Rio Jaguaribe, próximo onde hoje está situada à cidade de Aracati, vindos de Pernambuco. No dia 02 de fevereiro inicia viagem a pé pelo litoral até o hoje denominado Rio Curu, chegando ali no dia 02 de março de 1607, ou seja, um mês depois.

 

Está informação prestada acima está descrita no documento “Relação do Maranhão” considerado um dos documentos mais antigos sobre a história do Ceará, escrito pelo Padre Luís Figueiras, companheiro de viagem do Padre Francisco Pinto ao Ceará.

 

Levando em conta o Relato presente na Relação do Maranhão, que afirma que no dia 02 de março de 1607 os padres estavam no Rio Curu que fica a 100 km de Paupina / Messejana, passando ali 05 dias, ou seja, até o dia 07 de março, a missão precisaria retornar por um percurso que gastou 14 dias em menos de 24 horas, e no dia 08, fundar ou arquitetar uma aldeia, nomeá-la, rezar uma missa diante de uma feira, como é dito em uma antiga e equivocada matéria de jornal, também rapidamente estabelecida e retornar ao mesmo ponto (Pará/Rio Curu) para continuar a viagem esquecendo o Padre Figueira, participante ocular da jornada alucinante, de relatá-la no único documento conhecido e escrito por um membro da missão. Segue a tabela de distâncias:

 

PERCURSO

DIAS

KM

Media em km Léguas Média em Léguas

Do Jaguaribe ao Curu (Parasinho)

30 dias,
16 dias

214 km

7,13 km

35 Léguas

1,16 Léguas

Do Jaguaribe a Messejana 16 dias 114 km 7,13 km 19 Léguas 1,16 Léguas
Do Messejana ao Curu (Parasinho) 14 Dias 100 km 7,13 km 16 Léguas 1,16 Léguas
 
 

Portanto, seria impossível atrelar a data do dia 08 de março de 1607 como qualquer marco para a história de Messejana. Reconhecê-la seria simplesmente criar uma fantasia sem o mínimo de fundamento histórico, pois não há condição física de o fato ter ocorrido.

 

Lembrando que todas as informações repassadas aqui estão comprovadas na bibliografia que informaremos no final do texto.

 

Pois bem, demonstrada que o Padre Pinto jamais esteve na região que hoje chamamos de Messejana no dia 08 de março de 1607, não podendo fundá-la na prática, fica explicitado que a data proferida não guarda qualquer relação com a história de Messejana, do Padre Francisco Pinto ou da igreja e sua presença no Ceará.

 

Quanto ao nome Paupina estar relacionado ao nome do Padre Pinto, não há maior absurdo. Por mais que essa versão apareça em alguns trabalhos, a mesma é simplesmente uma invenção, patrocinada pelo Senador Cândido Mendes em sua obra “Memórias do Maranhão” a qual ele mesmo corrige em suas notas reconhecendo que o termo pelo qual o Padre Pinto era reconhecido era “Amanaiara” que significaria “Senhor das Chuvas”, apelido conseguido no Rio Grande do Norte devido a uma passagem lendária em que o religioso teria conseguido águas dos céus após rezar fervorosamente de joelhos, rodeado por índios enfraquecidos pelas secas.

 

Se na sua expedição, Padre Pinto e Padre Luis Figueiras traziam consigo vários índios que já os conheciam por “Amanaiara”, índios estes que eram parentes dos que já habitavam o Ceará, qual a motivação para sustentar “Paupina” como sendo corruptela de Padre Pinto? Nenhuma. Pura fantasia.

 

Desmistificada a questão do nome como elo entre o Padre Pinto e a Aldeia de Paupina, é preciso esclarecer a origem dessa comunidade e sua importância no processo de ocupação do território cearense.

 

A Aldeia de Paupina é proveniente de um deslocamento populacional ocorrido entre 1660 e 1690 da Aldeia de Parangaba, esta estabelecida depois de 1661 quando os jesuítas responsáveis pela região do Ceará recomendaram que os índios fossem deslocados das proximidades da Fortaleza para evitar conflitos com etnias belicosas e para se estabelecer em melhor local para o plantio.

 

Os índios dessa aldeia habitavam a região próxima a Fortaleza, remetendo a época de Martim Soares Moreno, quando o mesmo trouxe Jacaúna da região do Jaguaribe para lhe auxiliar em várias atividades, ainda em 1611, ou seja, tempos depois da passagem do Padre Pinto, fato que também joga por terra o pensamento dos teóricos “quatrocentistas”. Passados para o Arraial do Bom Jesus da Parangaba, que hoje conhecemos por Mondubim, os índios de ascendência potiguara ajudaram os portugueses em várias guerras.

