Antiga Messejana com sua ida a Fortaleza

Por Francisco Parente Brandão

Cresci e passei meus primeiros anos até me formar em Medicina, numa Messejana sombreada pelas mangueiras espalhadas nas áreas públicas, casas e nos sítios próximos, onde as famílias na sua maioria se conheciam e mantinham uma amizade respeitosa e em perfeita harmonia. Centro urbano, figurando como um anexo da capital cearense. A ida para Fortaleza era para nós um presente que nossos pais nos davam, levando-nos para o Centro onde com certeza teríamos o prazer de saborear o pastel com caldo de cana na Leão do Sul, ou um sorvete sentados na calçada da Praça do Ferreira, ou mesmo na bananada do Pedrão no Abrigo Central.

O deslocamento para o centro de Fortaleza era feito por ônibus da Viação Cruzeiro, pertencente aos Benevides, família numerosa e muitos dos quais com pendores artísticos de vozes privilegiadas. O percurso se iniciava no ponto de ônibus ao lado da Igreja Matriz, pegando a rua principal, na época BR 116, hoje Avenida Frei Cirilo, passando em sequência pela Cancela de Fiscalização quase em frente ao Clube da Caixa. Logo a seguir o Convento dos Capuchinhos e centro de ensino e formação de Frades Franciscanos e íamos passando pelos bairros: Barroso, Parque Iracema, Cajazeiras, Vila Cazumba, Aerolândia, onde passávamos por entre o corredor ladeado pelas carnaubeiras que enfeitavam a paisagem. Na sequência o bairro Joaquim Távora e finalmente chegávamos ao ponto final de parada na Praça dos Voluntários, homenagem aos pracinhas da FEB (Força Expedicionária Brasileira) que lutaram na Segunda Guerra Mundial, tendo no centro da praça o Busto do Presidente Getúlio Vargas, local onde até hoje se mantém o prédio da Secretaria de Segurança Pública.

O clima da Messejana era diferenciado, com temperatura abaixo da média, clima ameno tendo sido, portanto, um dos motivos para a construção do hoje Hospital do Coração, numa área privilegiada e bastante arborizada com predominância do eucalipto e que na época era referência para o tratamento da tuberculose, recebendo pacientes dos estados vizinhos que vinham para internações de longo prazo até receberem alta, após de curados. Aos domingos era frequente esses pacientes que se encontravam já em fase de alta hospitalar saírem para um passeio até o centro sendo vistos por muitos com certo medo ou receio de contágio devido à facilidade de transmissão da tuberculose, porém existia a curiosidade e até namoros foram acontecimentos esporádicos.

No centro, a Igreja Matriz com seu patamar elevado, onde com frequência jogávamos com bola de borracha para desespero do Padre Pereira que do portão da sua morada gritava: “bando de bichos” e nós saíamos em disparada rindo e felizes. E o fato se repetia até o momento da próxima vez. Em frente estava a praça principal, palco dos grandes acontecimentos em especial das festividades religiosas. Ao lado a casa residencial do Padre e o Salão Paroquial, centro de catequese e apresentações teatrais. Ao lado, não menos importante, a casa da Dona Belarmina que funcionava como Central dos Correios de onde cartas e telegramas chegavam e partiam para destinos os mais remotos.

Em horas determinadas ouvíamos o badalar dos sinos, como para despertar a fé e chamar os fieis para as atividades na igreja. Na torre de Igreja instalaram um relógio com visão das quatro laterais que funcionou por pouco tempo e ainda permanece lá com as horas marcadas diferentemente em cada lado. Tentativas para acertá-lo foram várias, porém em vão. Mas assim mesmo se tornou um símbolo local.

As famílias tradicionais em especial: Alencar, Freitas, Matos e Militão Porto gozavam de certos privilégios, tinham lugares preferenciais e reservados nas primeiras filas e até o altar principal durante as atividades religiosas, conduzidas pelo Padre Pereira, figura impar e icônica que muito contribuiu para o progresso da fé não só local, mas também nas redondezas que eram visitadas com frequência pelo vigário.

Um local que o Pe. Pereira gostava de visitar e permanecer por período mais longo era a Capela de São Roque na Lagoa Redonda, onde se hospedava na casa dos meus avós, que doaram o terreno e construíram a Capela que foi como uma demonstração de fé. Meu avô se chamava Roque e minha avó a mãe Carminha era muito católica e acolhia e acomodava o Pe. Pereira com todo zelo e cuidados especiais. A morada um casarão com alpendres longos nos lados e três janelões na fachada da frente e que existem até hoje. O caminho na época era precário e o deslocamento o padre fazia em uma charrete por caminhos estreitos e irregulares de terra batida. Sempre em tempos de festas na Capela, que aconteciam de frente da mesma, eram feitas barracas que ofereciam bebidas e guloseimas, as mais variadas. As barracas eram identificadas pelo azul e o encarnado, com direito de escolha da Rainha a que mais angariasse a simpatia e obtivesse melhor arrecadação durante os leilões frequentados pelos habitantes locais, circunvizinhança e até pessoas vindas da Capital.

Nas nossas férias escolares íamos passar no casarão dos nossos avós e tios que ainda estavam por decidirem suas vidas, éramos transportados nos lombos de burros como um comboio comandado e dirigido pelos nossos tios, uma verdadeira aventura percorrendo picadas estreitas. A casa foi construída em um terreno num terreno grande sem muro ou cerca nas laterais de frente para a estrada carroçal e na que dava para a Capela. No terreno eram cultivadas verduras, batata doce e macaxeira, produtos vendidos para abastecimento de Mercado de Fortaleza e demais redondezas. Variados tipo de frutas faziam a festa da garotada, que as saboreavam, após retirá-las dos pés com as próprias mãos, sem se importar se quente ou fria e não adoecíamos nunca.

Uma outra diversão era acompanhar o processo de como fazer a mandioca chegar ao produto final, a farinha propriamente dita. Participávamos da colheita até a distribuição para compradores espalhados pela redondeza. A pescaria na Lagoa da Precabura não podia faltar, nossos tios e o vovô faziam umas armações de varas, denominadas por eles de currais, armadilhas para captura dos peixes que eram aprisionados pelos landuás, um instrumento de pesca artesanal feito de cipós em formato de cone que eram empurrados para o fundo da lama e dessa maneira os peixes eram facilmente recolhidos com nossas próprias mãos. Tantas aventuras, lembranças saudosas e inesquecíveis. Quem não viveu esse tempo poderá dizer que é saudosismo, pode até ser, mas ter essas lembranças e repassá-las além de tê-las compartilhado, isso sim, faz diferença para mim, pois o importante é que eu estava lá... E isso me basta.

Por Francisco Parente Brandão

A imagem é da Igreja Matriz de Messejana, obtida pelo Instituto Portal Messejana 



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