 

Como já foi dito, a Aldeia de Paupina se formou em seu sítio original, na região leste da cidade de Fortaleza, no final da década de 1680. As famílias dessa aldeia, em reconhecimento a sua aliança com a Coroa, receberam terras através de sesmaria entregue em 1708 com extensão desde a Serra da Pacatuba até o litoral. Em 1722, é feito pedido para que as terras sejam mantidas tendo em vista o avanço de posseiros que ameaçavam a propriedade dos índios.

 

Ainda no primeiro quartel do século 18 é executada a estratégia de se instituir Missões nas aldeias existentes, muito pelo advento da inauguração do Real Hospício do Aquiraz, ocorrida naquele período. Por conta disso, em 1741, Paupina recebe o primeiro Jesuíta, responsável por sua administração secular, sedimentando a influência estrangeira.

 

Como se observa, a Aldeia de Paupina é uma produção social e cultural dos nativos ligada à tradição familiar e espacial de grupos que se reconhecem entre si, influenciada sim, pelo poder exercido pelo invasor estrangeiro, o que não significa que a mesma tenha sido construída por conta do condão de uma figura mítica, apenas por serem seus habitantes e verdadeiros fundadores, os índios. Diferente do que os “quatrocentistas” usam como justificativa ao dizer que o Padre Pinto uniu as várias culturas, o que se sabe é que havia na verdade a supressão de culturas por parte dos colonizadores que impunham seu modo de vida e seus costumes. As situações em que há aliança por parte dos índios, precisam ser vistas como estratégias de sobrevivência dos nativos.

 

Portanto, seguir divulgando a informação “408 anos de Messejana” não contribui para a preservação e defesa da memória de Messejana. Temos a consciência de que o corpo editorial do Portal Messejana tem a capacidade e a liberdade intelectual para determinar as matérias que são veiculadas pelo seu instrumento de impressa na internet e, é a estes que recorremos em prol da construção de uma empreitada que visa fixar no seio da comunidade o entendimento sobre sua história.

 

Em vias de conclusão, chegamos ao ponto em que o fato contrapõe a versão. Dia 1º de janeiro de 1760, data em que é inaugurada a Vila Nova Real de Messejana da América ou, tempos depois, apenas Messejana.

 

A partir de 1758, o Marques de Pombal, secretário de estado do Reino Português, passa a executar, mais efetivamente, políticas que visavam o melhor controle administrativo sobre a colônia, bem como buscava fazer valer os investimentos tentando implantar cadeias de produção que rendessem dividendos à Coroa.

 

No Ceará, além das vilas criadas com viés administrativo, como Aquiraz e Fortaleza, e outras por conta da manufatura do gado, como Icó e Sobral, os aldeamentos indígenas, por possuírem contingente populacional e já estarem acostumados a estrutura de poder praticada pelos padres e por uma certa organização espacial, foram escolhidos também para compor essa nova política administrativa e, a partir deles foram erigidas Vilas.

 

Nesse ponto, é preciso tentar entender a Aldeia de Paupina e a Vila de Messejana.  A partir da primeira, do seu núcleo organizado pelos religiosos em 1741, é erigida a Vila de Messejana e todo o território da Aldeia que abrigava várias famílias e pequenas comunidades passam a se abrigar em seu termo, ou seja, é criada uma nova estrutura de poder por conta da necessidade da Coroa de administrar suas populações, como é a tendência histórica do município no Brasil.

 

No nosso entendimento, existia então a realidade da comunidade nativa, nos arrabaldes e a realidade do centro da Vila onde se aplicava a lei e onde havia a confraternização, bem quista ou não, entre brancos e índios.

 

Isso ocorreu em 1º de janeiro de 1760, quando em um ato público na Praça ainda hoje existente, não nos moldes de 250 anos atrás, que o Ouvidor geral proclamou a criação da Vila Nova real de Messejana da América.

 

Alcançado esse momento, precisamos discorrer sobre a tentativa de manipulação dos fatos sustentada. Não sabemos ao certo por qual motivo se busca divinizar a figura do Padre Pinto e compor uma linha que une os acontecimentos do início da ocupação do Ceará com os da reforma pombalina, passando pelo período de influência dos jesuítas pós-período holandês.

 

De fato, os processos históricos ecoam para sempre e influenciam diversos momentos à sua frente. O acontecimento não é estático nem inerte. Seria irresponsabilidade pensar contrariamente. Contudo, o que observamos, em nosso objeto, que é comprovar a tentativa de criação de uma história a partir da distorção dos fatos relacionados à Paupina e Messejana com o intuito de valorizar o papel de uma instituição e seus agentes, é que a mesma carece de perícia e não tentar forçar realidades impossíveis que podem, inclusive, ser tidas como meras fantasias.

 

Tanto assim o é, que esse projeto tenta desvirtuar inclusive o significado do nome Messejana assim como se tentou fazer com Paupina. É sabido que “Messejana” é proveniente de uma expressão moura e que em sua origem significa “Lugar de Cárcere”. Isso porque em uma reunião que envolvia as autoridades do Governo em Pernambuco realizada em 1759 em que se escolhiam os nomes das novas vilas, para os do Ceará e Rio Grande do Norte, optou-se por replicar o nome das vilas da região do Alentejo em Portugal, de onde advinham os participantes da tal reunião. Contudo, os “quatrocentistas” chegaram a inventar uma versão afirmando na imprensa de grande circulação que “Messejana” é “a junção de (Mess+jana), que significa "missão e luar" , numa alusão às missões jesuítas, vindas de Portugal, e a lua, astro reverenciado pelos índios como fonte de grande força espiritual.” . Essa versão é inexistente em qualquer fonte histórica e contraria qualquer lógica, pois a Messejana que deu nome ao lugar no Brasil, já existe em Portugal desde os anos 1200, não tendo portanto, relação com qualquer contemplação indígena.

 

Portanto, em vista dos fatos e versões apresentados tanto sobre Paupina quanto Messejana é preciso fazer uma distinção dos processos, sem, é claro, macular sua interação histórica.

 

A busca pelo entendimento sobre o mundo e sob sua própria ótica, a partir dos conhecimentos adquiridos, é legítimo. Contudo, manipular os fatos para justificar posições viscerais motivadas por crenças em detrimento do debate fundamentado por orientações justas e claras, beira a tentativa de supressão do pensamento livre e a ditadura de costumes.

 

Por mais que deixemos de lado as características específicas de Messejana, o que é fato, e a relacionemos intrinsecamente com Paupina, o debate sobre o marco cultural de fundação não passaria da década de 1680, sob pena de novamente estar fantasiando ou forçando algum pensamento.

 

Relacionar Paupina e Messejana, sem observar as especificidades dos processos de formação de cada uma, tende a apagar os traços culturais desses lugares. A primeira mais ligada à tradição nativa e a outra como totem da organização cívica urbana tem de ser vistas em harmonia, mas em essência, separadamente.

 

É preciso desprezar todo o conteúdo que resulta em divagação e, de forma séria, compreender Paupina, aldeia com população índia formada por força de suas tradições e, Messejana, a vila concentradora que é na verdade, para o bem ou para mal é a catalisadora que define um marco, justamente no dia de sua inauguração, momento que impacta, assim como a característica da data, 1º de janeiro, representa algo novo nascendo.

 

Postas as informações acima, pedimos ao Portal Messejana que divulgue essas informações e ajude o povo de Messejana a ter acesso a sua verdadeira história. Não podemos deixar que versões ficcionais destruam a verdade dos fatos. A única fonte utilizada por aqueles que defendem os 408 anos é um livro que é mais uma crônica do que texto científico, fato que o desautoriza a guiar o entendimento sobre Messejana o que guarda uma história extensa, complexa e fartamente registrada.

 

Nosso único intuito é o de preservar e defender a história de Messejana. E pela militância que demonstra consideramos o Portal Messejana parceiro nessa campanha. Portanto, pedimos a publicação deste artigo e de material anexo, sua profícua divulgação e apoio ao Projeto de Lei 272/2014 que oficializa o aniversário de Messejana, no dia 1º de janeiro.

 

Atenciosamente,

 

Poeta Edmar Freitas - pesquisador, ativista comunitário da causa de Messejana e autor de 06 livros sobre Messejana.

 

Felipe Neto - Historiador formado pela UECE, ativista comunitário da causa de Messejana e autor do livro "Muito além dos muros do Forte" - as dinâmicas que propiciaram a anexação do antigo município de Messejana a Fortaleza em 1921 e os seus desdobramentos.

 

BIBLIOGRAFIA

 

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